Escuro

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A chuva fustigava as altas janelas da Kong Studios. Das vidraças estilhaçadas que cercavam a maior parte das salas dos primeiros andares do prédio, corriam grossos filetes de água escura e fria, que desciam sorrateiros pelas paredes até o chão, indo em direção dos solitários corredores escuros logo a frente.

Em algumas partes das lúgubres passagens, caiam do teto grandes gotas de chuva, infiltradas em sulcos e rachaduras que vinham sendo ignoradas por anos. Nos cantos afilados das paredes, alguns montes de bolores esbranquiçados e negros também revelavam o descuido contínuo a que a velha construção era mantida.

Além de toda a umidade que se arrastava pelo o estúdio, rajadas de vento frio também invadiam os corredores, vindos das mesmíssimas janelas destruídas e escancaradas. A maior parte da Kong encontrava-se assim: molhada, fria e vazia.

Nos confins do grande prédio, três vultos distintos esgueiravam-se pelas sombras às cegas. Dois deles rumavam rapidamente para as alas mais afastadas e inabitadas da construção, embrenhados pelo manto invisível da escuridão que os rodeava. O terceiro vulto sondava lentamente os corredores próximos.

- Ah, merda... – 2-D sussurrou nervosamente para si mesmo enquanto tentava acostumar sua visão já enegrecida à falta de luz cada vez mais esmagadora.

O vocalista havia conseguido, com sufoco, escapar da primeira onda de tiros que lhe foi lançada assim que apontou na escadaria do terceiro andar, mas que, muito provavelmente, era na verdade direcionada ao seu maligno líder, Murdoc. Seguindo os conselhos do próprio, disparou sem rumo estúdio a dentro, sem nem ao menos ter um destino em mente. O azulado não tinha ideia do que estava fugindo, mas sabia que não era inteligente ficar para descobrir.

Sem pensar muito, apenas seguindo seu incontrolável instinto de sobrevivência, passou a seguir o que ainda restava dos rastros de Murdoc, que há muito já havia se safado. 2-D entrou em corredores cada vez mais fundos e escuros, sendo guiado apenas pelo som longínquo e abafado dos passos do líder sobre a água que inundava parcialmente as passagens.

- Murdoc! Murdoc... – 2-D chamava baixinho, enquanto tateava o ar a sua frente para evitar esbarrar em algo ou alguém.

2-D sabia que não deveria esperar por misericórdia vinda de Murdoc, mas havia algo que era incontestável: se havia alguém naquele lugar imundo que conseguia se localizar em meio àquela escuridão, era o baixista, tão acostumado que estava em viver nas profundezas mais obscuras da Kong.

- Murdoc! Pelo amor de Deus... – o azulado chamou novamente, sua voz em tom mais agudo do que o normal.

Mais adiante, o líder corria certeiramente entre os corredores escuros, como se soubesse perfeitamente os caminhos que deveria tomar. De quando em quando parava para escutar, para ter certeza de que não estava sendo seguido pelo maldito careca que lhe importunava. A água batia em seus tornozelos agora, cobertos pelo couro fino de suas botas negras.

- Eh, vai comer poeira, o desgraçado. – Murdoc riu secamente com seu costumeiro trejeito com a língua, deslizando-a em seus dentes afiados e desiguais.

Sem nem pensar em olhar para trás, afinal não havia necessidade, o baixista continuou seu rumo com rapidez até avistar a frente o que tanto queria: a escadaria que lhe daria acesso ao estacionamento da Kong, sua única chance de escapar sem ser notado. Murdoc precipitou-se para o primeiro lance das escadas quando ouviu, não muito longe às suas costas, o ruído inconfundível do recarregar de uma pistola.

Maldizendo, o esverdeado tornou a se embrenhar na escuridão de um dos corredores próximos, buscando refugiar-se nas sombras, espreitando atento, a espera de que o penetra aparecesse. Então ouviu passos apressados, mais arrastados e trôpegos vindo em sua direção, seguido de um alto e claro pedido de socorro:

- Murdoc! Puta merda, cadê você?! – 2-D corria para as escadas, obviamente sem perceber sua presença. Em seus calcanhares, o penetra seguia-o pelo som estridente que seus tênis faziam ao derrapar no chão escorregadio.

Mesmo que não pudesse distinguir com clareza o que acontecia, Murdoc sabia que 2-D estava sendo perseguido, e ia cegamente em direção à escadaria. Seria como matar dois coelhos numa cajadada só. Não poderia nunca se livrar de 2-D por meios normais, mas assim seria um trágico acidente, e o penetra era apenas um detalhe. A ideia o fez sorrir.

