Do outro lado do Oceano Índico, um cruzeiro luxuoso deslizava sobre o mar azul-claro em um fim de tarde alaranjado. Envolto em uma calmaria suntuosa, nada poderia abalar o descanso daqueles milhares turistas enrolados em vestes floridas e bregas. Mas, tão rápidos quanto as raras brisas que batiam em seus mastros, os primeiros mísseis caíram desajeitados e desordenados, atingindo o casco do navio.
Em polvorosa, as pessoas correram pelo convés para ver do que se tratava. Neste momento, dois caças militares rasgaram o céu sobre eles, indicando que, não importava quantos estivessem ali, todos sofreriam as consequências. A correria em direção às cabines foi tremenda que, mesmo nos andares a baixo, era possível ouvir o som dos passos pesados e desesperados.
Atrás de uma pesada porta de mogno, que recebia a numeração treze pendurada em si, uma garota peculiar de cabelos negros escondia seu rosto sob uma máscara oriental de kitsune. Ela não aparentava ter mais que vinte anos, mas se mostrava tranquila em sua plenitude, mesmo com o caos já percebido e instaurado lá fora. As mãos pálidas estavam entrelaçadas sobre o colo, e o movimento entre elas poderia ser a única indicação de um incômodo.
Noodle torceu os lábios pintados de vermelho conforme ouviu a explosão da quinta bomba. Havia sido descoberta, de novo. Pelos últimos quatro anos, ela pôde desfrutar de momentos de descanso, de autoconhecimento. Mas, seu cruzeiro pelas Maldivas havia, enfim, terminado. O exército japonês estava mais uma vez em seu encalço, mas, diferente do que acontecera da primeira vez, ela estava determinada a não ser fraca de sucumbir e afundar novamente em destroços.
Com um impulso brusco, Noodle agarrou uma maleta cuidadosamente escondida em uma das prateleiras de uma estante presente na luxuosa sala. De dentro dela, a jovem retirou uma AK 47 e cerrou os dentes. Ela lutaria até o fim desta vez.
Decidida, Noodle marchou pelos corredores apinhados de gente, tendo sua passagem facilmente garantida graças ao mimo em suas mãos. Sem olhar para nenhum lado em específico, ela subiu até o convés onde, cada vez mais perto, os caças rondavam a espera de sua presa escorregadia.
Sem poupar sua munição, Noodle atirou nos aviões o mais precisamente que conseguiu. Àquela distância era difícil saber se conseguia acertar em cheio seus alvos. Os pilotos, afoitos quando avistaram a menina tão friamente vulnerável, mergulharam em sua direção, recebendo os tiros até que um deles foi abatido e caiu desgovernado no mar.
Noodle sentiu a sensação quente de ter conseguido derrubar um deles. Aos pulos, seu coração batia rapidamente a medida que ela lançava seus olhos para a água escura pela fuligem, tentando encontrar seu perseguidor. No minuto em que se descuidara, o segundo caça sobrevoou o navio, soltando uma bomba bem acima de onde a garota se encontrava.
Em poucos minutos, uma cena digna de Titanic foi presenciada. Sem muito tempo para pensar ou agir, Noodle correu para até as grades de proteção, se lançando em mar aberto com energia. Seus braços finos, mas fortes, a levaram até um bote salva-vidas que boiava ali perto, já a aguardando. Ela podia ter se deleitado com os tantos meses de folga, mas ainda era uma menina esperta e precavida.
Encoberta pela fumaça do fogo que devorava o convés de madeira do navio, Noodle ficou à deriva por alguns instantes enquanto recuperava o fôlego. O caça voava longe dali, satisfeito e crente que a menina afundava junto da embarcação. Mas, há poucos metros se encontrava Noodle, uma sobrevivente de guerra, que já não precisava mais de sua máscara, pois, lhe bastava sua pequena AK 47 e o violão gasto, cuidadosamente enrolado no assoalho do bote e que fora seu companheiro desde que ela aprendera a dizer o próprio nome.
*
O lugar estava intacto, nem parecia estar abandonado no meio do nada.
- I-ilha do Plástico? – 2-D balbuciou.
- Exatamente! – Murdoc sentenciou, agarrado aos ombros do vocalista. – Feita especialmente para nós!
- Que? Do que você-
Antes que o azulado pudesse concluir sua fala, Murdoc o interrompeu com um sinal das mãos ossudas. Os olhos negros do líder contemplavam a ilha a sua frente, e estava orgulhoso de si. Afinal, havia conseguido um lar para eles. Todos eles.
