COMISSÁRIO - Vocês persistem, então?
LISÍSTRATA - Eles não acreditam. Têm razão. Aturamos tanto, tantos anos, que pensam que ainda brincamos. Pois vamos acabar com esses militares fanfarrões, tantas vezes até embriagados, correndo no mercado, lança em riste, usando contra o povo as armas do estado.
CLEONICE - É uma medida sanitária.
LISÍSTRATA - Pois que, nos dias de hoje, é uma vergonha. Comem e bebem sem pagar, levam consigo pratos e panelas e andam pelas ruas cheios de arrogância, humilhando quem não ousa baixar a vista diante deles.
COMISSÁRIO - Pois têm todo o direito. Se não fossem eles, onde estaria a Pátria? Não se impõe limites a um soldado. Aos bravos, tudo! Não se confere as contas dos heróis.
LISÍSTRATA - Aos bravos também o ridículo? Os mais graduados andam por aí, escolhendo peixe no mercado sem tirar da cabeça o glorioso capacete do leão dourado. Ah!
CLEONICE - No outro dia, na feira, eu vi um capitão de cavalaria de cabelos cacheados tomando sopa dentro do próprio capacete, e sem descer do cavalo. Outro, também montado, assustava todo mundo, dando galopes rápidos, lança em riste, furando as frutas expostas nas barracas.
COMISSÁRIO - E como vocês se propõem a restaurar a ordem e a paz em toda a Grécia?
LISÍSTRATA - Não há nada mais simples.
COMISSÁRIO - Ah, é? Não diz! (Percebendo que Lisístrata se desinte-
ressou de explicar.) Vamos, explica.
LISÍSTRATA - Quando estamos tecendo e os fios se embaraçam, nós os cruzamos pra lá e pra cá, mil vezes, pacientemente, até que os fios fiquem novamente soltos. Faremos o mesmo com a guerra. Mandaremos embaixadas cruzar o país em todas as direções, com mensagens de paz.
COMISSÁRIO - E cada embaixatriz vai levar uma agulha, um novelo de lã e uma roca pra ajudar a tecer numa só teia inimigos mortais? Que mulheres ridículas!
LISÍSTRATA - Se vocês tivessem um pouco mais de bom senso iriam, como nós, buscar as grandes soluções nas coisas simples. A tecelagem é uma lição política.
COMISSÁRIO - Me explica direitinho, pode ser?
LISÍSTRATA - Quando pegamos a lã bruta, o que fazemos primeiro é tirar dela todas as impurezas. Pois faremos o mesmo com os cidadãos, separando os maus dos bons a bastonadas, eliminando assim o refugo humano que há em qualquer coletividade. Aí pegamos os que vivem correndo atrás de cargos e proventos e os classificamos como parasitas do tecido social - que deve ser trançado apenas com cidadãos úteis e prestantes. Usaremos, sim, mas apenas para confecções inferiores, os relapsos, os devedores do tesouro, os bêbados contumazes e todos os outros cidadãos não de todo estragados, mas já em princípio de decomposição. Isso feito em todas as cidades, nos restaria considerar cada núcleo social como um novelo à parte, puxar cada fio daqui pra Atenas, dando assim ao povo, daqui e das colônias, o meio de tecer o gigantesco manto da proteção geral.
COMISSÁRIO - Mas não! Vocês não têm mesmo vergonha de traçar paralelos imbecis, comparando cidadãos com novelos de lã e pretendendo resolver as complicações do estado com linhas e agulhas? Bem se vê que nunca sofreram na pele as responsabilidades de uma guerra!
LISÍSTRATA - O quê, homem infeliz, incapaz, como qualquer homem, de ver além do seu pequeno círculo de giz?! Não conhecemos a guerra? E os filhos que criamos para enviar a guerras que vocês começam sem saber e não sabem como acabar?
COMISSÁRIO - Cala a boca, mulher. Não vem agora com lamúrias e recordações dolorosas.
LISÍSTRATA - E, além disso, em vez de cumprir aquilo a que a natureza nos destinou, em nossa idade e força, em vez de gozar os prazeres do amor, aproveitando ao máximo nossa juventude e nossa beleza fugidia, ficamos aqui, na solidão, num leito angustiado, porque nossos maridos foram todos pra guerra. Mas não falo por mim, pelas casadas, falo mais pelas meninas que brotam, se abrem em flor e murcham sozinhas sem um amor que as colha.
COMISSÁRIO - Ué, e os homens lá, que defendem a pátria, também não envelhecem?
LISÍSTRATA - Não é, nunca foi, nunca será igual. Quando o guerreiro volta, embora alquebrado e com os cabelos brancos, sempre lhe é possível arranjar alguma bela jovem. Mas para a mulher a primavera é curta. E quando o outono chega já ninguém mais a olha e ela se recolhe na semiescuridão da alcova a consultar oráculos cruéis.
COMISSÁRIO - Mas também, você tem que entender que um homem, quando ainda é capaz de uma ereção, não vai gastá-la num bucho velho.
LISÍSTRATA - Me diz uma coisa, porque é que você não cai morto aí, hein? Já não passou da tua hora? Você é rico, pode comprar um bom caixão. Vai, morre! Eu te preparo um lindo bolo funerário. Camaradas, ajudem-me a enterrá-lo. (Começam a atirar sobre ele tudo que têm ao alcance da mão.)
CLEONICE - Morre logo, que eu te prometo também uma mortalha.
(Atira coisas sobre ele.)
MIRRINA - E eu te trago uma coroa. Toma por conta. (Cobre-o de poeira.)
LISÍSTRATA - 0 que é que te falta ainda? Vai, cadáver! Caronte está te esperando com a barca da morte pra te levar pras profundas do inferno.
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Lisístrata
ComédieLisístrata ou A Greve do Sexo, é uma comédia escrita por Aristófanes no século 411 a.C.. A história fala sobre um conjunto de mulheres que, cansadas da guerra que seus maridos, amantes ou amigos lutavam, entraram em abstinência de sexo, com o intuit...