A Câmara do Tesouro

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A notícia de que o Rei colocara a cabeça do ladrão a prêmio logo correu por toda a região, para horror do povo. Robin Hood, todavia, não se perturbara. Estava acostumado a escapar da morte, e a ter sempre um soldado armado em seu encalço. Mais de uma vez tivera oportunidade de bater-se com um deles, num duelo de espadas. E depois de vencê-lo, despediu-o sem que lhe pusesse as mãos.

E já que o Rei desejava tanto conhecê-lo, Robin Hood dispôs-se a fazer-lhe uma visita.

Reunindo os mais valentes em seu bando, Robin se esgueirou para dentro do castelo. Entrar foi a parte fácil: Robin e seus homens se esconderam na carroça do verdureiro que abastecia a cozinha do castelo, e o usaram como cavalo de troia para atravessar os portões. Na hora de sair é que veio a dificuldade...

O bando decidiu aguardar a madrugada para saquear a câmara do tesouro, e só então veriam como poderiam sair do castelo sem serem vistos.

Os rapazes desceram da carroça, e se esconderam no fundo da estrebaria, debaixo do feno, e ali aguardaram por horas. Um silêncio absoluto preencheu a noite, até que, por volta da meia-noite, os bandidos se sentiram seguros para sair de seu esconderijo e penetrar no castelo. Uma ponte conectava a torre norte ao passadiço principal, formando uma cobertura perfeita, logo acima da porta da estrebaria, permitindo que Robin e seu bando permanecessem escondidos pela escuridão, e alcançassem uma porta de serviço, sem serem notados pelas sentinelas no muro.

Entrar no castelo mostrou-se incrivelmente fácil. A câmara do tesouro ficava no porão. Uma escada que partia da cozinha levava diretamente a uma adega no subsolo, e através de uma porta lateral, era possível alcançar o corredor. Dali era preciso contornar a adega na direção contrária para chegar à sala do tesouro. Robin sabia disso antecipadamente, graças à língua comprida de uma das cozinheiras, que sempre bebia uma caneca de cerveja a mais na taverna do povoado, enquanto se gabava de preparar o faisão favorito do Rei.

A câmara do tesouro era guardada por um verdadeiro exército... de armaduras vazias. Esta informação havia sido compartilhada com um pouco mais de malícia, pelo irmão de uma das moças encarregadas da limpeza. A mocinha contara ao irmão esta artimanha do Rei para fazer parecer a qualquer invasor que a sala era rigorosamente guardada, quando tudo não passava de um embuste. Ela mesma era responsável por limpar e polir as tais armaduras, e imaginava que as peças tivessem sido soldadas para que não se desmontassem quando tocadas.

Os ladrões contornaram com cuidado o caminho entre as armaduras, evitando produzir o menor ruído, e alcançaram a porta. Nenhuma tranca era boa demais para as habilidosas mãos do jovem Will Scarlett, cuja aptidão para truques de mágica envolvendo escapes era notável.

Quando as portas finalmente se abriram, a visão da sala fez com que todos perdessem o fôlego.

– Abre-te, sésamo! Estamos na caverna do Ali Babá! – sussurrou Pequeno John, que era, na verdade, um gigante de quase dois metros de altura.

Era uma sala ampla, de pé direito alto, repleta das mais variadas riquezas: pilhas de moedas de ouro e de prata, arcas e mais arcas cheias de pedras preciosas, imensas estantes repletas de cálices e vasos de ouro, a maioria incrustados com pedras preciosas, grandes ídolos de ouro maciço – relíquias provavelmente trazidas de terras longínquas, como despojos de guerra –, joias, estatuetas, coroas... Uma variedade extraordinária de objetos de valor inestimável.

– Peguem o que puderem! – foi a ordem de Robin Hood. – Quanto mais valioso, melhor.

Em poucos minutos, os rapazes encheram vários sacos com os tesouros do Rei. As pesadas moedas de ouro ficaram a cargo de Frei Tuck e Pequeno John, os homens mais fortes do bando; Will Scarlett atentou para as joias e objetos de ouro e de prata; outros membros do bando atacaram cálices, vasos e castiçais de ouro incrustados com pedras preciosas; enquanto Robin encarregava-se de uma coleção de estatuetas de ouro maciço.

Precisariam fazer uma manobra arriscada para passar com os despojos pelo estreito espaço entre as armaduras no corredor, mas Robin estava convencido do êxito de sua empreitada. Aquele tesouro alimentaria os pobres do Reino por um bom tempo, e ele estava mais do que motivado a lhes dar esse presente.

Eles só não contavam com uma coisa: uma sentinela, adormecida dentro da câmara do tesouro, numa cavidade superior na parede elevada, bem ao lado de um gongo.

Os ladrões só se deram conta de que tinham sido flagrados, ao ouvir o ribombar do gongo.

– Maldição! – bradou Pequeno John. – Os guardas estarão aqui em um minuto.

– Precisamos correr! – apressou Frei Tuck.

Todavia o ruído dos pés dos guardas correndo em direção à valiosa câmara já se ouvia no corredor.

– Por aqui! – apressou uma voz, escondida nas sombras, por trás de um belíssimo espelho de cristal prateado.

Atrás do espelho, um deles notou, havia uma estreita porta aberta.

Podia ser uma armadilha, mas o bando não estava em condições de ser cauteloso. Correndo naquela direção, Robin apressou seus homens a passarem à sua frente, enquanto ele admirava seu misterioso ajudador, escondido nas sombras. Uma mão alva como a neve segurava uma alavanca oculta numa reentrância na parede, que mantinha a passagem aberta.

– Vá, depressa! – insistiu a voz misteriosa e feminina.

– Obrigado – Robin agradeceu, antes de penetrar na passagem.

Dois segundos depois, ele ouviu a passagem se fechar, suavemente. Um de seus homens roubara uma tocha da sala do tesouro para conseguir enxergar o caminho no estreito túnel escuro.

– Onde será que vai dar essa passagem? – sussurrou Will Scarlett, logo à frente de Robin, para ninguém em particular.

– No lado oeste do muro – disse a voz feminina, às costas de Robin Hood. – Logo chegaremos a uma escada, então, pisem com cuidado. Ela nos levará mais para o subsolo. Há uma passagem por baixo do fosso no lado oeste, que é uma rota de fuga secreta, para o caso de o castelo ser invadido por inimigos. Só temos que atravessar um pequeno trecho inundado até a margem do fosso, e então, nada nos separará da floresta.

Exatamente como ela disse, a escada os levou a um novo corredor, onde, pouco a pouco, foram ouvindo o som de água. Logo chegaram à borda do fosso, que passava por baixo e em volta do castelo, guardando seus muros. Daquele lado em particular, o fosso não era muito profundo. O mais baixo no bando de Robin passou com a água na altura das axilas. Pequeno John, que era o mais alto, estava submerso até pouco acima do umbigo.

Não viram qualquer sentinela daquele lado do muro, e torciam para que também não houvesse flecheiros vigiando das ameias.

A moça sinalizou que atravessassem o fosso em silêncio, e um a um, subissem para a margem e penetrassem a floresta, sem ruído.

No fim da fila, Robin demorou-se um instante, agradecendo sua alma salvadora.

– Eu lhe devo a minha vida e de meus homens – sussurrou ele, ainda na sombra do túnel. – Se um dia eu tiver chance, a quem devo retribuir a bondade?

A moça deu um passo em direção ao luar, permitindo que ele visse seu rosto, sem nada dizer.

Branca de Neve.

Branca de Neve e a Rainha das TrevasOnde histórias criam vida. Descubra agora