rosa caeruleum

36 7 13
                                    

Da terra de lágrimas veio um vento,

E fulminou uma luz avermelhada,

Que tomou todos os meus sentidos.

DANTE ALIGHIERI, Inferno, Canto III.


Pisando descalço na clareira embebida em luar, Jimin sentiu uma força quase palpável nas sombras circundantes.

Em lugar de árvores frutíferas, a campina era cercada por ramos espinhentos dos quais brotavam flores. Suas pétalas talvez fossem alvas, contudo, a Noite legava-lhes um tom claro de azul.

Mais e mais, botões desabrocharam sufocando Jimin em um aroma que de início parecera familiar para então sintetizar-se no odor metálico de sangue.

As pétalas transbordaram vermelho.

E a criança sentiu fome.

Uma risada baixa o fez olhar para trás. Acabou sorrindo.

Quis dar um passo para perto do homem de olhos tão negros que agora sabia ser seu tio, mas ele não deixou.

As flores ainda sangravam quando se viu estendendo a mão na direção de Jungkook. Querendo tocá-lo nem que fosse com a ponta dos dedos.

Seu tio então afastou o tecido do kimono aberto e desembainhou o punhal preso na perna da calça. Fazendo um corte na própria palma, ele permitiu que Jimin se aproximasse e lhe acariciou o rosto. Polegar deslizando pela têmpora.

A divindade floral moveu os lábios, beijando a mão machucada antes de sugar o sangue do rei dos Mortos.


Acordou tossindo e teve dificuldade em se desvencilhar das cobertas porque dormira de bruços. Sua tez estava fria, suor fazendo o linho das vestes lhe grudar na pele.

Agarrando o espaldar da cama, tentou se erguer. Precisava de água. Sua garganta estava lesionada pela sede.

Havia uma jarra de cristal na mesinha de canto. Jimin se adiantou para ela, mãos ainda trêmulas.

Encheu um copo e tragou um longo gole antes de perceber que aquilo não lhe satisfaria. Queria licor. Licor com aquele algo mais que era um segredo.

Arrancando sua bata do corpo, abriu uma das portas do armário de vidro e escolheu aquilo que lhe pareceu mais simples de vestir. Pegou uma calça de algodão e atou seus cordões às pressas, passando pela cabeça uma blusa de seda que lhe caiu por um dos ombros, deixando aquela parcela de pele exposta.

Então se aproximou do conjunto de portas duplas que Jungkook prometera não usar por hora e bateu com os nós dos dedos. Não esperava que ele estivesse acordado, mas testara ainda assim. Por educação.

Elas davam acesso de um quarto para o outro e Jimin fora incisivo sobre permanecerem fechadas, sendo preferível que o mais velho usasse a entrada do corredor e sempre batesse. Havia sido uma longa conversa e o rei do Submundo só cedera porque o deus das Flores concordara que, enquanto estivesse enfermo, Jungkook não precisaria se anunciar durante seu período de sono e cuidaria dele sem interferir em seu repouso.

Lhe parecera justo desde que não corresse o risco de lhe verem nu.

Mordendo o lábio, girou a maçaneta e empurrou uma das folhas da porta. O deus dos Mortos dormia sob uma camada de veludo cobalto. Suas costas estavam nuas e Jimin acabou tocando nelas antes de perceber que pretendia fazê-lo. A rigidez dos músculos lhe provocando um leve incômodo que não soube nomear.

Jungkook acordou. Sobrancelhas se franzindo e então íris escuras fitando Jimin com interesse.

— O que há, minha criança? — ele perguntou enquanto se erguia, apoiando o peso nos cotovelos para então se virar devagar e sentar. O tecido do cobertor havia deslizado durante o movimento, dando a Jimin um vislumbre de todo o arco da coluna e, depois, do peito e do abdômen. Jungkook não fez menção de se cobrir adequadamente e o sobrinho acabou se detendo na linha profunda que descia pelo início da virilha.

Sentiu dedos longos em seu queixo e foi obrigado a sustentar o olhar presunçoso na face do rei.

— Sinto tanta sede — confessou. — Água não é o bastante.

Quase havia uma nota de benevolência no modo como Jungkook lhe sorriu antes de, como no sonho, deitar a palma em sua bochecha para lhe fazer carícias na têmpora.

Jimin involuntariamente suspirou. Suas pálpebras se fechando por um momento.

— Isso, meu bem — o rei dos Mortos incitou. — Olhos fechados. Já darei aquilo que quer.

Jimin obedeceu, quase lamentando que a pele dele largasse a sua.

Sentiu uma movimentação tornar os colchões instáveis, Jungkook voltando a lhe falar pouco depois:

— Abra a boca, Jimin.

E o sabor pingado em sua língua quando fez o que lhe fora ordenado ia além do provado até ali. Era mais denso. Sobretudo, mais tóxico.

Desejou outra dose e por isso abriu os olhos.

Diretamente sobre seu rosto, sangue pingava da mão cortada de Jungkook.

Mas não sentiu medo. Tampouco aversão.

Sequer pensou no que fazia, seus dedos se fechando em torno do pulso do mais velho para que pudesse saciar sua ânsia ao sorver do sangue do deus dos Mortos. 

Dialosia | jjk + pjmOnde histórias criam vida. Descubra agora