Apesar de estar mais calmo, Kaiser queria sair correndo. Sair em disparada pela porta e correr pelas ruas sem qualquer direção em mente até que o cansaço o obrigasse a parar, ofegante e com a mente desperta, mas ocupada apenas com a emoção da corrida. Os momentos de ação lhe distraíam momentaneamente, e por mais que fosse um homem sedentário a seu ver, era bom sentir a adrenalina percorrendo seu corpo de vez em quando. Por esse motivo, situações calmas e conversas longas o deixavam ansioso, perdia-se nas próprias palavras e explicações, então estar prestes a explanar seus pensamentos e teorias a respeito de Joui tanto para ele próprio quanto para Arthur era desconfortável, para dizer o mínimo.
Ficou olhando para o próprio colo por um tempo, tentando organizar-se mentalmente. O que tinha até então? Joui havia voltado para casa após três semanas no Japão, pouco tempo após sua chegada houve a primeira troca de personalidade, a falta de reconhecimento de certos eventos e a crença de que Elizabeth continuava viva, e então o esquecimento repentino de tudo isso. Horas depois, a mudança aconteceu novamente, lembrando-se de novo de tudo o que foi dito, com a adição de Thiago e a confusão ao ouvir sobre Agatha e a base da Ordem, para no fim voltar para o normal e esquecer. Por último, as mensagens, onde ele parecia não reconhecer mesmo a base e parecer intrigado pelo fato de Arthur estar presente.
O conhecimento de Kaiser não era tão vasto nessa área, mas tinha certeza de que já não era um caso que qualquer médico pudesse tratar baseado em exames e análises. Nunca teve muitos amigos, mas conhecia perfeitamente aqueles que agora tinha. Lembrava-se perfeitamente das palavras de Joui há tantos meses, logo após o tiro disparado em sua bochecha na primeira missão. "Eu olhei nos seus olhos e vi que não era você."
Kaiser sabia que aquele também não era o Joui. Pensando com calma, podia perceber que nas mudanças o tom de voz do japonês suavizava e a postura tornava-se menos rígida e mais descontraída. Os apelidos japoneses não eram pronunciados de forma irônica ou sarcástica, mas da exata forma que eram ditos no começo, respeitosamente. O olhar também mudava, este principalmente. Estava acostumado a encontrar um olhar sobrecarregado no rosto de Joui, o de alguém que fazia tudo o que estava em seu alcance para fazer tudo com precisão para compensar os erros do passado, como se a cada acerto tentasse suprir a sensação de falha que situações passadas o fizeram sentir. Ele nunca disse isso, mas Kaiser sabia. Um Joui que se cobrava demais por tudo, e não era isso que viu quando ele mudou. As mudanças traziam um Joui em paz, de mente e alma limpas, tão oposto ao que via todos os dias. Era a única coisa que gostava até então naquele Joui que aparecia vez ou outra, ele não parecia ser tão duro consigo mesmo. Podia praticamente sentir que haviam razões ainda mais misteriosas por trás de tudo aquilo, restava apenas saber explicar isso.
Olhou para o japonês ao seu lado, que mantinha a mão em seu ombro, embora parecesse meio hesitante ainda, como se não tivesse certeza de que aquele contato era desejável para Kaiser. Joui trazia um olhar preocupado, mas perdido, ele definitivamente não sabia o que estava acontecendo naquele momento e também não era o Joui de sempre. Aqueles olhos estavam diferentes.
— Eu olhei nos seus olhos e vi que não era você — Kaiser falou com a voz mais baixa após tanto tempo em silêncio, sem desviar o olhar do outro.
Joui apertou os lábios um no outro, pensando por um momento, e então tirou a mão de seu ombro, a levando lentamente até o próprio rosto, os dedos tocando levemente a cicatriz em sua bochecha.
— Eu disse isso pra você — respondeu devagar, tentando acompanhar — depois que eu acordei.
Kaiser assentiu, satisfeito por essa lembrança existir, por mais que não entendesse porquê.
— Entende agora? — perguntou no mesmo tom, vendo-o acenar em concordância, os dedos ainda tocavam a marca do tiro em sua pele.
