Esse trem corre para fora dos trilhos

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Lilian sempre havia odiado aquela secretária eletrônica. Não entendia o motivo dela existir. Ninguém a usava mais. Se você tentou falar com alguém e não conseguiu, era muito mais fácil mandar um torpedo ou deixar uma mensagem em alguma rede social da pessoa, e ela logo veria. Além do mais, absolutamente todo mundo odiava o correio de voz.

No entanto, naquele exato momento, ela fingia que nunca havia criticado o aparelho eletrônico enquanto colocava para rodar a última mensagem pela terceira vez seguida. Quando apertou novamente o botão, a voz de sua mãe, que ela não ouvia há um bom tempo, ecoou:

— Olá, aqui é Sara Evans e você acabou de ligar para a residência dos Evans! No momento, ou não tem ninguém em casa ou as meninas tiraram o telefone do gancho, nunca dá pra saber. — Lilian pôde ouvir o fino traço da risada da mãe e revirou os olhos. Por que seu pai não havia apagado aquela fita mesmo? — Então, por favor, deixe seu recado e retornaremos assim que pudermos. Se for algo urgente, ligue para nossos telefones pessoais, por favor. Tchauzinho!

Assim que a gravação terminou, ela pôde ouvir três toques antes que uma nova começasse. Desta vez, quem falava era um homem e seu tom estava meio embargado, como se também não tivesse gostado de ouvir a gravação.

— E aí, meu chapa — o homem começou dizendo e pigarreou antes de continuar: —, você não vai adivinhar nunca o que acabei de ficar sabendo — ele deu uma pausa. — Pois é, isso mesmo que você está pensando. Pista quente, depois de todo esse tempo. — O homem deu uma risada do outro lado da linha. — Um dos meus meninos a viu saindo da Grand Central Station, em Nova Iorque. No início, achei que fosse só mais um engano, mas duas semanas depois, a menina nova viu a mesma mulher, mesmas roupas, descendo na King's Cross, do outro lado do mundo.

O telefone ficou mudo por algum tempo, mas, como já tinha ouvido aquela gravação antes, Lilian sabia que o homem não havia parado ali.

— Claro que sempre pode ser um engano. Sabe como é, alta, loira, olhos azuis, roupas caras... É como dizem, os brancos são todos iguais. Pode ser qualquer uma, mas é a pista mais quente que temos desde o desaparecimento, então me avisa se quer que eu veja em qual fogueira essa fumaça vai dar, tá? — O homem pigarreou mais uma vez e, então, despediu-se: — É isso aí, meu chapa. Pode ser que no fim das contas você estivesse certo, né? Se cuida e me avisa o que quer que eu faça.

O choque preencheu o antigo escritório de Benjamin. Lilian estava prestes a apertar o botão para ouvir a gravação de novo, mas deteve-se no meio do caminho. Ela ainda não conseguia acreditar no que seus ouvidos haviam acabado de escutar. Era impossível. Ela havia jogados as malditas cinzas da mãe no mar. O testamento fora lido, a partilha feita. Sara Evans, a última herdeira de uma família aristocrática, estava morta. Morta! Ela não existia mais, para fins legais ou emocionais.

Mas não era isso que o homem de voz rouca dizia. Pista quente, depois de todo esse tempo, ele dissera. Loira, alta, olhos azuis, roupas caras, a definição da mulher que costumava chamar de mãe. Como aquilo poderia estar acontecendo? Lilian recusava-se a acreditar naquilo.

— O que vocês vão fazer? — Mary cortou o silêncio, fitando Lilian profundamente.

— Eu não sei — a menina respondeu com uma voz arrastada. — Mas prefiro apagar e fingir que nunca existiu.

Ela não queria ter que mexer naquelas velhas feridas e desenterrar fantasmas do passado. Além do mais, a briga com Potter já consumia todos os pensamentos de Lilian. Não queria ter que lidar com mais esse problema.

— Lilian! — Petúnia repreendeu a irmã mais velha. — É da mamãe que estamos falando, ela pode estar viva!

— A gente jogou as cinzas dela no mar, Petúnia. O testamenteiro dela veio aqui em casa, sentou nesse escritório e leu o testamento todo! — Lilian perdeu a paciência. — Ela não pode estar viva!

Lily ApaixonadaOnde histórias criam vida. Descubra agora