O que aconteceu no Japão?

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Faziam três semanas desde a ida de Joui ao Japão, não por necessidade, mas pela sensação de ter deixado tudo para trás sem se despedir que o japonês sentia, então seria uma viagem razoavelmente rápida: comunicaria que nunca voltaria ao país para a família, pegaria certos objetos simbólicos que havia deixado para trás na última saída e os levaria consigo para o Brasil e daria um último adeus aos locais os quais visitava ao longo da vida. Ele estaria de volta naquele dia, e Kaiser aguardava com a maior quantidade de paciência que conseguia arrancar dentro de si no aeroporto, o que já não era muita, mas estava com saudade do amigo e havia prometido que estaria lá por ele quando chegasse.

Não poder fumar estava lhe causando certa agonia e os olhares constantes que eram dirigidos para as cicatrizes da explosão em seu rosto não ajudavam. Olhava a hora no celular a cada minuto, havia zerado o mesmo jogo duas vezes até então durante a espera e estava prestes a jogá-lo uma terceira quando, ao olhar para o portão de desembarque novamente, um rosto familiar procurava por alguém na multidão. Levantou-se imediatamente, se aproximando enquanto acenava para o outro o achar entre as pessoas ao seu redor, e quando o viu, um sorriso radiante surgiu em seu rosto, fazendo Kaiser automaticamente sorrir de volta sem sequer perceber.

Joui tinha esse dom de fazê-lo sorrir sem dizer uma única palavra, e Kaiser amava isso. Nunca diria isso a ele, é claro.

— Konchiwa! — o japonês disse animadamente ao estar próximo o suficiente, puxando-o para um abraço.

— Se quer falar japonês volta pro Japão. — Retribuiu o abraço apertado, feliz pela volta do amigo.

— O que eu quero não tá no Japão, tá aqui. — Kaiser sentiu suas bochechas esquentarem com a resposta, embora soubesse que a frase não significava o que sua mente o fazia acreditar. — Obrigado por me esperar, sei que você não gosta de multidões.

Separaram-se aos poucos, olhando um para o outro.

— Você tá aqui agora, isso que importa — respondeu, sorrindo minimamente, meio envergonhado. — Como foi a viagem?

— É um pouco estranho estar lá depois de me acostumar tanto com o Brasil, mas foi bom poder me despedir direito de tudo o que deixei pra trás.

— Tem certeza de que não quer voltar?

— Eu já disse, o que eu quero tá aqui. — Joui sorriu, e mais um sorriso inconsciente apareceu no rosto de Kaiser. — Eu percebi há muito tempo que meu lugar é ao lado de vocês, não importa onde for. Agora vem, vamos sair daqui, por mais que eu não aprove eu sei que você quer um cigarro.

Agradecendo internamente, seguiu Joui para fora do aeroporto, o levando até o carro para poderem partir para o apartamento que dividiam. Seguiram o caminho em silêncio, imaginava que o japonês estaria cansado após tantos dias longe então apenas se concentrou na estrada enquanto dirigia, sem puxar assunto, embora vez ou outra desse um olhar rápido para o homem ao seu lado, que mantinha a cabeça apoiada contra o banco e os olhos fechados, como se estivesse refletindo.

Ao chegarem, entraram juntos no apartamento, Kaiser logo tratando de buscar o maço no bolso, enquanto Joui seguia direto para o quarto, largando a mala que carregava ao lado da porta e se jogando na cama.

— Camas mais altas — murmurou abafado, com a cara enfiada no colchão.

O programador apenas revirou os olhos, seguindo para a sacada para poder fumar sem contaminar o ambiente de fumaça. Acendeu um cigarro, o guiando até os lábios enquanto fechava os olhos.

— E o Arthur e a Ivete? — a voz abafada do outro proferiu novamente.

— Na base, eles voltam mais tarde — respondeu, os olhos ainda fechados, voltando a tragar o cigarro ao ouvir outro murmúrio quase inaudível em compreensão vindo do quarto.

