Montei a armadilha para apanhar o maldito gato que anda a apanhar os meus ratos, a ansiedade cresce dentro de mim como uma planta a germinar e a cada minuto que passa, só quero que o gato meta a pata na armadilha e eu possa apanhá-lo. O vento está quase parado e as folhas castanhas e amarelas das árvores escondem a armadilha, o meu olhar está fixo lá na ânsia de ele aparecer, mas ele nunca mais vem e a raiva de justiça cresce em mim. Ele não tem o direito de apanhar os meus ratos de estimação, especialmente porque sei que ele só os quer comer e eu quero protegê-los. O tempo está a arrefecer e a escurecer, mas não desisto de esperar aquele malfeitor e fazer justiça pelos ratos. Nem o medo do escuro nem o frio me irão tirar daqui, mas a mãe furiosa talvez ...
Entretanto, a mãe veio à porta chamar-me e não tive escolha, porque ela só chama uma vez (à segunda vez, é meio caminho andado para levar tareia), por isso, fui caminhando e parando para olhar para trás, na tentativa de ver o gato chegar. Andei uns passos e parei à escuta, mas nada, apenas se ouve o vento um bocado mais forte a chocalhas os ramos das árvores e fazer um chiar quando passa no metal. Voltei a caminhar e parar para verificar a armadilha, mas sem sucesso de aparecer o gato, por isso, abri a porta e espreitei uma última vez, aguardei um pouco e fiz figas, porém, hoje não havia caça ao gato.
A mãe já estava atrás de mim à espera que fechasse a porta, a sua presença sente-se quando o ar ficar mais pesado e sufocante. Laçou-me um olhar tenebroso e arrepiou-me mais do que o frio na rua, senti o corpo estremecer com aquele olhar tão reprovador, pesado e asfixiante, e então entendi que era melhor ir buscar a armadilha porque algo me diz que ela sabe e se a encontrar, vou levar uma tareia com a primeira coisa que lhe vier à mão. Sai de esgueira, muito suavemente pela porta enquanto ela terminava de preparar o jantar e vasculhei as folhas na procura da armadilha. As folhas esvoaçavam por todo o lado, mas destaparam a boca afiada de metal da armadilha, peguei num pau e atirei-o no meio da armadilha para que ela fechasse automaticamente, e por fim, levei-a para esconder no barracão do pai.
Quando retomei à cozinha, a mãe já estava sentada à mesa e estava com um ar de chateada, por isso, limitei-me a baixar a cabeça (com a certeza que ia apanhar) e calei-me bem calado. Baixei-me para tentar puxar o meu banco debaixo da mesa, mas reparei que não estava lá e estranhei, olhei em volta e vi que ele estava no canto oposto da cozinha, bem encostado à parede. Uma criança qualquer iria buscá-lo, mas eu não, deduzi que tinha sido a mãe a retirá-lo da mesa para me castigar, por isso, não pedi autorização e fui diretamente ao banco para me sentar de costas para ela enquanto come. Só depois dela terminar é que devo sair e ir comer de pé, isto se ela for bondosa e me deixar alguma comida no prato, senão terei de esperar por amanhã para comer.
Sentei-me, olhando para a parede imunda e sentindo o cheiro da comida quente e deliciosa, o estômago torceu-se e balburdiou de fome, mas fechei os olhos e criei uma imagem feliz de mim a comer um banquete e a comida infinita. A baba cresce na boca, o barulho dos talheres batendo no prato é como uma tortura, quis fechar as orelhas para não pensar em comida, mas seria facilmente reprimido porque é suposto ser um castigo. Se pudesse saia correr e apanhava o prato e fugia rua afora, mas depois seria apanhado, levava porrada e provavelmente, não comia durante 2 dias. É injusto! Eu não fiz nada de mal e já estou a pagar por não ter feito nada, se pudesse, e que dava um castigo a ela....
- Podes sair. – Autorizou a mãe.
