O dia amanheceu minimamente mais quente na quarta feira, embora ainda não fosse possível ver o sol no céu. Este continuava cinzento e denso, mas já era um grande avanço não estar chovendo.
Demorei a sair da cama, o sono não querendo me abandonar. Ontem meu dia tinha sido gigantesco; além de arrumar a casa e organizar minhas coisas, eu passei a madrugada inteira estudando. Fiz as tarefas e coloquei as matérias em dia. Só fui dormir depois das três da manhã, para agora, as sete, ser forçada a acordar. Eu nem precisava me olhar no espelho para saber que eu estaria parecendo um zumbi.
Tomei um banho rápido, para terminar de acordar, e separei uma roupa. Escolhi uma calça clara, blusa preta de mangas compridas e um casaco marrom por cima. Calcei as mesmas botas de ontem e fiz um coque no cabelo, bem no topo. Eu estava linda, mas meu rosto incomodou um pouco. Haviam olheiras visíveis debaixo dos olhos.
Revirei a gaveta da cômoda, atrás da minha maleta de maquiagem. Peguei base, corretivo e um batom. Escondi o que consegui das imperfeições, e cobri meus lábios com o líquido cor de chocolate. Eu amava esse batom. Era bem escuro e marcante. Realçava meus olhos castanhos e contrastava com o cabelo negro, dando a impressão que eu era mais branca do que de fato era. Me fazia sentir como uma boneca.
Ali, enquanto me admirava, foi impossível não lembrar de Henrique. Todos sempre falavam que eu era sua cópia feminina. A mesma cor de cabelo, de olhos e os mesmíssimos traços firmes, fortes. Traços que remetiam a sua origem mexicana. E que eu herdei. Da minha mãe eu tinha puxado apenas a covinha no lado esquerdo da bochecha e o corpo voluptuoso. Ela brincava que só havia feito o trabalho de me gerar.
Sorri, com as lembranças que invadiram minha mente; dos momentos felizes, de viagens, passeios e brincadeiras, dos jantares, conversas e brincadeiras, do quanto éramos unidos. De como o amor estava presente. Era simplesmente impossível ficar triste perto dos dois; foram eles que me apoiaram no meu primeiro fora, no primeiro beijo, nas brigas e problemas. Eu podia contar com meus pais para tudo e não havia segredos entre nós. Certamente foram os meus melhores anos.
De repente, as imagens mudaram e o momento do acidente tomou espaço. Sem controle, assisti novamente ao instante da colisão e de cairmos do desfiladeiro. Relembrei a sensação de ter os vidros cortando minha pele, dos gritos que eu nem percebia soltar e da gigantesca impotência ao olhar para o lado e ver meu pai desfalecido. Morto.
Fechei os olhos com força, respirando fundo. Não era a primeira vez que acontecia, e como as outras, era necessário pensar em outro assunto para fazer as recordações irem embora. Demorou tortuosos dois minutos, mas funcionou.
Era esse um dos maiores motivos para evitar me lembrar de Henrique. Eu estava evitando muitas coisas ultimamente, na verdade. Qualquer coisa que desencadeasse incômodos eventos.
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𝑰𝑹𝑹𝑬𝑺𝑰𝑺𝑻𝑰𝑽𝑬𝑳 ― 𝐽. 𝐻𝑎𝑙𝑒
Vampire𝗔𝗟𝗜𝗡𝗔 𝗤𝗨𝗘𝗥𝗜𝗔 𝗔𝗣𝗘𝗡𝗔𝗦 recomeçar. Perder o pai e ser assombrada diariamente pelas lembranças do fatídico acidente era demais para a cabeça da adolescente, seu corpo implorava por paz. E ali, na minúscula cidade de Forks, a tão almejada...