Capítulo 15

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MAGISTRADO - De repente eu também senti crescer em mim o apelo da paz. Onde é que está Lisístrata? Será que ela não se compadece da nossa condição humana? (Abre e fecha a túnica rapidamente.)

CORIFEU-VELHO - (Apontando.) O mal ataca toda a Grécia. Os que já foram atacados há mais tempo dizem que a situação de manhã, ao levantar do dia, é que é terrível.

MAGISTRADO - A tortura é indizível. Se a paz não for feita em vinte e quatro horas, já há um grupo disposto a apelar para Clistênio e outros belos rapazes, seus amigos.

CORIFEU-VELHO - Aceitem o meu conselho: disfarcem os instrumentos o mais possível, escondam-nos nas dobras dos vestidos. Dizem que, ontem, um Senador que se exibia distraidamente foi atacado por aquele grupo de loucos que vivem mutilando as estátuas dos sátiros. MAGISTRADO - Por Zeus, que é um conselho sábio. (Tenta, sem muito sucesso, esconder a condição em que se encontra.)

EMBAIXADOR ESPARTANO - Um infortúnio atrai outro infortúnio. MAGISTRADO - Só mulheres parecem não se preocupar com a nossa enfermidade. Espartanos, amigos na desgraça, teremos que ceder. Já mandamos convocar Lisístrata. É a única pessoa com poder para fazer voltar tudo ao normal, tirando-nos essa ridícula aparência de elefantes de tromba enlouquecida.

EMBAIXADOR ESPARTANO - Acho que se Lisístrata não resolver logo, vamos ter que apelar para um Lisístrato.

MAGISTRADO - Perdão, mas acho que a paz deve ser feita em toda a Grécia. E nós, atenienses, diferentes de vocês, bons espartanos, não temos inclinação pra substituições como essa.

EMBAIXADOR ESPARTANO - Na aparência, amigo. Mas o mundo sabe

que vocês também, atenienses, não desdenham de todo certas variações, desde que discretas. Silêncio, aí vem ela. É ela? (Lisístrata sai da Acrópole.) CORIFEU-VELHO - Salve, ó mais corajosa e mais sábia das mulheres da Grécia. Chegou o momento de te mostrares inteira em ma força de mulher, irredutível e conciliatória, terrível mas sensata, cruel e doce, fria e dura na justiça, mas condescendente com a fraqueza do homem. Apelamos para a ma perícia e habilidade. Vê, Lisístrata, aqui estão reunidos alguns dos melhores da Hélade. Seduzidos pelo teu fascínio, confiantes na ma hegemonia, concordam em botar nas mas mãos o problema que os mata. Paz, mulher!

LISÍSTRATA - A tarefa é bem fácil - desde que os homens não procurem resolver o problema entre eles mesmos, sem o natural auxílio feminino. Se o fizerem, eu serei informada de imediato e a paz será suspensa, para sofrimento dos homens masculinos. Vigiem, pois, e não permitam nenhum desvio da linha que traçamos. Tragam a Paz. A bela e tranqüila, a sonhadora Paz. (A deusa, na forma de uma linda jovem nua, entra trazida por um guindaste.) Companheiras, tragam até aqui todos os outros embaixadores. Mas, atenção! Não com grosseria ou violência, como costumam fazer conosco nossos homens, mas delicadamente, como é tão próprio das mulheres. Se eles recusarem a mão, não quiserem vir por bem, podem arrastá-los à força, puxando-os pelos membros. (A ordem é cumprida.) Muito bem: agora, espartanos, deste lado! E vocês, atenienses, deste! Todos prestem atenção! Sou apenas uma mulher, mas cheia de bom senso. A natureza me dotou de ótimo discernimento, que eu, felizmente, pude desenvolver graças aos ensinamentos de meu pai e aos conselhos dos mais velhos, que sempre ouvi e analisei. Primeiro quero fazer uma censura que serve pra ambos os lados em disputa. Em Olímpia, em Delfos, nas Termópilas e numa porção de outros locais, vocês celebram cerimônias, fazem oferendas aos deuses. As oferendas e as cerimônias são comuns a todos os helenos. A terra que pisamos também é posse comum de todos os helenos. E no entanto vocês vivem se massacrando uns aos outros, cortando as cabeças uns dos outros e saqueando as cidades que deveriam proteger dos bárbaros. Porque, enquanto brigamos, os estrangeiros se organizam, nos ameaçam, a qualquer momento podem nos destruir. Aqui termina a primeira parte do que tinha a dizer.

MAGISTRADO - (Devorando a Paz com os olhos.) Ainda tem mais? Ai, céus, como demora essa introdução!

