O Resgate da Princesa Adormecida

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Conforme a informação que havia circulado pelo reino, o corpo de Branca de Neve fora colocado na cripta ao anoitecer. O castelo não fora aberto para o funeral. O corpo não fora velado na capela. A Princesa jazia sem pompa no frio mármore no subsolo do castelo, cercada por seus ancestrais.

O Fera partira naquela mesma tarde, galopando furiosamente seu corcel negro, carregando o que parecia ser a cabeça decepada do guarda da Princesa. Aparentemente, o monstro atribuíra aos guardas a responsabilidade pela morte precoce de sua noiva, como se eles pudessem ter impedido que a grande ceifadora a levasse.

As pessoas se encolheram em suas casas, enquanto sua comitiva partia, temendo ficar em seu caminho e enfrentar sua fúria.

Mesmo sem muita esperança, Robin Hood cumpriu sua parte. Ao anoitecer, ele esperou que o túnel fosse coberto pelas sombras, se esgueirou para dentro do castelo, até a cripta onde jazia Branca de Neve.

Porém, a Princesa não estava sozinha. Segurando uma vela na mão, a Rainha Má aguardava ao seu lado.

– Aproxime-se – sibilou Katherina, sem desviar os olhos da Princesa adormecida sobre a campa. – Não tenha medo.

O corpo da princesa estava coberto com um véu, e era notório, pelo cheiro que rescendia no ambiente, que alguém a perfumara com especiarias e óleos de flores.

A loba permanecia deitada ao lado da campa de mármore, leal à sua dona, mesmo após a morte.

Robin fez o sinal da cruz – sem ao menos entender por que –, e estendeu a mão para levantar o véu, porém, a Rainha segurou seu pulso.

– Antes que a veja, devo avisá-lo: não se impressione com o que vai encontrar. Tudo desaparecerá em poucas horas.

Robin assentiu, preparado para deparar-se com a pele acinzentada e as manchas negras que Will descrevera.

Mas nada poderia tê-lo preparado para aquela visão de sua Princesa. Veias negras manchavam todo o seu rosto. Os lábios, outrora vermelhos, estavam negros e rachados. A pele parecia frágil, a ponto de ser pulverizada entre os dedos de quem ousasse tocá-la.

– Ela precisava ter uma aparência de morte convincente.

Robin se debruçou sobre o corpo da Princesa, tentando sentir sua respiração, ainda que fraca, mas nenhum sopro alcançou seu rosto.

– Ela não está morta – garantiu a Rainha.

– Por que a senhora está aqui? – indagou Robin, estranhando que ela quisesse velar a enteada a quem tanto odiara outrora.

– É preciso que haja uma explicação para o desaparecimento do corpo – explicou a Rainha, indicando um jarro cheio de cinzas ao seu lado. – São as cinzas de um cervo. Para todos os efeitos, do pó ao pó se cumpriu mais rápido do que o esperado para aquela que foi vítima do "mal da Bruxa".

Robin aquiesceu.

– É melhor se apressar, e levá-la antes que desperte – disse a Rainha.

Robin apoiou a tocha no canto da sepultura de mármore, e passou os braços sob o corpo de Branca de Neve, erguendo-a do mármore. Até o peso lembrava um cadáver autêntico.

No exato momento em que ele a tomou em seus braços, a loba se levantou e começou a rosnar para o ladrão.

– Quieta, loba maldita! – sibilou a Rainha, puxando com força a loba pelo pescoço.

O animal se debateu e ganiu, cravando os dentes na mão da Rainha.

– Ela vai atrair os guardas – disse Katherina, colocando a tocha na mão dele. – Vá depressa!

Robin obedeceu, equilibrando numa das mãos a tocha com a qual se guiara através dos túneis. Freya uivou alto, debatendo-se nas mãos da Rainha, que ainda tentava segurá-la.

– Fique quieta! – rosnou a Rainha, tentando conter o animal, sem sucesso.

Escoiceando com força, a loba jogou a Rainha Má no chão, e seguiu o ladrão através do túnel escuro.

Apressadamente, Katherina se levantou, amaldiçoando a criatura, e decidindo deixar que fosse atrás deles, se era seu desejo. Seguindo com seu plano, ela espalhou rapidamente as cinzas sobre a campa, cobrindo-as com o véu em seguida. Deixando o jarro com um arranjo de lírios junto à campa, tentou afastar-se da cripta, mas os guardas já estavam na entrada.

– Majestade? – estranhou o primeiro guarda. – O que faz aqui?

– Tenho o direito de velar minha enteada, não? – respondeu a Rainha, com voz firme.

O guarda franziu o cenho, desconfiado, e sinalizou para um dos companheiros, para que se adiantasse e examinasse a tumba da Princesa. A Rainha se voltou junto com ele, mas sabia que era inútil tentar detê-lo.

– O cadáver desapareceu – disse o guarda, erguendo o véu.

– Não – disse a Rainha. – Apenas virou pó. É assim que essa doença age. Destuindo o corpo do dia para a noite.

– Sabia que isso só podia ser coisa sua, bruxa! – disse o primeiro guarda, agarrando o braço da Rainha. – Vamos ver se o Rei a poupará novamente, quando souber que você matou Branca de Neve!

Enquanto os guardas conduziam a Rainha Má à presença do Rei, Robin Hood levava a Princesa adormecida a uma carroça que escondera na sombra da floresta. A loba correu todo o caminho ao lado da carroça, escoltando-os até a clareira onde os ladrões se refugiavam.

Por todo o caminho, Robin Hood rezava para que sua intuição estivesse errada, e Branca de Neve realmente despertasse nas próximas horas.

Branca de Neve e a Rainha das TrevasOnde histórias criam vida. Descubra agora