𝕮𝖆𝖕𝖎𝖙𝖚𝖑𝖔 6 - 𝕾𝖚𝖆 𝖕𝖆𝖑𝖆𝖛𝖗𝖆

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"Bem e mal. Luz e escuridão. Sol e lua. Os dois lados de uma mesma moeda. Os dois lados de uma mesma pessoa. Alguns a chamariam de falsa. Outros a nomeariam mascarada. Hipócritas! O mundo é cruel demais para ser honesto e transparente. Quer sobreviver? Então coloque sua máscara mais bela e vá à luta, mesmo que essa luta seja contra si mesmo."


Ivan Millborn

Toque

Contato físico que, nesse caso, transmite um calor confortável vindo de mãos femininas macias e delicadas de Lucy. O anel usado como acessório com pedras brancas e azul-turquesa se destaca mais que as unhas grandes e bem cuidadas. Vaidade é sua palavra. Subimos três lances de escada e chegamos até um corredor de armários azul-marinho. Lucy me leva até os amigos dela, que estão no fim do corredor. Parece que ela estava certa, todos daqui já sabem quem sou. A cada passo que dou já sinto os olhares pesados e opressores das pessoas se virarem em minha direção; o trajeto me deixa desconfortável, apesar de eu não demonstrar. Alguns não se contentam apenas com movimentos dos olhos e sentem uma necessidade constrangedora de cochichar para os amigos ao lado. Tento tirar o melhor dessa situação e coloco minha máscara mais perfeita, assumindo, assim, minha forma mais esnobe - ou arrogante, como diria Lucy.

Sou apresentado a três pessoas: Carla, Jean e Eric. Eles até são simpáticos, mas demonstram estar um pouco assustados e Jean parece estar hipnotizado, já que não para de olhar para os meus olhos. Limpo as lentes dos meus óculos, para me desviar de qualquer tipo de contato visual desconfortável, apesar de eu já conhecer bem esse tipo de olhar. Me perco momentaneamente em memórias antigas até que escuto o sinal bater e sou levado por Lucy e seus amigos para uma grande sala de aula com mesas, também azuis, enfileiradas e duas lousas compridas dispostas à nossa frente.

Nossa escola se chama Saint John. É uma escola conhecida por fornecer um ensino muito bom e em conta. Pelo que me disseram, a verdade é que isso é só fachada. O real motivo, que agrada pais e alunos é que, apesar de ser muito religiosa, não interfere na vida dos alunos, como definir as roupas que eles usam ou se podem ou não ter cabelo colorido. Todas as inspetoras que passaram por mim até agora usavam um colar simples com uma cruz. Dizem que os olhos são as janelas da alma, isso se torna muito verídico ao olhar para elas já que, visivelmente, estão divididas entre me julgar e me acolher. Pelo menos aqui ninguém jogou água benta em mim ainda.

Vou para sala e mais olhares me cercam; nada de novo sob o sol. Me sento no fundo da sala atrás da Lucy, vejo que ela está lendo um livro bem grosso e com algumas imagens.

   — O que você está lendo? Algum livro de princesas? Deixe-me adivinhar... É A Bela e a Fera. — Provoco suavemente, o que parece ter efeito pelo seu pesado suspiro.

   — Só se nesse caso você for a Fera, né. — Ela se vira tão rápido em minha direção para me responder que minha primeira reação foi me inclinar para trás, com medo de levar um soco ou uma cotovelada.

   — Como você é rude, Lucy! — Coloco a mão em meu peito em uma atuação horrível de tristeza.

   — Como você é irritante, Ivan! — Ela imita minha ação e tenta imitar minha voz, voltando a me dar as costas logo após. Me contento com essa falha e hilária imitação de voz que se assemelha muito à uma pata rouca.

   — ...Mas afinal de contas, o que você está lendo?

   — Verdades do mundo: mitos e lendas. É bem interessante. — Lucy se mantém virada de costas para mim, mas posso jurar que vi seu rosto relaxar, pelo lado esquerdo do mesmo.

   — E fala sobre qual tipo de lendas? — Me inclino na mesa para ver melhor o livro quando ela, inesperadamente, volta a se virar para trás, fazendo nosso rosto ficarem próximos. Próximos demais. Rio sutilmente da situação extremamente clichê enquanto olho para minhas mãos. Me surpreendo ao levantar o olhar e ver que Lucy não se afastou; permanece imóvel. Meu coração dispara de forma branda e o suor nas minhas mãos começa a se manifestar ao passo que a intensidade de seus olhos castanhos de contorno preto, brilhantes como as estrelas, aumenta. Meu sorriso murcha quando uma sensação de vergonha amadora me toma, me fazendo recuar, mas mantenho o contato visual e o rosto impassível, sem demonstrar minhas sensações.

Irmãos da RosaOnde histórias criam vida. Descubra agora