Lembranças

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El Mananã flutuava sobre o prédio principal da Kong Studios naquela manhã. O céu, fechado e completamente encoberto por nuvens carregadas e enegrecidas, não deixava transpassar o mínimo fio de luz possível, nem mesmo nas mais altas delas.

A Kong permanecia fechada, apenas os membros circulavam por ela. A maioria das vidraças estavam quebradas, os estilhaços enchiam grande parte dos salões e dos corredores. Mas ninguém se importava. As janelas abertas permitiam entrar rajadas de ventos gélidos e úmidos, o típico clima britânico.

Não havia muitas lâmpadas funcionando nos corredores, apenas algumas salas proviam a luz necessária. O prédio permanecia na escuridão e, ao fundo, rangidos e vozes podiam ser ouvidos das alas mais distantes.

Mesmo que Noodle tivesse gasto uma grande parte do seu tempo exterminando os demônios-zumbis que infestaram o prédio durante o tempo que este permaneceu abandonado, ainda eram recorrentes algumas aparições. A única coisa boa que rendeu daqueles dias foi o álbum "Demon Days", completamente composto por ela, e que transmitia todos os seus sentimentos perante aos recentes acontecimentos.

Em meio àquela escuridão, a única maneira de realmente distinguir o dia e a noite era o enorme relógio antigo, enegrecido pelo tempo e coberto de poeira e mofo. Seu pêndulo, longo e rígido, fazia estalos fortes e compassados a medida que ia se movendo. Ele se encontrava no centro de uma das 50 salas da Kong. À frente dele, vidraças enormes revelavam as altas encostas no qual o estúdio era encravado. 2-D estava plantado à sua frente. Não tirava seus olhos dos ponteiros descascados e fendidos.

- Que horas ela vai voltar, Russ? – suspirou.

Russel, sentado sob um amontoado de caixas num canto da sala, cabisbaixo, não esboçou muitas reações.

- Ela só está flutuando lá. Ela vai ficar bem... a pequena é casca-grossa.

O rapaz lançou seus olhos negros para o amigo ao canto. Abriu a boca para dizer algo, mas desistiu, fechou-a de maneira dura, parando num semblante débil.

- Ela não vai voltar, seu rato, e você sabe disso. - Uma voz dura, metálica e esganiçada ecoou pela sala. Murdoc, vindo das sombras, juntou-se à dupla.

- Noodle está bem lá. E você sabe... Ela não quer voltar. – Ele esboçou seu sorriso malévolo e irônico. – E ela não vai voltar!

- Cala a boca! A Noodle vai... ela tem que... – 2-D interpelou o líder, cerrando os punhos e franzindo o cenho. – Ela vai voltar!

O rapaz de cabelos azuis virou-se para as vidraças e fitou a ilha flutuante. Noodle estava lá. Em algum lugar. Num gesto melancólico, estendeu a palma de sua mão esquerda contra o vidro e lentamente deslizou os dedos, um rastro de poeira se formou. Seus olhos acompanhavam atentamente o girar do moinho-de-vento e o balanço da terra, fechou as mãos, então, para pedir. Pedir encarecidamente que ela voltasse.

Os mesmos olhos atentos viram os grandes helicópteros se aproximarem do El Mananã. Suas hélices giravam loucamente e enviavam uma forte rajada de vento para dentro da sala.

- O que é isso? O que está acontecendo? O que eles vão fazer com ela? Murdoc?! – 2-D virou-se atônito para o líder que, impassível, observava em silêncio a cena, sem demonstrar qualquer sensação. - Murdoc?!

Quando se virou novamente para as vidraças, viu, com terror, algo absurdo e em que não queria acreditar. A ilha ardia em chamas, transformara-se em uma enorme bola de fogo que despencava lentamente sobre a encosta da Kong.

- Noodle! – 2-D juntou-se novamente à vidraça e encostou o rosto nela, apertando as bochechas. – Murdoc! A Noodle! – virou-se para o outro, que assistia tudo calado, o brilho das chamas refletia em seus olhos negros e perversos. – Noodle...

Gorillaz: Make Me Feel GoodOnde histórias criam vida. Descubra agora