Kaiser não ficava sozinho no apartamento com frequência, pela constante companhia dos outros três moradores, era quase impossível o silêncio consumir o local. O barulho não o incomodava, era como um alívio, na verdade. Aqueles sons davam esperança para si, então chegar em casa e se ver em meio ao mais puro silêncio era sempre uma sensação estranha, parecia errado.
Se jogou no sofá ao entrar no local, olhando para o teto. Como previsto, a chuva começava a cair lá fora. Por ser fim de tarde, sabia que não demoraria para seus amigos chegarem, mas o silêncio ainda o deixava desconfortável. Estava acostumado a ficar sozinho no começo, seu pai estava sempre ausente e tudo o que lhe restava eram os jogos em seu computador e muitas horas sem ninguém para conversar ou simplesmente passar o tempo, mas até isso mudou. Sua vida mudou completamente desde sua decisão de se juntar à Ordem, e junto dela seus costumes e gostos. Kaiser agora não estava mais solitário, havia se acostumado com a presença daqueles que amava e valorizava cada momento ao lado deles, então estar sozinho vez ou outra já não era mais algo comum em sua vida.
Pegou o celular do bolso, olhando sem emoção para o aparelho. As poucas pessoas que tinham seu número não haviam mandado mensagem e não sentia vontade alguma de jogar. Olhou para o apartamento vazio por um momento, então buscou pelo aplicativo de músicas em seu celular, e com o volume baixo e os olhos fechados, deixou o celular no peito enquanto as músicas americanas que seu pai gostava de ouvir tocavam. Não gostava das melodias ou das letras, mas ao menos fazia parecer com que ele ainda estivesse presente e o apartamento não parecesse mais tão solitário naquele momento.
Continuou dessa maneira por longos minutos, deitado no sofá da sala sem realmente pensar em alguma coisa, apenas longe de tudo, completamente distraído. Ao sentir o celular vibrando e preguiçosamente o pegar para verificar, soube que seu momento de paz tinha acabado. Na barra de notificações, uma mensagem imediatamente chamou sua atenção:
[Joui: Cesar-kun? Onde você tá?] 20:31
Suspirou, já imaginando o que estava acontecendo, mas não seria grosseiro desta vez. Se o japonês realmente estivesse mal, não iria procurar discussões. Abriu o aplicativo, entrando na conversa.
Em casa [20:32]
E vc? [20:32]
Eu não sei. [20:33]
Eu não sei que lugar é esse. [20:33]
Pode me mandar uma foto? [20:34]
[Imagem] [20:35]
A imagem mostrava as mesas do salão da base, onde algumas pessoas estavam sentadas conversando e analisando documentos. Kaiser franziu o cenho, apertando os lábios. Ele não reconhecia onde estava, isso parecia estar cada vez maior muito rápido, mas como era possível? Era compreensível não se lembrar de suas cicatrizes ou daqueles que se foram, mas ter um lugar inteiro deletado de sua mente de repente não parecia se encaixar nisso, era grande demais.
Cesar-kun? [20:37]
É a base da ordem, Joui [20:38]
O lugar que eu disse mais cedo que a gente tava indo [20:38]
Esse não é o mesmo prédio. [20:39]
Eles mudaram [20:39]
Vc tá embaixo de um bar [20:39]
Carpazinha? [20:40]
Não [20:40]
É o Suvaco Seco, mas não aquele [20:40]
O Arthur vai te levar pra casa [20:41]
Arthur...? [20:41]
Não lembra dele? [20:42]
O Arthur-san? Claro que lembro. [20:42]
Mas por que ele estaria aqui se aqui não é Carpazinha? [20:43]
Kaiser já podia sentir seu coração batendo mais rápido em seu peito e a respiração começando a ficar fora de ritmo, incontrolável. Joui não fazia por maldade, sabia que não, mas as memórias eram demais para suportar. Não queria pensar nelas, não podia. Era demais. Não queria.
Só relaxa, tá tudo bem [20:44]
Não estava tudo bem, era mentira. Odiava mentir. Suas mãos começavam a tremer, os pensamentos já estavam começando a ficar bagunçados.
Com dificuldade, trocou o chat, indo para o de Arthur.
Arthur, vem pra casa quando der [20:45]
Não sai de perto do Joui [20:46]
Te explico dps [20:46]
E largou o celular de qualquer jeito na mesinha em frente ao sofá, sentando-se ao mesmo tempo em que tentava normalizar sua respiração e se acalmar, mas já era tarde. A dor o venceu mais uma vez. Apoiou as mãos nos joelhos, sentindo as lágrimas caindo por seu rosto. Seu corpo tremia, coisas demais passavam por sua mente, tantas que era quase impossível sequer processá-las corretamente, era tudo uma bagunça.
Minutos ou horas depois — não sabia dizer com precisão, nada disso parecia fazer sentido —, ouviu a porta do apartamento sendo aberta e passos fortes vindo em sua direção. Não tentou disfarçar o choro ou sequer levantar a cabeça para ver quem havia entrado, perdido demais naquela angústia para conseguir se concentrar em qualquer outra coisa.
— Kaiser... — A voz de Arthur o chamou em tom suave, enquanto ele se ajoelhava em sua frente. — Tô aqui agora, olha pra mim.
Ergueu o olhar para o homem em sua frente, embora não conseguisse enxergá-lo direito. Sentiu a mão dele tocando seu rosto com cuidado, secando algumas das lágrimas que ainda caíam.
— Cesar-kun... — ouviu Joui o chamando, e logo após um peso no sofá, indicando que ele havia se sentado ao seu lado. Sentiu uma das mãos dele tocando seu ombro, hesitante.
— Já passou, amigão — Arthur continuou, delicadamente. — Fica aqui comigo. A gente tá aqui.
Não eram as palavras carinhosas que ele falava ou sua presença que o faziam sentir-se calmo novamente, todo aquele sentimento confuso não desaparecia por mágica. Demorou para Kaiser se recuperar novamente e parar de chorar, mas nem Arthur e nem Joui saíram de perto de si durante esse período. Eles continuaram ali, sem julgar ou reclamar. Arthur continuou secando as lágrimas que teimosamente continuavam caindo e falando elogios e comentários suaves. Joui — que naquele ponto Kaiser já não sabia mais se realmente podia chamar assim — permaneceu em silêncio, mas não tirou a mão de seu ombro e vez ou outra fazia um carinho leve na região em um apoio silencioso. Ele provavelmente nem entendia o que estava acontecendo.
Com tempo e paciência, sua respiração voltou a se normalizar e os tremores foram cessando, já conseguia organizar melhor os próprios pensamentos. Quando já se sentia um pouco melhor, sorriu minimamente para Arthur tentando demonstrar calma, mas tudo o que sentia era medo. Explicaria para o guitarrista o que estava acontecendo com Joui naquele dia, expondo a situação, seus pensamentos e em como tinha certeza de que não era um caso sobre traumas.
Aquele não era o Joui.
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Meu amor me guia até você
FanfictieKaiser se vê numa situação complicada quando, de repente e sem explicação, Joui muda. Não como uma mera mudança de humor ou resultado de estresse acumulado, é como se... o Joui que Kaiser conheceu na primeira missão estivesse entrando no corpo do Jo...