Meu amor me guia até você

Parte 1 - Se veja pelos meus olhos

Assim que Joui fechou os olhos naquela noite, deitado ao lado de um Cesar que era seu mas ao mesmo tempo não era, ele acordou, o que era bem controverso, já que a intenção era adormecer. Abriu os olhos, encontrando-se de pé em um local diferente do qual estava até então. A explicação mais lógica — e a que curiosamente menos fazia sentido — era que havia voltado para sua realidade, mas não demorou para perceber que também não estava em casa. O lugar, entretanto, era familiar.

Joui estava dentro de uma grande caverna. Ao seu lado, uma gigante massa asquerosa, semelhante a um coração, estava sustentada no ar, Kenan Thomas estava em cima dele; lodo cobria todas as paredes e parte do chão, se movendo lentamente para um mesmo lugar. Liz, Thiago — que por algum motivo, assumia a forma luzidio —, Arthur — sem um braço naquela hora, por quê? — e Cesar estavam próximos de si, olhando para um corpo no chão. Joui também olha, já sabendo o que encontraria. O corpo sem vida do Ferreiro se ergue do chão, coberto de lodo que rasteja na pele dele e destrói completamente sua aparência e a armadura, revelando o símbolo brilhando em seu peito. O Deus da Morte os encarou, imóvel. Joui sabia que não era mais o Ferreiro.

Sabia, também, que aquele era um sonho. Lembrava-se perfeitamente de sua história e sabia como aquela luta terminaria, mas não controlava suas próprias ações, como se apenas observasse a cena através de seus próprios olhos, mas não estivesse realmente ali agindo. Era o Joui do passado naquele momento, seu eu atual era apenas um espectador. Odiava ter que reviver essa memória, mas sabia que não tinha como fugir desse pesadelo, então apenas se preparou. Não era a primeira vez que sonhava com Santo Berço.

Aguardou pela granada de Kenan ser jogada atrás da criatura, conforme aconteceu do jeito que se recordava. O explosivo detonaria em suas costas, o Deus da Morte era grande demais, o que faria com que a explosão apenas atingisse ele e nem um de seus amigos, dando-lhes oportunidade de atacar enquanto Kenan desceria do coração, trazendo seus explosivos para a batalha, mas ao passar dos segundos, nenhuma granada caiu. Nada aconteceu. Estava paralisado, todos os seus amigos estavam, encarando com os olhos arregalados o monstro que se ergueu, que continuava a modificar sua própria aparência pelo lodo, que rasgava sua pele.

Ao seu lado, viu Arthur dando alguns passos para trás, parecendo se recuperar do choque inicial. Joui continuava observando a criatura, incapaz de agir. A próxima a conseguir acordar é Liz, que aponta sua pistola sinalizadora e atira no Deus, que sem parecer sentir dor em relação ao tiro, se vira para ela, caminhando em passos lentos em sua direção. Joui não entendia, não foi assim que aconteceu. Tentou gritar alarmado para Liz se afastar dele, mas ela parecia estar paralisada novamente, observando sem se mover a criatura se aproximando. Ao chegar perto o bastante, ele coloca as mãos nos ombros dela, erguendo-a no ar, e então...

Joui assistiu, aterrorizado, Liz se movendo em uma velocidade sobrehumana nas mãos do Deus, gritando e parecendo fazer de tudo para se soltar, em vão.

Não fazia sentido, não era assim que aconteceu. O que era aquilo? O que estava acontecendo? Por que ela?

— Liz? Que porra é essa?! — ouviu Cesar gritar ao seu lado, atirando na criatura. — Gente, eu não tenho ideia do que tá acontecendo!

A partir desse ponto, Joui tem certeza que aquele é o pior pesadelo que já teve e era ainda pior estar consciente disso. Viu seus amigos atacarem, gritarem, atacou também sem conseguir controlar suas próprias ações. Tudo estava errado. Liz não conseguia se soltar, e ao olhar direito percebeu que ela envelhecia nas mãos do Deus, sua pele se tornava enrugada, o cabelo preto adquiria uma tonalidade esbranquiçada. Kenan apareceu saltitando, juntando-se ao grupo com a mochila de explosivos, rindo e cumprimentando Miguel como se fosse ele em sua frente, claramente enlouquecido, ameaçando detonar o que tinha nas costas ali mesmo, segurando o detonador como um mero brinquedo.