Uma Rainha Não Tão Má Assim

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No sétimo ano, o casamento finalmente se realizou. E tão logo viu-se coroada, Katherina trabalhou num feitiço para esfriar o desejo do Rei. Não tinha a menor intenção de ser sua esposa, e evitaria isso sempre que pudesse. Infelizmente, o feitiço, que só podia ser convocado depois de colocar a aliança em seu dedo, não agiu rápido o bastante para evitar a noite de núpcias.

Katherina viu-se em breve casada com um homem que não amava – e que, para ser honesta, sequer suportava –, coroada e grávida.

– Maldição! – rosnou ela, assim que se deu conta da concepção.

Seu primeiro instinto seria abortar aquela criança, mas descobriu logo que a gravidez era um excelente pretexto para evitar o Rei, pelo menos por tempo suficiente para que o feitiço agisse.

Conforme previra, à medida que o desejo esfriava, a amargura foi tomando conta do coração do Rei. Ele finalmente viveu, tardiamente, o luto pela segunda esposa, assim que viu-se desinteressado na terceira; e a consciência de que ela lhe dera uma filha que, àquela altura, sete anos depois de seu nascimento, ele mal conhecera, só fez com que seu ressentimento se agravasse ainda mais.

Não demorou para que o encantamento outrora sentido pela nova Rainha se transformasse no mais absoluto desprezo.

Enquanto isso, Branca de Neve crescia, cercada de amor e proteção pelos criados e guardas do palácio. Era natural que a menina se ressentisse pelo desprezo do pai, mas, ao contrário do que se esperava, ela apenas parecia admirá-lo à distância, de forma paciente e respeitosa. E à medida que o tempo passava, a nova Rainha espreitava, sempre em busca de uma oportunidade para concluir sua missão: exterminar a última raiz viva da maléfica Morgana.

Os criados, no entanto, jamais se afastavam da Princesa. E onde quer que a Rainha fosse, os guardas a seguiam bem de perto, sem se importar com seu desagrado. O cúmulo da má sorte foi que até um lobo apareceu no castelo, e passou a seguir a Princesa como uma sombra, rosnando cada vez que alguma pessoa desconhecida se aproximava da criança. Com o tempo, a criatura acostumou-se com os criados e com os guardas, mas jamais deixou de olhar ameaçadoramente para a Rainha.

Para colocar as mãos em Branca de Neve, provavelmente teria primeiro que matar a fera; um infeliz contratempo, que ela não estava muito disposta a encarar. Sua perseguição à enteada acabou por lhe render a alcunha de Rainha Má.

Todavia, aconteceu algo que a Rainha não previra: o coração de Branca de Neve jamais se tornou perverso. A menina era doce, e possuía uma alma tão gentil, que acabou involuntariamente conquistando a afeição até mesmo da Rainha Má, embora ela jamais tenha demonstrado.

Katherina sabia que não podia se render aos encantos da criança. O mal às vezes se esconde nos receptáculos mais inocentes. Porém, apesar de um temperamento ligeiramente enérgico, ela via cada vez menos razões para se preocupar com a índole da Princesa. Aparentemente, ela sequer havia herdado os poderes da mãe. Ao menos, ela assim esperava...

Com o tempo, a Rainha Má deixou de persegui-la. Os guardas deixaram de se preocupar com sua presença no castelo. Até o filho que ela tivera raramente dava por ela, sempre pajeado por alguma criada. Katherina transformou-se numa mulher amargurada e infeliz, vendo a criança que tanto temera crescer, a criança que ela pariu ignorá-la, e a vida passar, enquanto ela permanecia encerrada e sozinha detrás dos muros do castelo, condenada a conviver com a maldição de ser a mais bela de todas.

Branca de Neve e a Rainha das TrevasOnde histórias criam vida. Descubra agora