Era bom tê-lo por perto de novo, sua presença sempre era reconfortante, mesmo no silêncio. Quando Joui estava longe, parecia que faltava algo, um vazio que fazia todo o resto parecer sem graça. Os dias em sua ausência passaram devagar e muitas vezes quase como se não importassem realmente, porque não tinha nada demais neles. Agora que estava de volta, já não existia mais um vazio em sua vida e tudo voltou a ser bonito ao seu redor. Não entendia como ele fazia isso ou se sequer sabia disso tudo. Kaiser não contaria, de qualquer forma. Parecia algo pessoal demais para admitir.

Continuou fumando por alguns minutos, distraído em pensamentos que continuaram teimosamente a envolver o japonês, que provavelmente dormia naquele momento, a julgar pelo silêncio. Não era uma surpresa, no fim das contas. Joui Jouki estava presente em sua mente mais vezes do que gostava de confessar, mas isso nunca foi um problema. Era aconchegante e o fazia sentir-se bem, simplesmente por pensar nele, só nunca soube explicar porquê.

— Cesar? — a voz de Joui interrompe sua linha de pensamentos. Estranhando ser chamado pelo nome, largou o cigarro e seguiu para dentro do quarto, encontrando-o sentado em sua cama. Ao que seus olhares se encontraram, o mais completo choque surgiu em seu rosto. Ele se levantou rapidamente, caminhando para perto. Perto até demais. — O que aconteceu com seu rosto?

Kaiser o olhou confuso, o que apenas aumentou ao sentir a mão de Joui tocando a parte queimada de seu rosto suavemente, como se estivesse com medo de machucar o que já estava danificado. Ele o olhava em choque, beirando ao desespero.

— Como assim "o que aconteceu com meu rosto"? — Não se afastou do toque do outro, embora a confusão permanecesse fixa em sua face. Era bom sentir a mão quente dele em seu rosto, de certo modo.

— Cesar, você não tava assim há um minuto, o que aconteceu? Tem alguém aqui? Quem fez isso? — Começou a olhar ao redor em pânico, não acreditando no que estava vendo. Kaiser continuou estático, sem reação.

— Ninguém fez isso, Joui. Eu fiz, lembra? — A situação estava começando a o preocupar. — Tá tudo bem? Você bebeu algo diferente no caminho pra cá?

— Caminho? — repetiu sem entender. Nada parecia fazer sentido naquele momento.

— É, você sabe, do Japão pra cá — explicou devagar, estava quase certo de que o japonês havia sido drogado sem perceber.

— Japão? Eu não vou até lá faz mais de um ano, Cesar. — Definitivamente estava sob a influência de alguma droga, talvez devesse levá-lo até a base para Marcela analisar. — Isso tudo tá muito estranho, eu não sei o que tá acontecendo, mas talvez a Liz-senpai saiba explicar, vamos até ela.

Se antes Kaiser já se sentia petrificado, agora estava completamente congelado. Não entendia o porquê de Joui passar a chamar-lhe pelo nome de repente, questionar as cicatrizes em sua pele, voltar com os apelidos japoneses ou acreditar que Elizabeth ainda estava viva em algum lugar. Algo aconteceu enquanto Joui estava no Japão, talvez os traumas tivessem consumido parte de sua mente? Tinha algum envolvimento com o paranormal? Torcia para que não fosse o caso, não suportaria vê-lo machucado. Ele estava apenas sendo sarcástico, brincando com a situação? O tom preocupado e a expressão que via não pareciam condizer com isso, ele parecia sincero.

— Joui, a Elizabeth... morreu. Você não lembra disso? — contou hesitante, vendo o rosto confuso adquirir uma expressão incrédula misturada com choque.

— O quê...? — perguntou baixinho e então piscou, olhando confuso para a própria mão que ainda estava tocando Kaiser e a afastando lentamente. — Por que eu tava segurando seu rosto?

Isso não fazia sentido, nada fazia. Como ele poderia não saber daquelas coisas? Por que passou a agir como se sequer lembrava-se do que fazia até agora?

— Kaiser, por que tá me olhando assim?

Meu amor me guia até vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora