Para surpresa e completa estupefação de todo o povo, as iminentes núpcias de Branca de Neve com o Rei Leopoldo de Negromonte foram anunciadas nos dias que se seguiram. Houve uma comoção geral, e não houve quem não lamentasse a sorte da bondosa Princesa. Leopoldo era um dos nobres mais ricos da região, e, desconsiderando uma grande cicatriz que lhe atravessava o rosto, e que ele tentava esconder com a barba, era um homem de belas feições; no entanto, sua notória crueldade afastava qualquer virtude que alguém pudesse lhe atribuir.
A bela Princesa, porém, parecia conformada ao seu destino. Não pronunciou uma única palavra em contrário quando o pai anunciou seu noivado diante do povo, nem retirou a mão, quando o Rei a ofereceu ao Fera.
– Você será uma Rainha formidável, minha cara – disse o Fera, beijando-lhe a mão. – Sou realmente um homem de muita sorte.
Branca de Neve permaneceu indiferente. E durante todo o banquete em sua honra, ela esteve calada, inexpressiva. Não manifestou qualquer objeção aos planos de seu pai, e no entanto, intimamente, ela não tinha a menor intenção de subir ao altar.
A Princesa se recolheu cedo naquela noite, ansiosa para terminar com aquela farsa da noiva feliz. Ao entrar em sua alcova, deparou-se com uma surpresa lhe esperando.
– Minha proposta ainda está de pé – disse Robin Hood, confortavelmente esparramado sobre a cama da Princesa.
– Que susto! – sobressaltou-se Branca de Neve. – Como entrou aqui?
– Da mesma forma que da última vez. Mas, sem um guarda em sua porta, não precisei de trajes de criada.
– A propósito, quem os cedeu a você naquele dia? – indagou Branca de Neve.
Robin descartou a pergunta com um gesto. A loba se sentou no meio do quarto, interpondo-se entre Branca de Neve e o nobre ladrão.
– Podemos fugir, na hora em que quiser – repetiu ele.
– Você é muito convencido... Por que acha que eu fugiria com você?
– Eu nunca disse para fugir comigo. Eu propus que fugisse da Fera! Acho que é você quem está se apaixonando por mim.
– Não diga tolices.
Branca de Neve se dirigiu ao seu toucador, apanhando uma maçã do cesto, que jogou para ele, apanhando outra para si.
– Aproveite, são as mais doces do reino – acrescentou ela.
Robin já as conhecia. A cozinheira, de vez em quando, desviava algumas maçãs da macieira de Sua Majestade para a taverna do povoado.
– Pode dispensar sua camareira amanhã à noite? – perguntou ele, levantando-se da cama, e mordendo a maçã.
– Posso. Por quê?
– Então fique preparada. Pegue só o essencial. Meus homens criarão uma distração, e eu virei buscá-la.
– Robin...
– Por favor... – ele interrompeu, percorrendo a distância que os separava, sem se preocupar com a loba. – Não me diga que não devo resgatá-la desta prisão, quando eu vejo nos seus olhos o mesmo incontrolável desejo de fugir destes muros.
Branca de Neve permitiu que ele segurasse suas mãos, mas não pretendia ceder a este capricho.
– Eu não posso.
– É claro que pode. O rei tem outro herdeiro, e o povo sempre terá os meus homens para cuidar dele. Você não precisa se sacrificar.
– Por que você insiste nisso?
– Porque eu sou péssimo em seguir conselhos.
– Já reparei.
– No outro dia você me pediu que não cometesse o erro de me apaixonar por você. Mas a verdade é que, desde que nos deu fuga no dia do roubo, seu rosto nunca mais abandonou os meus pensamentos.
– Robin...
Ele a envolveu pela cintura, ternamente. Ela segurou seus braços, sem fazer qualquer menção de afastá-lo.
– E posso ver a mesma chama refletida em seus olhos, como num espelho, não negue.
Branca de Neve baixou os olhos, enrubescendo.
– Não se iluda – ela sibilou. – Eu não posso me apaixonar por você.
– Vai ter que convencer disso o seu coração, porque acho que ele discorda de você.
Branca de Neve ergueu os olhos para Robin, e, por um instante, ele viu no brilho de lágrimas o desespero com o qual ela resistia a si mesma. Era óbvio que estavam unidos mais do que apenas pelos mesmos ideais.
– Isso é um grande erro – disse Branca de Neve.
– Eu sei – disse Robin.
Sem refletir nem por um segundo, Branca de Neve se ergueu nas pontas dos pés, para alcançar os lábios de Robin Hood com os seus. O ladrão a envolveu em seus braços e a beijou com toda a paixão que o arrebatava.
– Isso é um erro – murmurou Branca de Neve, quebrando o beijo, porém, mal conseguindo afastar-se.
– Você está mesmo conformada em se casar com esse monstro?
– Não seja tolo. Eu nunca vou me casar com ele.
Robin sorriu, interpretando que ela concordava com seu plano.
– Eu não posso, Robin.
– Virei buscá-la amanhã – disse ele, mesmo assim.
– Por favor... – sibilou ela, antes que ele a beijasse mais uma vez em despedida.
– Amanhã! – repetiu ele.
Neste momento, porém, a loba se levantou, sobressaltada. Alguém girava a maçaneta da porta.
– Um momento, não estou vestida! – gritou Branca de Neve, guiando Robin Hood até a varanda. – Vai ter que descer pela videira.
– Esteja pronta amanhã – disse Robin, beijando-a mais uma vez, rapidamente, antes de saltar o balcão, para a parede, agarrando-se firmemente aos grossos ramos da videira.
Branca de Neve aguardou, mordendo os lábios em aflição, enquanto Robin escalava a planta, cada vez mais para baixo. Felizmente, os guardas do muro estavam de costas, e um grande carvalho fazia sombra próximo de sua janela. Assim que Robin alcançou o chão, e correu para a escuridão, ela se voltou, ainda sentindo os lábios formigando com o beijo.
– Pode entrar – disse em direção à porta.
Freya estava rosnando. Para completa surpresa de Branca de Neve, não era sua criada de quarto quem entrava.
Era a Rainha Má.
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Branca de Neve e a Rainha das Trevas
Short StoryEra uma vez uma história que você já conhece: sobre uma Rainha que costumava consultar seu Espelho Mágico; uma Princesa que comeu uma maçã vermelha como sangue; e a inveja daquela que viu ameaçado o posto da mais bela de todas... Tem certeza que voc...