TREINTA Y SEIS

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28 de outubro, segunda-feira

You took my broken melody,
and now I hear a symphony.

Noah Urrea

— Quer que eu vá com você na fisioterapia?

A garotinha pergunta enquanto terminamos de nos arrumar para ir pra escola. Ainda estou com dor no joelho, então colocar aquela faixa me dá vontade de gritar. Tento ser forte e ficar quieto, mas acabo soltando alguns xingamentos no meio do processo. Consegui dormir bem de noite, mas por mim eu teria dormido mais. Vou ter que ouvir perguntas e lamentações na escola porque minha carreira acabou.

Nem estou mais tão mal por isso depois da conversa de ontem com os meus pais, mas não sei se vou aguentar todo mundo jogando na minha cara que eu acabei com tudo me machucando.

— Não- respondo para a garotinha— Você vai dirigir até a escola?

— Uh, não. Tive um pesadelo hoje, sonhei que eu bati o carro na Golden Gate e caí na água.

Ela conta isso com a maior naturalidade, é tão surpreendente que eu me viro para olhar pra ela. Parece calma, parece bem. Fico tão feliz em vê-la assim, conseguindo continuar sem aquela dor no olhar. Me levanto e seguro sua mão, a puxo para mais perto e seguro sua cintura com o outro braço. Lentamente, dançamos juntos durante o pouco tempo que temos. Fechos os meus olhos e sinto seu cheiro, foi isso que me impediu de surtar noite passada. O pai dela apareceu mas ela não fugiu, ela ficou comigo. E assim como ela, eu preciso estar aqui.

— Vamos, crianças!- papai grita no andar de baixo.

— O que você vai fazer depois da aula?

Pergunto em voz baixa e a garotinha abaixa sua cabeça. Não entendo, mas respeito.

— Estou pensando em ir no cemitério, talvez... Você acha que eu consigo?

— Claro que sim- levanto sua cabeça colocando os dedos em seu queixo— Não quer o carro?

— Não, eu vou ficar bem.

A garotinha segura minha mão e me abraça, nós dançamos mais um pouco e finalmente vamos para a escola. Meu pai nos leva, e a garotinha e eu vamos no banco de trás. Andamos juntos na escola e ela me ajuda com os meus materias, mas só até Josh chegar e fazer isso por mim. Sei que ele tem perguntas, mas mesmo depois que a garotinha sai, não faz nenhuma. Olho para ele de relance enquanto arrumo meu armário, odeio ver essa expressão preocupada em seu rosto. Jogo minhas coisas dentro do armário de metal e fecho a porta. Josh se assusta.

— Já te contei que rompi um ligamento?

— Sina me contou ontem- ele diz— Você tá bravo, mas eu não entendo. Tá, o futebol já era mas... Não é só isso.

Respiro fundo, acho que pra ele eu posso confessar algo que não falei para ninguém.

O primeiro sinal toca, mas Josh ignora. O que é ótimo para mim, porque agora que ele tocou no assunto eu não vou poder evitar falar. Nós vamos para o pátio, onde não tem ninguém nessa hora. Sento no banco e deixo minha muleta de lado. Josh também senta, mas está inseguro, ele parece saber que o que eu vou falar não é confortável pra mim.

— Estou começando a achar que eu me machuquei sozinho...- meu amigo trava, fica congelado e nem respira— Talvez, sem perceber. Eu estava sentindo uma coisinha há um tempo, mas não dei importância. No jogo de sábado doeu muito, mas eu não... Não fiz nada, e aí aconteceu o que aconteceu. Eu fiz isso, Josh. Eu acabei com tudo.

— Não, para com isso.

Josh se ajeita no banco, mas está agitado, quase posso ouvir sua cabeça trabalhando para entender o que eu falei. Sei como é, fiquei o fim de semana inteiro assim.

Until the last danceOnde histórias criam vida. Descubra agora