Capítulo 10

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CORIFEIA - Não temerei as ameaças masculinas enquanto tiver Lampito aqui ao meu lado; e também esta jovem teba-na, minha querida Ismênia. Podem fazer decretos e mais decretos condenando as mulheres, ó criaturas abomináveis, que nós não cederemos. Inda ontem, pruma festa em honra de Hécate, pedi a uns vi-zinhos da Beócia que possuem uma filha de extraordinária beleza que a deixassem vir a minha casa. Tiveram que recusar, segundo me disseram, porque há um no-vo decreto proibindo que as mulheres muito jovens visitem outras cidades sem autorização especial. Que abominação! Não deixaremos de sofrer vexames, vocês não pararão de nos tolher cada vez mais com decretos sem fim, enquanto não reagirmos com a violência necessária. (Para Lisístrata, que sai da Acrópole.) Rainha de nossa causa, tu que és o guia de nossa empresa gloriosa, por que vens assim com ar tão sombrio?

LISÍSTRATA - O que me traz melancolia é o comportamento dessas mulheres sem força e sem caráter. Não sei o que fazer diante de tal falta de brio.

CORIFÉIA - O que é que você está di-zendo?

LISÍSTRATA - A verdade. Estou dizendo apenas a verdade.

CORIFÉIA - Mas que aconteceu de tão grave, que mudou tua face tão depressa? Conta a mas amigas.

LISÍSTRATA - Ah, é vergonhoso contar! Mais vergonhoso calar.

CORIFÉIA - Não oculte nada de mal que tenha atingido a nossa causa.

Precisamos saber.

LISÍSTRATA - Para dizer tudo o mais breve possível: elas não agüentam

mais viver sem fornicar.

CORIFÉIA - Oh, Zeus! Oh, Zeus!

LISÍSTRATA - Que adianta apelar para os deuses? Elas sentem uma atração mais forte aqui na Terra. Não posso mais impedir que elas procurem os homens. Estão cheias de luxúrias, dispostas a toda humilhação, ansiosas por serem esmagadas novamente. Começam a desertar. Peguei a primeira alargando a pequena abertura junto à gruta de Pã. Outra estava descendo o monte por uma corda que tinha, não sei como, amarrado a uma polia. Uma outra, num canto, já havia entrado em contato com o inimigo e, através dela, o inimigo penetrava a nossa cidadela. Cheguei a tempo de arrancá-la, chorando e esperneando, do entrevero em que ia se perdendo. Mas o inimigo lá ficou, sozinho, de arma na mão, sem saber o que fazer com ela; outra ainda, trepada nas costas de um ganso, tentava, pura e simplesmente, voar pra casa, quando eu a segurei pelos cabelos. Cada uma, e todas, estão inventando pretextos para debandar. (Apontando para a porta.) Olha! Lá está uma tentando dar o fora. Olá, você aí.

Onde é que vai com tanta pressa?

PRIMEIRA MULHER - Preciso voltar pra casa. Me lembrei que deixei lá toda a minha lã milésia. A essa altura deve estar sendo comida pelas traças.

LISÍSTRATA - Eu sei! Conheço bem o tamanho da traça de que você fala.

Volta pra lá, correndo!

PRIMEIRA MULHER - Juro pelas duas deusas que eu vou correndo! Só o tempo de espalhar a minha lã na cama. LISÍSTRATA - Você não vai espalhar nada na cama! Já disse e basta: ninguém sai daqui.

PRIMEIRA MULHER - Mas então devo perder toda minha lã?

LISÍSTRATA - Você não acha que é muito pouco para o bem da causa?

SEGUNDA MULHER - Ah, infeliz que eu sou! Triste fim para as minhas túnicas de linho! Deixei-as todas esquecidas na umidade.

LISÍSTRATA - Está aí outra, querendo aquecer o linho dela na cama, na qual, naturalmente, nunca deu mofo, de tanto que a usa.

SEGUNDA MULHER - Oh, eu juro pela deusa da luz do alvorecer, no instante em que tiver protegido o meu linho volto pra cá como um raio.

LISÍSTRATA - O que você quer é proteger teu lenho. Volta! Se eu deixar que uma saia, nossa revolução estará perdida.

TERCEIRA MULHER - Oh, Ilítia, protetora divina das gestantes, detém meu parto, até que eu chegue a um lugar profano onde os deuses me permitam dar à luz.

LISÍSTRATA - Mas que bobagem você está rezando aí?

TERCEIRA MULHER - É que eu sinto as terríveis dores do parto. Vou ter um filho agora, aqui, agora mesmo!

LISÍSTRATA - Como? Ontem você não estava grávida.

TERCEIRA MULHER - Mas hoje estou. Ah, me deixa ir em busca da parteira, Lisístrata, é urgente. Senão eu dou à luz neste lugar sagrado.

LISÍSTRATA - Que fábula está me contando? (Apalpa o estômago dela.)

Que filho tão duro é esse?

TERCEIRA MULHER - É um menino.

LISÍSTRATA - Menino!? Só se tem a cabeça oca. (Bate na barriga dela, ouve-se som metálico. Abre-lhe a roupa.) Criatura ridícula! E ainda tem a coragem de usar o sagrado capacete de Palas, para tal mentira.

TERCEIRA MULHER - Não é mentira. Estou realmente grávida.

LISÍSTRATA - Então para que esse elmo, desgraçada?

TERCEIRA MULHER - Se as dores chegassem lá na Acrópole, eu pretendia ter meu filho nesse elmo, como as galinhas fazem com os ovos.

LISÍSTRATA - Acho melhor você desistir dessa gravidez imediatamente antes que eu obrigue esse teu filho a nascer mesmo embaixo de pauladas.

TERCEIRA MULHER - Eu não consigo mais dormir na Acrópole depois que a serpente que guarda o templo me apareceu, uma noite dessas.

QUARTA MULHER - E eu? Infeliz, não consigo dormir com o pio alucinante das corujas. Há noites e noites que não prego um olho: vou morrer de cansaço.

LISÍSTRATA - Vocês, mulheres sem fé e sem coragem! Eu sei bem o que significam esses pios e essas serpentes noite adentro. Significam somente

que vocês desejam a volta de seus homens. Mas não lhes passa pela mente

que eles estão vivendo noites igualmente negras?

TERCEIRA MULHER - Sei lá, bem poderão se arranjar doutra maneira.

LISÍSTRATA - Ah, rua imaginação não pára, excitada ao máximo. Um pouco mais de paciência e a vitória é nossa. O oráculo nos prometeu o sucesso, se ficarmos unidas. Querem que eu repita as palavras dele?

TERCEIRA MULHER - Fala. Que declarou o oráculo?

LISÍSTRATA - Ouçam em silêncio, então! (Lê.)

"Se as pombinhas

Ficarem todas juntas '

Fugindo a pombos

E a empombados falos

Os seus males ficarão logo

Menores

E as coisas de amor, depois,

Serão maiores.

Mas se a discórdia

dividir as pombas

e elas voarem sozinhas

do templo sagrado,

serão devoradas

pelas forças brutas.

Congregadas,

serão respeitadas.

Dissolvidas,

serão dissolutas."

TERCEIRA MULHER - A profecia é clara.

LISÍSTRATA - Portanto, companheiras, não convém fraquejar diante do primeiro sátiro tentador que nos penetra em sonhos. Seria vergonhoso, irmãs, desconfiarmos do oráculo a esta altura da campanha. (Todas voltam à cidadela.)

LisístrataOnde histórias criam vida. Descubra agora