LISÍSTRATA - Espartanos, agora é a vocês que eu me dirijo: já se esqueceram de que Períclidas, compatriota de vocês, veio se ajoelhar diante dos nossos altares? Eu o vi, com estes olhos. Estava pálido como um morto, envolvido na túnica escarlate. Veio pedir uma tropa que o ajudasse a salvar o seu estado. Era no tempo em que Messênia avançava sobre vocês impiedosamente e a fúria dos deuses o ajudava, fazendo tremer dias seguidos todo o solo de Esparta. Cimom marchou pra lá imediatamente, à frente de quatro mil dos seus homens de elite, e derrotou Messênia. E vocês pagam isso devastando o país que, na hora mais grave, não hesitou em lhes oferecer seu sangue.

MAGISTRADO - Eles erram, Lisístrata, eles falham, não sabem o que fazem. EMBAIXADOR ESPARTANO - Erramos, Lisístrata, erramos. Estamos prontos a corrigir-nos. (Olhando para a Paz.) Grande Deusa! Com uma paz assim tão tentadora, tudo que eu quero é me atracar com ela.

LISÍSTRATA - Antes, porém, uma palavra aos de Atenas. Vocês já esqueceram de que, quando usavam a túnica de escravos, foram os espartanos que vieram de espada em riste e puseram em fuga as hostes dos tessálios, mercenários de Hípias, o tirano? Eles, e eles sozinhos, lutaram a nosso lado naqueles dias de amargura, nos livraram a nós do despotismo e, graças a eles, nossa nação pôde trocar a túnica servil pela toga de lã do homem livre.

EMBAIXADOR ESPARTANO - (Olhando para Lisístrata.) Jamais vi mulher mais nobre nem mais graciosa. Nem tão tranqüila dignidade.

MAGISTRADO - (Olhando a Paz.) Nem eu jamais pensei que a paz fosse tão... promissora.

LISÍSTRATA - Ligados assim por tantos serviços mutuamente prestados através dos anos, por que continuar em guerra? Por que continuar a pôr lenha na fogueira desse ódio sem sentido? Digam, o que é que impede isso?

EMBAIXADOR ESPARTANO - Nada. Apenas uma coisa: queremos usar como bem entendermos o nosso bastião. (Olha para o traseiro da Paz.)

LISÍSTRATA - Que bastião, amigo?

EMBAIXADOR ESPARTANO - A cidade de Pilos, que há tanto tempo está em poder de vocês.

MAGISTRADO - Pilos, jamais. Se a exigência é essa, então não há paz. LISÍSTRATA - Calma, calma, camaradas. Sempre é possível um acordo.

MAGISTRADO - Se cedermos Pilos, perderemos uma excelente base de manobras.

LISÍSTRATA - Pede outra cidade em troca dessa.

MAGISTRADO - Está bem! Vocês nos entregam Equinos, o golfo de Maliaco, ah perto, e a bela entrada da baía de Megara. EMBAIXADOR ESPARTANO - E nós vamos aceitar essa troca? Caro senhor, só se estivéssemos completamente loucos.

LISÍSTRATA - Bem, se não há possibilidade de acordo, a paz que se recolha, nós mulheres continuamos também a nossa luta. (A Paz vai se retirando com o auxílio de um guindaste.)

MAGISTRADO - (Retendo a Paz.) Não, não. Espera. Por mim, estou disposto a contornar qualquer dificuldade. (À parte.) Desde que o contorno seja feminino. (Tira o manto.)

EMBAIXADOR ESPARTANO - Eu também não desejo outra coisa senão viver no seio da paz. (Olha para a Paz)

LISÍSTRATA - Pois calma, então, que a paz chega pra todos. Consultem os outros e vejam o que pretendem.

MAGISTRADO - Mas consultar o quê? Você parece que não pegou o principal. Estamos todos no cio. A Hélade inteira é uma ereção só, esperando se deitar toda na acolhedora cama da paz. Você, Lisístrata, vai conseguir realizar a maior festa de amor jamais vista. Este é o dia em que todos amarão todos, com um ardor que o mundo jamais viu. LISÍSTRATA - Muito bem dito, eu digo! Agora vão e se purifiquem para entrar na Acrópole, onde as mulheres os estão esperando para a ceia. Trouxemos tudo que tínhamos nas despensas para a volta dos homens bemamados. À mesa entoaremos loas aos deuses e trocaremos votos e promessas de paz e de carinho. E aí... aí cada um pegará sua mulher e irá embora.

MAGISTRADO - Vamos então pra essa limpeza. Rápido!

EMBAIXADOR ESPARTANO - Você aponta: eu olho. Você dirige: eu sigo. Eu sou seu companheiro, amigo. Vamos em frente: como um cego e seu guia.

MAGISTRADO - Minha ordem é só essa: rápido! rápido! (Seguem Lisístrata. Entram na Acrópole.)

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