DIECINUEVE

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Não é porque o céu está nublado
que as estrelas morreram.

Noah Urrea

Cruzamos o lago da fazenda com o bote, a garotinha pegara um pouco de pão no galpão do vinhedo e alimentou os patos durante o nosso trajeto. Ela fazia isso quando éramos pequenos, mas nós nunca andamos de bote juntos, pois nossos pais tinham medo de que alguém acabasse empurrando o outro para fora. Ainda acho que isso pode acontecer, mas não agora. Estou gostando de ver o sorriso triste que se forma no rosto dela às vezes, sempre que sua mente parece ter lembrado de algo bom.

— Sua mãe vai matar a gente- a garotinha comenta saindo do bote e subindo no píer.

— Ela vai adorar te ver- respondo— A propósito, eu posso ligar para o meu pai?

Olho para a garotinha, ela responde jogando os ombros enquanto caminha para a casa. É um imóvel de madeira, tem dois andares e as paredes da sala são de vidro. Está quase dentro da floresta, mas é um dos lugares mais lindos que eu já vi. Vejo a garotinha subir a pequena escadaria parar chegar na porta, mas ela não abre. Fica ali com a mão na maçaneta, mas não se mexe. Mando uma mensagem para o meu pai dizendo aonde estamos e sigo para onde a garotinha está. Sinto sua tensão, então falo:

— É só a minha mãe, ela não vai te forçar a nada e também acho que ela não tem perguntas. Eles só querem te ver. Querem te mostrar que você tem com quem contar.

— Eu sei, sei disso- ela respira fundo— Pareço muito com a minha mãe. Acho melhor eu ir embora. Ela vai sofrer, garotinho.

— Ela já está sofrendo- falo, só então a loira olha para mim e eu para ela— É o luto, e eu não sei quando vai passar, mas você não vai piorar nada. Mamãe está com saudade, e você ser parecida com a tia Alex pode ajudar.

— Ou piorar.

— Só vai descobrir isso se entrar- faço um desafio, pois sei que ela gosta de desafios.

Funciona. A garotinha empurra a porta e entrar na casa. A sala é enorme, então nós demoramos um pouco para achar minha mãe mexendo nos quadros perto da lareira, no canto do lugar. Ela parece surpresa, não sei se é porque a garotinha está aqui ou se é porque nós dois estamos aqui, juntos. De qualquer maneira, ela apenas se aproxima e envolve a garotinha em um abraço. Beijo a cabeça da minha mãe e saio dali, dessa vez vou para a parte de trás, onde tem um pergolado iluminado.

Sento no sofá e relaxo, sinto um sorriso idiota brotar no meu rosto mas não faço questão de desmanchá-lo. Muita gente tentou fazer a garotinha sair de casa, mas só eu consegui por algum motivo indefinido. Prefiro não pensar nisso, talvez eu descubra algo que não quero e isso vai estragar o momento.

Minha mente acaba viajando até chegar em Joseph, toda vez que lembro de como ele teve coragem de ir bêbado ao velório da mulher meu estômago se embrulha. Isso também está estragando o momento, preciso de outra coisa.

— Não acredito!- ouço a garotinha rindo com a minha mãe, elas conversam mais um pouco mas eu não entendo. Até que ela fala mais alto de novo— É sério? Tipo... Córnea?- elas riem de novo e eu acabo rindo também, mesmo sem saber o contexto da conversa— Que péssimo!

— Oi!- viro para trás quando ouço meu pai, ele deve dado a volta na casa para não interromper a conversa das meninas— E aí? Como você...

— Não sei- digo quando papai senta ao meu lado no sofá acolchoado— Mas ela está aqui, e isso é bom, não é?

— Isso é ótimo! Elas te expulsaram de lá?

— Saí sozinho. Fiquei com medo de lágrimas e pedidos de desculpas e lamentações- parece egoísta agora que eu falei e parei de guardar na minha cabeça— Mas agora ela estão rindo.

Until the last danceOnde histórias criam vida. Descubra agora