OCHO

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Apesar dos temporais, guardo
sopros de suavidade em mim.

— Qual é o seu problema com essa porta?- o garotinho pergunta logo depois que entramos no seu carro. Ele tentou esconder uma rosa vermelha e uma caixa de bombom jogando no banco de trás, mas eu já tinha visto— Já precisei concertar a borracha umas duas vezes por...

Paro de escutar para evitar uma discussão, fico tentando imaginar o motivo que fez o garotinho desistir de um encontro e ir até a minha casa. Não consigo imaginar uma razão coerente que possa ter feito ele abandonar um compromisso só para entregar meu celular. Não é o tipo de coisa que o garotinho costuma fazer, ele realmente leva a sério todos os encontros e trata bem todas meninas por mais que saiba o resultado daquilo.

Nunca dá em nada.

— Você não estava realmente indo ver a minha mãe, estava?

Interrompo o garotinho sem dar importância para o que ele dizia antes, acho que ele também não se importa com o que estava dizendo, pois me dá atenção rapidamente. Olho para ele esperando sua resposta, percebo que ele está tentando mentir para mim, mas o garotinho é bobo demais para conseguir.

— Quero a verdade.

— Eu ia mais tarde, mas você estragou tudo- ele faz uma pausa, mas continua quando percebe que eu não vou falar— Nós percebemos que você esqueceu o celular na arquibancada e como eu estava de saída, me obrigaram a ir te entregar. Ouvi você e seu pai e resolvi esperar tudo acabar para bater na porta. A propósito, isso acontece com frequência? Ele sem--

— Pula isso- o garotinho engole o resto de sua pergunta e continua.

— Escutei que você queria ver a sua mãe e aproveitei a situação, só isso.

Sua resposta é suficiente para me calar, pelo menos por alguns segundos. Logo tudo que aconteceu com o meu pai volta na minha mente, até considerei por um tempo ir morar com Joalin, mas foi mamãe quem jogou minha ideia fora. Se ela não quer, eu com certeza não vou fazer, nem se meu pai me ameaça e me machucar mais trinta vezes.

Escolho não pensar nisso, estou prestes a ver a minha mãe e ela não vai gostar de me ver preocupada. Então rodo meus olhos no carro do garotinho procurando alguma coisa para me distrair, e claro, não é muito difícil.

— Pra que tanto perfume?- pergunto e logo em seguida abro a janela.

— Cala a boca, o cheiro é maravilhoso.

— Maravilhoso? Nem perto disso, garotinho. Agora eu entendo porque você não namora.

Olho para o lado, porque a melhor parte de provocar o garotinho é ver sua reação. Eu sempre preciso esconder a risada, já que era muito engraçado vê-lo bravo. Não sei se era pelo jeito que ele franze as sobrancelhas, ou se é o jeito que seus lábios se juntam em um bico; não importa, é sempre engraçado.

— O bebê vai chorar?- me aproximo para falar perto do seu ouvido, principalmente por saber que isso o tira do sério— Quer um pirulito?

— Eu vou te jogar para fora do carro!

— Você não pode, eu não falei nada sobre o quanto você dirige mal.

— Ah, não posso?- ele me encara sorrindo.

[...]

O caminho para o hospital normalmente dura vinte e cinco minutos, mas demorou quase o dobro para mim pois tive que ir andando. O idiota do garotinho me abandonou no meio do caminho, saiu tão rápido com sua caminhonete estúpida que eu fui incapaz de alcançá-lo. Chego no hospital com o meu rosto queimando, e eu não sei se é de raiva ou por causa do sol quente. Descubro que é raiva quando avisto o garotinho sorrindo na recepção, estou tão brava que a primeira coisa que faço é distribuir vários socos em todo seu corpo.

Until the last danceOnde histórias criam vida. Descubra agora