26 - Nada além da espera escura

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PARTE II
A carência de comunicação é a maior distância entre dois corpos.
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"Andrea, sei que já faz algum tempo, acredito que não esperava notícias minhas, mas esta carta não é sobre nós."

𝔼la estava parada no centro do cômodo com um olhar fixo na máquina de costura que trabalhava ruidosamente. O sol agradável do verão invadia a janela atrás dela e aquecia sua nuca. Era quase um estupor hipnótico.

Olhando ligeiramente para o lado, sua mãe a viu pelo canto do olho e deu um sobressalto, encarando-a irritada.

"Quantas vezes tenho que dizer para não aparecer assim, como um fantasma?" Stella impôs sua voz rígida, contrastando com a delicadeza de sua aparência. "O que você quer? Por que não vai brincar lá fora com suas irmãs?"

"Eu gostaria de mais papel para fazer moldes." Disse Miranda, mantendo os olhos conectados aos dela. "Não queria interromper, mamãe."

"Já gastou todos que lhe dei? Logo suas bonecas terão mais roupas do que você. Que seja, tome cuidado com os dedos."

Ela girou de volta para a máquina e continuou a trabalhar no vestido amarelo florido. Então Miranda ficou olhando para os cabelos grisalhos de sua mãe, com poucos resquícios de fios loiros. Era estranho como ela ainda era jovem, mas já tinha a cabeça quase toda coberta pelas madeixas brancas.

O toque estridente do telefone pulsou dolorosamente em suas têmporas e elas olharam para trás. Ou seria a campainha? Miranda não tinha certeza. Não parecia com o telefone de sua casa.

Abriu os olhos na semi-escuridão da sala de estar, sentindo a boca seca e um gosto amargo. Lembrou que esperava uma ligação de Andrea e imediatamente esticou o braço na direção do telefone.

"Miranda, é Lucía. Celine deixou o material na sua casa ontem?"

"Não." Respondeu secamente, cobrindo o bocal com a mão enquanto bocejava.

"Vou rastreá-la e mandar entregar a você às duas da tarde, preciso de um relatório para a reunião de planejamento da Fashion Week, quero você a frente de tudo."

"Claro. Duas horas."

Decepcionada, Miranda olhou para o relógio na parede e notou que já passava das nove da manhã. Não costumava acordar tão tarde, mas as últimas horas foram exaustivas e a garrafa de vinho, agora vazia na mesa de centro, havia ajudado.

Levantou-se sentindo o corpo levemente dolorido, finalmente cobrando os limites ultrapassados no sexo da noite anterior.

Na cozinha, preparou a cafeteira e sentou-se na banqueta, aguardando pacientemente enquanto encarava o mármore do balcão.

Ela pensou que o telefone tocaria a qualquer momento. Elas sairiam para algum lugar agradável onde fariam a primeira refeição do dia de forma tranquila. Ela diria que agora é uma mulher completamente livre e Andrea acreditaria que falava sério quando dizia estar disposta a namorá-la.

Exceto que Andrea não ligaria naquele sábado como elas haviam combinado. O único sinal de vida que Miranda veria seria o de Celine. E apesar de sentir uma pequena irritação, ela não daria muita importância àquela pequena indelicadeza.

Se o que Andrea precisava era de tempo para pensar, ela faria um esforço para ser paciente. Miranda lhe daria espaço e ocuparia seu dia, imersa em trabalho, tentando não teorizar o porquê de Andrea sequer ligar para cancelar o compromisso.

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Já fazia alguns minutos que Miranda estava sentada na sala de conferência, com as pernas cruzadas e os braços descansando sobre a grande mesa redonda.

Stay With Me - Cartas Esquecidas (Mirandy - Intersexual)Onde histórias criam vida. Descubra agora