CHAPTER 22

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ALGUNS MESES ANTES

A tensão era palpável.

Minha mãe encarava as cartas como se fossem uma sentença de morte por escrito e as segurava tão firmemente que os nós de seus dedos estavam brancos e parecia que ela estava prestes a rasgá-las. Ainsley não estava em casa quando minha mãe desmoronou. E dei graças aos céus de eu não ter tido a última aula da faculdade. Não sei como ela reagiria se eu não estivesse aqui.

Peguei delicadamente as cartas das mãos dela enquanto minha mãe quebrava diante de mim. Percebi que se tratava do aluguel e das contas de água e luz, que estavam atrasadas havia dois meses. Minhas economias não davam para pagar tudo de uma vez. E acho que minha mãe sabia disso porque ela começou a soluçar ainda mais quando viu a minha expressão.

— Nós vamos ficar bem — murmurei, tentando convencer mais a mim mesma do que ela — Eu sei que vamos.

Mamãe limpou as lágrimas das bochechas e me encarou com uma mistura de raiva e tristeza.

— Como você sabe? — ela grunhiu — Não prometa algo que você não pode cumprir.

O tom severo e irritado de minha mãe me machucou profundamente em níveis que não consigo explicar. Ela nem mesmo conseguia me chamar pelo meu nome. E não acreditava em nada do que eu falava. Uma mãe não acreditar no que você diz é quase tão doloroso do que se ela fosse indiferente a isso.

Engoli o choro que se instalara no fundo da minha garganta.

— Eu posso pagar as contas de luz e água, que estão atrasadas. Vou tentar conversar com o senhor Ivan sobre o aluguel.

Minha mãe me ignorou completamente e se levantou, pegando uma garrafa de uísque de dentro do armário e um copo. Meus olhos se arregalaram tanto que pensei que eles iriam sair rolando das órbitas.

— Como a senhora conseguiu isso?

Ela bateu o copo na mesa, fez o mesmo com a garrafa, e se sentou. Sem dizer nada, ela abriu a garrafa e despejou tremulamente o conteúdo no copo.

— Eu roubei — ela respondeu, como se estivesse dizendo que saiu para dar uma caminhada.

Minha boca agora estava aberta em completo choque e incredulidade. Como ela conseguia me dizer isso com tanta tranquilidade? Minha mãe sempre ensinou Ainsley e eu que roubar era errado, mesmo que fosse somente uma tampa de caneta.

Quando eu tinha dez anos, fui até uma loja de conveniências para comprar três pães — que era exatamente o valor que eu tinha naquele momento para pagar — e meus olhos infantis viajaram até o setor de doces. Eu nem me lembrava quando tinha sido a última vez que eu comi um chocolate. Isso, para nós, era um luxo que não tínhamos como bancar. Mas eu fiquei com tanta vontade, meu estômago parecia dar cambalhotas, me incentivando a pegar uma barra.

A barra de chocolate era pequena, do tamanha da minha mão. Eu peguei, mesmo sabendo que não sobraria dinheiro para comprá-la. E, travando uma luta árdua entre minha consciência e minha barriga, não pude evitar colocar o chocolate na parte da frente da minha calça jeans surrada. Eu tinha olhado para os dois lados e não vi ninguém me observando. E pensei no quanto aquilo foi fácil.

Mas quando cheguei no balcão, o homem barbudo e gorducho me encarava friamente e me surpreendi quando ele estendeu a mão diante de mim.

— Pode devolver, sua pilantrinha.

Aquela foi a primeira vez que alguém me chamou daquela forma e eu fiquei chateada por isso. Ou talvez eu tenha odiado ter sido pega no flagra. De qualquer forma, uma onda de choro percorreu meu corpo, mas eu a engoli e encarei o homem como se não fizesse ideia do que ele estava falando.

— O que?

— Olha só, ou você me devolve o que colocou aí dentro — ele apontou para a minha calça e eu ruborizo ardentemente — Ou você paga e eu não chamo a polícia.

Inspirei.

Seria inútil negar. O homem, de alguma forma, conseguiu me ver colocando o chocolate na calça. E ele sabia que eu não tinha dinheiro para comprar. Derrotada, retirei a barra e a coloquei um tanto bruscamente no balcão. O homem deu um sorriso distante, quase ameaçador, e eu estremeci.

— Agora dê o fora e não volte mais aqui.

Naquele dia, voltei para casa com a humilhação estampada em meu rosto e sem o pão do café da manhã. E nesse mesmo dia, minha mãe sacou seu chinelo do pé, me deu cinco chineladas e disse que, se eu roubasse novamente, eu apanharia com a cinta de couro que ela guardava para ocasiões especiais.

Mas agora, vendo a minha mãe beber algo que ela roubou apertou o meu coração e mostrava o quanto ela parecia desesperada. Minha mãe estava completamente sem rumo à minha frente e eu não tinha ideia do que fazer a respeito. Se ela, que deveria dar apoio emocional e financeiro para as filhas, estava perdida, como eu poderia estar diferente?

— Mas por que a senhora fez isso? — questionei, ainda petrificada.

Minha mãe bufou, tomando um longo gole da bebida alcóolica antes de me fitar.

— Porque não temos dinheiro e eu quero, por um momento, esquecer que eu estou viva.

Santo Deus.

Eu sabia que algumas pessoas usavam a bebida para amenizar, ou até aliviar, a dor que sentiam. Mas beber para esquecer que está viva? O quanto eu estava ignorando o estado lamentável de minha mãe? Ela estava morrendo lentamente diante dos meus olhos e eu não conseguia enxergar.

— A senhora não pode fazer isso — eu respondi, tentando soar firme — Como acha que Ainsley vai ficar se vê-la assim, mãe?

— Como se você se importasse — rebateu ela, as íris tomadas por um brilho ácido e repleto de ressentimento — Se você se importasse, não teria pegado carona com um bêbado. E não teria contribuído para a morte de duas pessoas. E com isso, quase ter sido presa!

Agora minha mãe já estava gritando histericamente e eu apenas ouvia, calada e sentada. Eu estava recebendo a punição sem reclamar porque eu sabia que merecia.

— Você é a última pessoa que tem o direito de me dar lição de moral!

Comprimi meus lábios, não conseguindo mais evitar que as lágrimas caiam do meu rosto.

— Você é igualzinha ao seu pai. Tão decepcionante quanto ele.

Minha respiração ficou presa na garganta e quando vi minha mãe encarar algo atrás de mim, eu finalmente entendi: Ainsley estava presenciando tudo.

Com o resto de dignidade que eu tinha, me levantei calmamente da cadeira e ergui minha cabeça, minhas bochechas molhadas pelo choro. Peguei as cartas da mesa e, após inspirar e expirar, eu murmurei para minha mãe:

— Vamos ficar bem.

Elas iam ficar bem.

Eu me certificaria disso.

Mas eu não tinha certeza se eu ficaria bem.

***

TODOS OS PECADOS OCULTOS (VOLUME 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora