As Filhas de Kahara e o Trono Maldito

11. Altum cicatrice orta est

Mansão Kahara

Terça-feira, 10 de julho de 2018.

14hr 45min.

A figura pálida de profundos olhos azuis possui um semblante cansado e densas olheiras, mas caminha firmemente, exalando confiança e autoridade. Adentra o laboratório calmamente, sua aura quente e reconfortante toma conta do lugar.

—Ah capitão! — Tyler suspira visivelmente aliviado — Que bom ter você de volta, amigo. — ele o envolve em um abraço.

—Parece ter tido dias mais árduos que os meus, amigo... — Nicolas comenta ao ver que Tyler também dispõe de olheiras pesadas em seu rosto — E eu acabo de voltar de uma viagem de 12 horas antecedida por uma missão de resgate realmente exaustiva... — ele completa ao se sentar em uma cadeira — Me diga pelo o que tem passado... Qual o relatório da missão em minha ausência?

Tyler coloca na tela a imagem que mais o intriga. A coluna vertebral de Melissa com pontos brilhantes se alastrando por seus ossos.

—Isso não pode ser verdade... — Nicolas dizia descrente — Tumores?

—Achei que fosse isso... Metástase óssea foi meu primeiro palpite até notar que não é um câncer...

Tyler coloca em seguida outra imagem. Um raio-x da nuca de Melissa.

—O que é isso? Chumbo? Está ofuscando o raio-x! — Nicolas diz calmamente.

Tyler suspira antes de dar a noticia que certamente abalaria a calmaria do amigo.

—Nicolas, isso é um fragmento de pynetrix sifão.

Nicolas pausa por um instante e olha mais atentamente a imagem, endireita sua postura, volta seu olhar para Tyler e em seguida para a tela, pisca duas vezes, mas parece não querer aceitar o que seus olhos veem.

—Não... Não... — ele sussurrou movendo a cabeça de um lado para o outro.

Imagens de uma enorme explosão em chamas azuis tomam sua mente. Uma memória que há muito tempo ele evitava lembrar, pois machucava demais, machucava profundamente seus sentimentos. O pior dia da sua vida estava vindo a tona em sua mente e ele simplesmente não conseguia impedir a lembrança.

—Esse fragmento calcificou-se na vertebra cervical e seu conteúdo se alastrou pela coluna. É isso que vem inibindo os poderes dela. Não é o autismo ou qualquer outra condição emocional ou psicológica. — as palavras de Tyler eram apenas um leve sussurro ao fundo, pois a mente de Nicolas estava tomada pelos gritos de desespero de um hospital em chamas em sua memória.

Em sua memória o choro estridente de duas recém nascidas o causava náuseas. Ele queria pegá-las, queria acalmá-las, protege-las, mas essa é a pior coisa referente as memórias: não importa o quanto você queria ter feito diferente. Já passou. Já foi. Já aconteceu. Nicolas estava a ponto de perder a batalha contra as lágrimas de arrependimento que queriam descer pelos seus olhos. Por mais que ele quisesse voltar aquele quarto de hospital e fazer tudo direito, sua memoria o lembrava de como sua raiva e tristeza explodiram em chamas como uma enorme fênix ao seu redor, engolindo tudo o que tocava, consumindo e carbonizando instantaneamente o corpo decapitado de sua amada que repousava em um leito a sua frente e se alastrando pelo chão e paredes. O fogo não tinha piedade, não queria saber se era um hospital, uma maternidade... Ele apenas consumia tudo o que tocava...

—Droga... Isso é culpa minha... — ele sussurrou quase inaudivelmente, levantando-se e andando agitadamente de um lado para o outro, colocando a mão sobre os olhos como se quisesse expulsar as imagens que aquela lembrança trazia.

—Não, não... — Tyler tentava consolar o amigo, por mais que não compreendesse ao certo porque que isso parecia o afetar tanto — Isso já estava lá muito antes de chegarmos Nick... — ele continuava em um tom ameno.