— Do que vocês tão falando? — Arthur questionou, ainda no chão em sua frente.
Olhou para ele com o mais completo desânimo em sua face, reunindo qualquer força que ainda tivesse dentro de si para não começar a chorar novamente. Aquilo estava o assustando tanto. Joui estava diferente desde que voltou para o apartamento com Arthur, aquela mudança de comportamento não se foi tão rápida quanto as outras, então talvez estivesse ficando maior a cada vez. Temia que, eventualmente, ele não voltasse ao normal, permanecendo naquele Joui que parecia ter vivido outras coisas e que desabasse ao perceber que já não tinha mais o que acreditava ter. Kaiser não conseguiria vê-lo caindo de novo.
— Arthur-san... — Joui chamou, claramente incerto ao chamá-lo dessa forma. — Tem algo acontecendo... comigo. Desde que voltei do Japão, aparentemente, mas eu não lembro de ir até lá.
— Como assim não lembra? — Ele parecia confuso, passando o olhar de Joui para Kaiser enquanto esperava por uma explicação.
— Ele não lembra disso — Kaiser respondeu, apontando para a parte queimada de seu rosto —, provavelmente disso também — e apontou para as cicatrizes no rosto de Arthur em seguida.
— Não sei porque você tá aqui agora, porque chamou o Cesar de Kaiser ou porque ele fuma — o japonês continuou. — Eu não lembro de muitas coisas que vocês parecem lembrar, e isso acontece de repente. Não era pra eu estar aqui agora, eu acho. Eu só apareço.
— Por isso você tava fazendo tantas perguntas no caminho pra cá e me olhando daquele jeito? — Arthur perguntou, vendo o outro assentir. Olhou para Kaiser logo após, buscando entender, mas não tinha resposta alguma para dar.
— Eu só abro os olhos depois de piscar e apareço aqui, e depois pisco de novo e volto pro que tava antes. A Liz-senpai disse que pode ser troca de corpo por algum ritual, mas ela nunca viu alguém ir pra outro lugar desse jeito.
— A Liz...? — A confusão era evidente no rosto do guitarrista.
Kaiser olhou para o colo novamente, respirando fundo devagar. Aquele assunto precisava ser discutido, precisava enfrentá-lo.
— Eu não sei, Arthur. Eu não sei — Joui respondeu. — Eu não sei o que aconteceu aqui, tudo parece tão diferente. Isso não tá certo.
Arthur, percebendo a inquietação de Kaiser, buscou por sua mão no sofá, segurando-a com carinho. O programador sorriu discretamente, apertando a mão dele e concentrando-se nela, sentindo os dedos curtos mas habilidosos na guitarra do homem baixinho em sua frente.
— Do que você lembra? — continuou as perguntas, tentando juntar as peças. Era surpreendente a forma como ele lidava calmamente com a situação.
Joui olhou ao redor do apartamento por um momento, pensando.
— Eu tava sentado, do mesmo jeito que eu tava quando acordei naquele lugar que a gente tava antes, só que em casa. Aqui, na verdade — acenou com a mão vagamente, insinuando o apartamento. — Ele não é exatamente assim, mas eu reconheço o lugar. Sei que moro aqui.
— Você mora aqui com a Liz?
O japonês ficou em silêncio após a pergunta. Estranhando, Kaiser ergueu o olhar novamente, encontrando-o olhando para si com as bochechas coradas.
— Com o Cesar, na verdade — respondeu, hesitante.
Kaiser arqueou a sobrancelha, confuso com a vergonha do outro.
— Por que ficou assim? Você já mora aqui comigo e com o Arthur — declarou questionador, vendo as bochechas já vermelhas dele ficando um pouco mais coradas.
— Eu moro só com você aqui — Joui continuou, então olhou para a própria mão —, você é meu namorado.
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Meu amor me guia até você
FanfictionKaiser se vê numa situação complicada quando, de repente e sem explicação, Joui muda. Não como uma mera mudança de humor ou resultado de estresse acumulado, é como se... o Joui que Kaiser conheceu na primeira missão estivesse entrando no corpo do Jo...