Um passo

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O tik tak do relógio na parede da cozinha marcava quase meia noite e sobre a mesa havia um prato com um pano em cima, isso não impediu que eu apreciasse o aroma maravilhoso do bolo de laranja. Vou até o armário pegar uma xícara agradecida por mamãe ser tão especial, além de cuidar da casa, trabalhar fora ela ainda tinha tempo para um gesto tão simples como esse mas tão significativo para mim.

Misturo o leite com o café e adoço um pouco e passo a comer essa maravilha, o plano era simples pedir desculpas ao Thiago pelo indecente do sábado. Lá no fundo eu sabia que era apenas um pretexto para falar com ele, o que acabou me confundindo um pouco pois não era comum eu procurar desculpas quando queria algo ou demonstrava interesse por alguém. 

Thiago é um homem bonito que tinha conhecimento desse fato, mas não era só sua aparência que chama a atenção. Seus olhos possuíam algo especial que fazia com que pudesse enxergar o que está a sua volta com mais clareza, uma espécie de magnetismo. Nunca me senti a vontade perto de pessoas com essa sensibilidade e sempre resguardei minhas emoções, era mais fácil e na minha cabeça ajudava a não sofrer com a falsa indiferença das pessoas que me cercam.

A potência do seu olhar não assustava e por alguma razão não fiquei incomodada, sua transparência deixou claro que ele sabia que alguma coisa havia acontecido e ao não insistir ou perguntar fez meu peito parar por alguns segundos. A conversa que tivemos foi a mais esquisita e engraçada que já tive na vida, eu também havia notado que ele apenas queria me fazer sorrir.

ㅡEstá com um sorriso bobo no rosto filha. – mamãe se fez presente ao entrar na cozinha.

ㅡ Pensei que estivesse dormindo. – não falo nada sobre sorrir como uma boba, eu nem estava sorrindo. ㅡ Obrigada pelo bolo. – desvio os olhos agindo como uma criança.

Nunca sabia o que fazer quando mamãe agia assim com tanto zelo, era errado mas as vezes eu preferia os surtos e brigas com isso eu sabia lidar. Mamãe deu de ombros como se guardar um pedaço de bolo não fosse nada e foi até um dos armários pegar sua caixinha repleta de chás, logo ela pegou um bule e o encheu de água o levando ao fogo e depois soltou um suspiro aborrecido.

ㅡ Só vim fazer um chá pra sua irmã. – mamãe abriu a gaveta e pegou um comprimido.

ㅡ Aconteceu alguma coisa com ela? – termino de comer a fatia de bolo.

ㅡ Está com dor de cabeça e não comeu nada. – mamãe estava bem chateada. ㅡ Perguntei se aconteceu alguma coisa e ela garantiu que não.

ㅡ Vai ver ela brigou com o Manuel. – mamãe ficou pensativa.
ㅡ Não sei. – expressou sua opinião antes de despejar a água fervente na xícara. ㅡ Bia está silenciosa a dias e toda vez que pergunto ela diz que está bem.

ㅡ Mãe! – tento amenizar o clima.

ㅡ Eu só me sinto um fracasso em saber que nenhuma das minhas filhas confia em mim para contar qualquer coisa. – seu desabafo me pegou desprevenida.

Mamãe estava tão frágil e tão ferida, lágrimas se acumularam nos seus olhos e eu senti uma necessidade de abraça-la, era só me levantar. Mamãe estava tão pertinho de mim, mas a única coisa que eu fiz foi fugir do seu olhar como sempre.

ㅡ Não esquece de apagar as luzes quando for dormir. – de novo a decepção que tanto conheço estampada em cada palavra.

Não falo nada e mamãe também não ela só pegou a xícara de chá e o comprimido e saiu sem olhar para trás, arrumo a pequena bagunça apago a luz e vou para o quarto pensando no quanto sou ingrata. Não é como se eu não visse os seus esforços para se aproximar, eu via e não merecia. Não depois de ter dado tanto trabalho, não depois de tê-la feito sofrer com todos os desaforos que disse ao longo do tempo. Ao deitar fecho os olhos pensado no que o Thiago falou, sobre pedir ajuda e mais uma vez sorriu bobamente.

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