Medo

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Era uma noite quente de verão, e uma brisa leve entrava suavemente pelas janelas. A Kong Studios estava apinhada de gente. Artistas, celebridades do momento, pessoas importantes e muitos outros convidados seguiam Murdoc de lá para cá enquanto este se vangloriava pelo trabalho fascinante que o Gorillaz havia feito com o álbum "Demon Days". Aqueles eram dias de glória para o grupo, sua popularidade estava nas alturas e haviam conquistado coisas nunca antes vistas.

Longe de toda aquela barulheira e estrelato, 2-D escondia-se em seu quarto com Noodle que, agora em seus 15 anos e completamente sã, representava uma companhia melhor do que jamais fora.

- Eh, ele está lá embaixo dando todos os créditos pra ele mesmo... você não liga? – 2-D estava deitado em sua cama, apoiando a cabeça com uma das mãos e segurando seu costumeiro cigarro com a outra. Seu rosto parecia divertido, sorria com seu trejeito nos lábios mostrando todos os dentes, ou quase.

- Não me importo. Eu sei meu valor. Eu compus o álbum para a banda. Então ele é de todos nós. – Noodle sorria por baixo da longa franja que lhe cobria o rosto. Estava encostada na cama, ao lado de uma enorme pilha de roupas do rapaz. Seu jeito, também brincalhão, chacoalhou tudo quando deu de ombros, arrancando ainda mais risos do amigo.

- Não sei como conseguiu tirar todos aqueles bichos daqui. Você devia ter nos chamado. E se algo te acontecesse? – o vocalista levava o cigarro à boca de quando em quando.

- Ah, Pot! E você faria o quê? – Noodle apoiou-se com os antebraços no monte de roupas e ergueu o corpo para fitar o rapaz com um sorriso irônico nos lábios.

- Eu ia te proteger, pequena. – 2-D também se aproximou, com um olhar terno e atencioso, mesmo que escurecido.

Noodle continuou a observá-lo em silêncio antes de continuar. De repente, seu rosto e voz pareciam ter esfriado, como se memórias passadas tivessem voltado à tona.

- Você não pode me proteger, Pot. – disse taciturna.

- O que quer dizer? Farei isso o quanto puder! Porque-

- Pot, deixa pra lá. - antes que pudesse terminar, Noodle o interpelou.

- Não, você quer me dizer algo. Então fala! – 2-D exclamou, agora endireitando-se na cama para observá-la melhor.

Noodle acompanhou o amigo e pôs-se de pé. Ignorando os questionamentos dele, andou depressa até a porta e avisou:

- Estou um pouco cansada. Conversamos depois, certo?

Dizendo isto, a menina abandonou o quarto e 2-D, que sentia a cabeça rodar com o que havia acabado de acontecer. Na verdade, o que havia acontecido? Sem saber, aquela foi a última vez em que ele falou com Noodle.

*

Na manhã seguinte ao ataque de Murdoc, o silêncio pesava entre os inúmeros corredores da Kong. Não havia nenhuma alma miserável a ser sentida naquele lugar, pelo menos não as inteiras. Ali, além de toda a imundice e sentimentos negativos, acumulava-se também uma porção de espíritos partidos, quebrados e incompletos de todas as pessoas que ali estiveram, de todos aqueles que ainda permanecem ali, e que continuam a tocar suas vidas como se estivessem se debatendo em um mar escuro e frio, lutando desesperadamente para não se afogar.

Ainda zonzo e fatigado, 2-D levantou-se lentamente enquanto levava a mão direita à garganta. Podia sentir o ardor de sua carne e músculos sendo comprimidos. A mão esquerda levou à cabeça, que girava e continuava pesando toneladas, mesmo que agora fosse mais suportável. Seus pés tropeçavam nas peças de roupa pelo chão, e até mesmo deslizavam entre as polaroids ainda espalhadas. Sentia uma dor indescritível e angustiante, como se seu corpo finalmente tivesse cedido a todas as desgraças que vinha recebendo nos últimos tempos.

Gorillaz: Make Me Feel GoodOnde histórias criam vida. Descubra agora