– O que você está fazendo aqui? – indagou Branca de Neve, ainda junto à porta da varanda.
– Pode dizer à loba para baixar a guarda, pois eu não vim matar você – disse a Rainha Má.
– Difícil acreditar, considerando que os guardas a surpreenderam brandindo uma adaga contra mim no berço, na noite em que nasci. Muito me surpreende papai ter se casado com você. Imagino que o tenha enfeitiçado.
– Sua mãe o enfeitiçou, não eu.
– Não se atreva a falar da minha mãe!
– Como quiser. Mesmo porque, não faço questão de ficar me lembrando daquela víbora. Sua mãe fez muito mal a mim, ao seu pai, e a você também. Mas ela está morta, e é o que basta. Vamos enterrar o passado.
– Ainda não disse por que está aqui?
– O rapaz conseguiu sair sem ser visto?
– Rapaz?
– Não precisa se fazer de desentendida. Sei que o ladrão que procuram estava aqui, com você, há um minuto. Ele é bem sorrateiro, e tem sorte que tenha sido eu a perceber sua presença.
– Sorte não tem nada a ver com isso.
A Rainha Má se aproximou do espelho sobre o toucador de Branca de Neve, mas, ao contrário do que se esperaria de uma mulher tão bela, não foi com o intuito de se admirar, mas para cobri-lo com a cortina, antes de se sentar no banquinho diante dele.
– Qual é o seu problema com os espelhos, hein? – perguntou a Princesa, curiosa. – Soube que mandou tirar todos de seu quarto quando chegou ao castelo.
– Não suporto essas coisas. Me trazem péssimas recordações. Quero lhe fazer uma pergunta, e quero que seja honesta: você gosta desse rapaz?
– Não sou obrigada a responder isso.
– A esquiva é o primeiro sinal de aquiescência.
– Você não sabe nada sobre mim.
– Sei que não faz a menor questão de se casar com o Fera.
– Você se casaria com ele?
– Touché!
– Por que isso te interessa?
– Porque, ao contrário do que possa parecer, eu não a odeio.
– Difícil de acreditar.
– Todos temos fantasmas no passado: um erro de julgamento; um terror infundado... Mas acho que já chegou a hora de deixar o passado para trás. Sei que é uma garota corajosa, e determinada. Se tem a intenção de escapar do castelo, eu posso ajudá-la.
– Você? Você quer me ajudar?
– É natural que fique desconfiada. Mas vamos precisar da ajuda do rapaz.
– De jeito nenhum!
– Não resta dúvida: você o ama – concluiu a Rainha.
Branca de Neve não respondeu.
– E o amor dele também parece sincero – sibilou a Rainha.
– O que você sabe sobre o amor?
– Acredite ou não, eu também tenho um coração. Também já amei.
– Não o meu pai, suponho.
– Não. Você sabe tão bem quanto eu que só me casei com seu pai para salvar minha vida.
– Que bom que admite.
– Não tenho porque negar. Teria fugido daqui tão logo fui retirada da masmorra, não fossem pelos guardas me vigiando por todos os lados. E, mesmo agora, que tenho oportunidade, com os guardas se importando cada vez menos com minha presença, não sou capaz de deixar meu filho para trás, embora ele mal tome conhecimento de mim. Mas você não precisa ser também uma prisioneira de um rei cruel.
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Branca de Neve e a Rainha das Trevas
Short StoryEra uma vez uma história que você já conhece: sobre uma Rainha que costumava consultar seu Espelho Mágico; uma Princesa que comeu uma maçã vermelha como sangue; e a inveja daquela que viu ameaçado o posto da mais bela de todas... Tem certeza que voc...