A Professora McGonagall lia os Termos da Copa das Casas daquele ano. Metade da equipe já havia desistido de ouvir e estava rabiscando a cadeira ou jogando no celular. Alguns dormiam. Os alunos da primeira fileira pareciam absorver cada palavra da coordenadora, como se disso dependesse suas vidas. Lilian, contudo, não fazia parte de nenhum dos grupos. Ela nem sequer vira Minerva chegar. Sua mente divagava, buscando compreender a conversa que tivera com as amigas no início da semana, sobre James.
— Lilian! — Marlene a cutucou e apontou para frente com a cabeça.
Emmeline e Frank, um dos líderes da equipe, estavam ao lado da Professora McGonagall, escrevendo seus nomes no quadro branco. Então, Lilian compreendeu que também deveria estar ali. Levantou-se cambaleando e derrubando o caderno de Marlene antes de conseguir chegar à frente. Escreveu seu nome também e ficou parada, fitando o vazio. Não escutou quando a Professora McGonagall mostrou as provas, nem quando deixou a sala nas mãos dos líderes.
Alice, namorada de Frank e uma das garotas populares do colégio, havia decidido deixar de liderar a equipe após o transtorno do ano anterior e, por insistência de Emmeline, Lilian a substituíra. Não sabia exatamente o que iria fazer, mas sentiu-se motivada no início. Agora, entretanto, não tinha mais certeza. Droga! Como ela odiava não saber o que sentia!
— Então a Lilian fica responsável pelas músicas e apresentações, tudo bem? — Emmeline olhou para ela irritada, Lilian percebeu que deveria falar algo.
— Hã, sim. Claro. Tudo certo. Só preciso de uma equipe...
— Lilian, você já tem sua equipe. — Ela estava confusa e Frank, impaciente. — Frank dividiu as equipes no início da reunião.
— Hã? — Ela olhou para trás. Alguns nomes estavam abaixo do seu. Uma equipe, ela percebeu. Corada, respondeu: — Desculpe, estava longe.
— Deu pra perceber.
— Tudo bem, só tente se manter conosco daqui em diante ok? — Frank apertou sua bochecha. Um hábito que cultivava desde o jardim de infância.
Lilian assentiu. Tentou prestar atenção em cada detalhe, mas, rapidamente, não pôde mais manter a promessa. Sem pretensão, começou a viajar dentro da própria mente, novamente. Os pensamentos seguiam um trilho que sempre a levava de volta a James. Ela tinha que resolver esta questão.
Não estava apaixonada por ele. Mal o conhecia. Tinham, apenas, algumas palavras trocadas, com longos intervalos de uma para a outra. Mesmo assim, ela não podia negar a beleza e o charme dele. James tinha um jeito natural de fazê-la rir internamente. Não gargalhadas frenéticas, mas diversão. Sorria sem perceber quando estava com ele.
O tempo passara, no entanto, ela não esquecera a sensação de paz e felicidade, mesclada a adrenalina e medo, que a invadira todas as vezes que esteve na companhia de James.
Piscou os olhos quando viu as pessoas saindo. O final de semana chegara. Marlene puxou-a. Os olhos pintados de negro estavam estreitados e os lábios cor de rosa, repuxados para o lado em um bico esquisito. Ela estava, claramente, preocupada com Lilian.
Foram caminhando para a saída. Emmeline e Mary as esperavam na esquina, para voltarem para casa.
— Vai ter reunião na sua casa hoje, Lilian? — Emmeline perguntou quando já estavam se separando.
— Hã, passa lá mais tarde. É bom para discutirmos o desfile. ― Lilian respondeu, sem prestar muita atenção em Emmeline.
Emmeline assentiu e seguiu Marlene. Mary e Lilian caminhavam lado a lado. Ela havia se mudado para a rua atrás da de Lilian durante as férias. Então, elas estavam passando bastante tempo juntas.
Geralmente, comiam brigadeiro e respondiam os exercícios de Física e Química. Também discutiam Filosofia e filmes. Tinham um gosto um tanto quanto diferente por cinema. Enquanto Lilian preferia Godard, Mary amava as sagas adolescentes, adaptadas de livros. Conseguiam, no entanto, se entender. Era uma amizade despretensiosa, sem objetivos e grandes dramas. Apreciavam a companhia uma da outra, o que não significava trocar confidências. A relação podia ser superficial, mas fazia bem as duas.
— Quer almoçar aqui em casa? — Lilian perguntou quando viravam a esquina.
Benjamin viajara a negócios e Petúnia chegava sempre mais cedo que ela. Assim, Lilian acabaria sozinha na mesa da cozinha. Nem Annie iria lhe fazer companhia: provavelmente ficaria na biblioteca lendo a tarde toda, aproveitando que não tinha mais nada para fazer.
— Claro. — Mary sorriu, o brilho chegava a seu olhar puxado nos cantos.
***
Após o almoço, elas foram para o quarto de Lilian. Mary esparramou-se pelo tapete e Lilian deitou na própria cama.
— O que você vai fazer a respeito de Potter? — Mary virou-se de frente para Lilian, olhando-a nos olhos.
— Não sei ainda. — Lilian parecia realmente considerar aquela questão pela primeira vez. — Eu estou um pouco confusa.
— Isso nunca te impediu de fazer nada antes ― Mary rebateu.
Com a fala de Mary, Lilian lembrou-se de Régulo, o menino que beijara no ano anterior.
Haviam se atrasado e acabaram por sair da cidade litorânea perto do crepúsculo. Ele estava sentado em uma das poltronas. Quando ela chegou e o olhou, ele soube que a havia ganhado. Lilian seria, finalmente, sua.