O peculiar grupo desembarcou na ilha, deixando o submarino estranhamente atracado em uma espécie de doca. Caminharam por uma rampa que ia até o centro da casa que, ainda mais esquisitamente, era formada por módulos, como se pequenas ilhas compusessem o imóvel. Todos os cômodos eram interligados por outras rampas e o mar não era revolto ali. Ao contrário, era uma calmaria tão grande que pequenos peixes coloridos nadavam por entre os corredores.
- É-é... até que é bonito aqui... – 2-D resmungou, tocado pela beleza exótica do lugar.
- É claro que é, palerma. – Murdoc respondeu simplesmente, dando uma volta em si mesmo em quanto admirava os módulos.
2-D lhe lançou um olhar irritado, e o líder entendeu na mesma hora que precisaria rever seu vocabulário e costumes se quisesse realmente fazer o azulado acreditar que o queria. Mas, naquela hora, só a segurança de terem um teto sobre suas cabeças deveria bastar.
A cyborg marchava atrás do vocalista, como se, de fato, tivesse se tornado sua guarda-costas. Murdoc engoliu um seco, lembrando-se suas próprias experiências com a máquina. Ele, de verdade, não iria querer irritá-la, mas, se quisesse se aproximar de 2-D, também precisaria arrumar uma forma de passar por ela.
Raios! Quantos problemas de uma vez só! De repente Murdoc sentiu sua cabeça girar. Ele não sabia ainda como faria com relação a 2-D, mas sabia que o queria. Incessantemente. Mas ele é um homem! Uma voz interna insistia em lembra-lo. Dane-se se era homem ou não. Murdoc o queria mais do que poderia suportar, mais do que queria aceitar. Não era hora de entender, mas sim de fazer.
- Escutem, crianças. – o baixista disse, de repente. – Procurem o que fazer pelo lugar. Vou encontrar uma cama e me deitar um pouco, não dormi bem esta noite.
2-D ergueu uma das grossas sobrancelhas, se lembrando da dificuldade em que tivera para acordar o líder há pouco menos de meia hora. Mas, não contestou. Apenas soltou um som anasalado em concordância, dando as costas e saindo por uma das rampas de acesso para outros módulos.
A cyborg continuou seguindo o azulado, mesmo enquanto ele saltitava entre as rampas, totalmente distraído com os seres marinhos ali.
- Isso parece um resort. Um daqueles em que ficávamos quando estávamos em turnê. – 2-D disse, soltando um suspiro sentido. Que falta lhe fazia aqueles dias.
- O que há de errado?
A voz mecânica da cyborg pairou entre eles. O azulado olhou para ela com cuidado, ela parecia muito melhor do que na noite passada. Seu rosto continuava trincado e o corpo estava manchado por fluídos negros, mas, não soltava mais faíscas ou parecia querer explodir a qualquer instante. 2-D respirou fundo antes de responder.
- O que quer dizer? Está tudo bem. Estamos vivos, não estamos?
- Eu te observo há muito tempo para saber quando não está bem. – ela respondeu, mordaz.
- Ah... eu... – 2-D começou, mas as palavras simplesmente lhe fugiam.
- Murdoc lhe fez algo ontem, não? Ele sempre faz algo.
Sim, o líder sempre fazia algo, o azulado refletiu. Sempre, quase sem nenhuma ressalva, ele fazia coisas porque queria outras em troca. Não seria diferente agora. Havia algo no fundo daqueles olhos negros e sem vida que ainda o fazia temer algo que desconhecia.
Diante de 2-D estava aquela que era para ser a salvação da vida de Murdoc. Que viera ao mundo exatamente para consertar algo que havia sido destruído quando outra, exatamente igual, o havia deixado. Não, Noodle estava viva, ele sabia. Olhando os olhos escuros da cyborg, a imagem e semelhança de uma menina de 16 anos, o azulado tinha a plena certeza de que ela não era mais assim, fosse como fosse. Seria uma bela jovem agora.
A cyborg Noodle não era o que Murdocqueria que ela fosse. E jamais seria o que foi concebida para ser, 2-D sabia.Ali, ela só queria ser reconhecida, estava pronta para ouvir um desabafo. Mas,para bem ou para mal, o vocalista ainda não estava pronto para isso.
![](https://img.wattpad.com/cover/280430956-288-k269284.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
Gorillaz: Make Me Feel Good
FanfictionDepois de Paula Cracker, o coração do doce e gentil 2-D se fechou para tudo e qualquer pessoa que tentasse transpor a armadura que ele criou para si próprio em autodefesa. Ele só não imaginava que não conseguiria ser capaz de impedir que o tiro de u...