- É agora... É agora que eu vou morrer! – 2-D gritava a todos os pulmões, o ar frio lhe rasgando a garganta.

O azulado corria de olhos fechados, mesmo que os mantivesse abertos não lhe serviriam de nada. Concentrava-se apenas na sua fuga temerosa e desesperada. Seria o fim da linha para ele se o homem o alcançasse, provavelmente seria morto no lugar de Murdoc. Aquele duende... Ao passar pelo corredor no qual o líder se escondia, 2-D sentiu-se ser agarrado pelo braço direito, sendo puxado para o lado e logo em seguida jogado fortemente contra a parede.

- Cale a boca, rato! O que pensa que está fazendo? – Murdoc sibilou enquanto segurava o vocalista pelos ombros.

- Murdoc! Ele está-

Antes que 2-D pudesse completar sua fala, Murdoc silenciou-o com uma das mãos, pressionando-a sobre seu rosto gelado.

- Já sei! Fique calado! Quer nos matar?

2-D podia sentir a respiração descompassada de seu líder, bem como os movimentos de seu peito muito próximo ao dele. Às suas costas, a parede úmida do corredor lhe causava estranhos arrepios. A força com que Murdoc lhe prendia era descomunal, o azulado nunca pôde entender como o outro, mesmo sendo tão magricela quanto ele, pudesse ser tão forte.

As mãos de Murdoc, que prendiam o ombro esquerdo e a boca de 2-D, não afrouxavam a medida que aqueles segundos intermináveis passavam. Ao contrário, pareciam apertar cada vez mais. O azulado observava com atenção o breu a sua frente, mal podia distinguir o baixista naquela escuridão, mas conseguia ver, por alguns poucos instantes, os olhos de Murdoc brilharem ao fitar o corredor vazio em frente, à espera do que viria a seguir.

Como esperado, os ruídos metálicos de armas pendendo tornaram-se cada vez mais altos, ao passo que o penetra se aproximava ainda mais do lugar em que 2-D e Murdoc escondiam-se. O homem esgueirava-se como um caçador em busca da sua caça perfeita, tomando todo cuidado possível para não cair em possíveis armadilhas, sabia que seus alvos estavam por perto, já que a gritaria do azulado havia cessado repentinamente. Ele não cairia no truque da escada.

A respiração de Murdoc tornava-se ainda mais pesada conforme o homem aproximava-se de seu corredor, sabia que se tentasse correr agora seria pego. Com 2-D em sua cola seria impossível tentar passar por ele. Como se soubesse o que o líder pensava, o vocalista remexeu-se desconfortavelmente, tentando livrar-se de suas mãos, mas foi novamente impedido quando Murdoc, desta vez, usou seu próprio corpo para segurá-lo.

Agora 2-D podia sentir muito mais do que apenas o fôlego de Murdoc em seu rosto. O líder encaixou suas pernas entre as do vocalista, prendendo-o também com as coxas. Mais acima, podia sentir também o desconforto do volume nas calças do baixista encostando no seu. Instantaneamente o azulado sentiu seu rosto inchar, tão quente como fogo. Mas que inferno...

O baixista não deu atenção quando 2-D voltou a se mexer, continuava a mirar o corredor e, agora, a figura escura parada diante deles. Murdoc engoliu um seco quando o homem se virou para sua direção. Como se tivesse subitamente perdido seu rumo, o homem deu uma volta completa em torno de si mesmo e retomou sua procura na direção oposta, sumindo em um outro corredor adiante.

- Mur... Murdoc! – 2-D conseguiu dizer afinal, surpreendendo o líder enquanto tentava lhe afrouxar a mão com a sua que ainda estava livre.

Murdoc virou-se repentinamente para 2-D, como se tivesse finalmente se lembrado de que ele ainda estava ali. Ele observou seu vocalista de perto, as mãos do azulado ainda seguravam a sua com força. 2-D mexeu-se novamente, tentando se afastar, e Murdoc finalmente entendeu e sentiu o motivo do desconforto. Sua língua novamente passeou por seus lábios enquanto soltava o outro. 2-D deixou escapar um grande suspiro.

- Pot? – Murdocchamou subitamente, mas o azulado não respondeu. – Você ainda quer foder?

Gorillaz: Make Me Feel GoodOnde histórias criam vida. Descubra agora