O ônibus arrancou e Lilian caiu no colo de Régulo. Ele a segurou pela fina cintura, seu nariz ficando na altura do pescoço nu dela. Então, tudo aconteceu demasiado rápido. Quando percebeu, estavam se beijando. Ela jogava-o contra uma parede do ônibus, ele puxava-a para si. Agora que cedera ao desejo frenético, não conseguia controlá-lo.
Giraram, grudados, e entraram no minúsculo banheiro. As mãos dela tateando as costas dele. Os músculos, por baixo da camisa, estavam retesados. A pele era áspera e fria, diferente da de Lilian. Os dedos de Régulo sentiam o calor das costas da menina; ele foi arrancando-lhe a blusa, beliscando a barriga em chamas de Lilian, mordendo o lóbulo da orelha dela. Os fios negros do menino já estavam ensopados de suor, o cabelo ruivo de Lilian grudava nas costas, agora nua. Estavam, os dois, sem blusa. Sentiam uma necessidade de tocarem-se, sentirem o corpo um do outro. Os beijos intensos os faziam arfar.
Até agora a lembrança daqueles momentos a deixava sem ar. Não compreendia, contudo, a intensa atração que sentira por ele. O proibido talvez fosse a causa da necessidade de tê-lo. Após o incidente, tudo cessara. Sentia apenas repugnância por Régulo.
Ela, agora, se perguntava se iria se sentir assim quando beijasse James. Se beijasse James, algum dia. Esperava que não.
Lilian abriu a boca para responder, porém, antes mesmo que pudesse pensar em algo, a campainha tocou, lhe salvando daquele tormento. Quanto menos pensasse em James e na conversa que tivera com as amigas no início da semana, melhor seria para a sua sanidade mental.
***
Emmeline vestia roupas confortáveis e carregava os cachos negros presos no alto da cabeça. A tiracolo, uma bolsa carteiro que deveria conter o notebook da menina e as pastas com as primeiras tarefas da Copa das Casas.
A primeira a ser cumprida era também a mais importante: o Desfile de Inverno. No ano anterior haviam ficado em último lugar e todos estavam decididos a melhorar a posição neste ano. Quando Emmeline abriu o notebook na biblioteca, mostrou-lhes as ideias que tivera ainda mais cedo.
— Cinderela! — explicou — Um clássico popular.
— É muito clichê, não? — Mary não havia gostado muito da ideia.
— Talvez – admitiu Emmeline —, mas também é inesperado. Conto de fadas é sempre algo mágico e ninguém o adota pelo fato de ser infantil.
— Continuo não gostando. O que acha, Lilian?
Lilian estava sentada em um canto, quase não prestava atenção na conversa das duas. Sua mente trabalhava rapidamente, pensando em músicas e coreografias. Num enredo, numa letra. Em tudo que pudesse ser significativo para a criação de um espetáculo. James fora varrido para fora de sua mente, pelo menos por algum tempo.
— Acho que antes deveríamos estabelecer uma taxa para cada integrante da equipe pagar ― ela disse. ― Dinheiro não brota do chão e precisamos pagar os gastos das apresentações.
— Você está certa. Ligo pra Frank? — Emmeline já tirava o celular da bolsa.
— Faça isso — e saiu do cômodo indo em direção à cozinha. ― Eu já volto.
Mary seguiu-a. Encontrou Lilian recostada contra o balcão de mármore. Girava alguma coisa entre os dedos da mão esquerda. Fitava os próprios joelhos avermelhados.
— Ok, o que tá rolando, Lilian? — Ela segurou a mão da amiga entre as suas, o polegar acariciando a palma dela.
Mary era alguns centímetros menor que Lilian, às vezes parecia mais baixa ainda. Uma dessas ocasiões era quando olhava carinhosamente para Lilian. Não olhava assim para ninguém mais. Às vezes, ela sentia-se grata por isso, às vezes se assustava. Mary ainda era um mistério para ela, apesar dos anos de convivência.
— Eu não sei ― ela confessou. ― Essa história... o que Marlene disse... nada disso sai da minha cabeça.
Lilian provavelmente nunca se sentira tão angustiada em toda sua vida. Marlene parecia ter tanta certeza acerca dos sentimentos de James em relação a ela que seria loucura não prestar atenção no garoto. Mas, se ele sentia tudo isso mesmo, por que nunca mais a procurara? Eles nem se falavam!
― Talvez eu só esteja desejando algo que seja proibido para mim ― a garota suspirou, jogando na mesa o anel que girava por entre os dedos.
— Acho que todo mundo deseja algo proibido — ela aproximou-se, pondo a mão na clavícula branca da outra. — É bem mais legal.
Mary fitava intensamente os olhos verdes de Lilian. A respiração dela estava acelerada, o cheiro de baunilha estava mais forte. Lilian virou o rosto de repente.
— Eu espero. — Afastou-se rapidamente de Mary, perguntando-se o que acabara de acontecer.
— Lilian... ― Mary estava atrás dela.
Tinha medo de virar-se e se deparar com os olhos castanhos da menina. Foi salva por Frank que, acompanhado de Emmeline, entrou na cozinha já tagarelando sobre o Desfile de Inverno.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Lily Apaixonada
FanfictionLily Evans é uma garota tímida do interior, que foi abandonada pela mãe enquanto ainda era criança. Nesse dia, ela decidiu se vacinar contra o amor. Ninguém nunca mais a abandonaria. Por isso, ela não se apaixonada. Nunquinha. Ela já disse que é vac...