Sai cuidadosamente sem levantar a cabeça, trouxe o banco comigo para a mesa e sentei-me a aguardar a generosidade, mas espreitar pelo canto. Ela virou-se e colocou um prato com uma única concha de comida, quase conseguia ver o fundo do prato, mas não pronunciei uma palavra, comecei a comer devagar para aproveitar o pouco que tenho e fingir que é muito. A cada colherada só queria mais outra, mas só via o fundo do prato a se aproximar, por isso, tive eu conter a pressa e pôr cada colher na boca com leveza e apreciar, pois, em breve termina. O comer este pedaço deixa-me feliz e sortudo porque se ela quisesse, não comia nada, o estômago fica "satisfeito" e eu iludo-me com a ideia de que comi muito.
- Obrigado, mãe. Estava uma delícia. – Agradeci.
- Da próxima vez, está aqui a horas.
Enquanto isso, ela colocou um banquinho junto do lava-loiças e eu deduzi que ia lavar a loiça como agradecimento pela refeição, arregacei as mangas e a mãe colocou a loiça na pia. Honestamente, não me apetecia lavar a loiça, mas teve de ser senão o castigo seria maior. Subi no banco e comecei por lavar os pratos e os talheres, o lado positivo é que a água não estava completamente gelada e as minhas mãos já estão frias por isso não noto o arrepio, no entanto, sinto-me muito aborrecido e um estúpido. Quando o pai cá está, ela faz tudo e não me obriga a fazer tarefas de mulher, por isso, acho estúpido eu como homem estar a fazer tarefas que são de mulher. Eu quando casar, será a minha mulher que vai ter de tratar da casa porque eu não tenho de cuidar disso.... Onde já se viu?! Um homem cuidar das tarefas de mulher...
Quando terminei, ela veio verificar se estava tudo correto enquanto eu ficava de lado em sentido, a pressão de ter algo mal é muito torturante porque ela é muito rígida e pode pôr-me de castigo novamente. Ela viu, confirmou, e tornou a ver e a espera de estar de pé começaram a dar-me dores no corpo, senti o corpo dormente da água fria e arrepiei-me, os olhos já estão pesados e cansados, mas mantive os olhos bem abertos. Finalmente, depois de inspecionar quase a casa inteira, disse friamente:
- Muito bem, podes ir para o quarto deitar-te.
Caminhei naturalmente, mas ia fazendo caretas nas costas porque sinceramente, sinto-me humilhado a fazer tarefas de meninas. A raiva de ser humilhado pulsa dentro de mim, queria poder esmurrar a parede e gritar de ódio, dizer de uma vez que não sou nenhuma menina para lavar a loiça e sair de casa como um homem, no entanto, não posso fazer nada sem o pai cá em casa. Nem no meu quarto tenho direito de ser homem, ela corta-me os pensamentos e incita-me uma raiva incontrolável no coração. Sinceramente, só queria que ela desaparecesse, se estivesse apenas com o pai, as coisas eram melhor e não era humilhado.
O pai só virá visitar-nos daqui a uns dias porque o congresso vai demorar tempo e ele precisa de ajudar na política, na esperança de um dia também ser candidato político e defender os direitos das pessoas. Infelizmente, ele passa mais tempo a viajar de um lado para o outro do que em casa connosco, por isso, a mãe assume-se como senhora e dona da casa, mas quem é o homem da família é o pai e se ele soubesse que ela me mete a lavar a loiça, ele não ia gostar. Contudo, se lhe contasse isso, ela ia dizer que sou mentiroso e apanhava tareia maior do que os castigos maldosos que ela dá, por isso, vale mais não dizer nada e aproveitar-me à grande quando ele cá está. Só queria que ele ficasse sempre, assim podia ser tratado como homem e ele punha-a na linha, porque é uma vergonha fazer tarefas de menina. Nenhum dos meus amigos faz isso! Isso é tarefas de mulher!
Deitei-me na cama e tentei adormecer depressa porque amanhã seria mais um dia para tentar apanhar o gato que come os meus ratos de estimação e mais um dia em que ela me iria obrigar a ajudar nas tarefas de casa. Suspiro e resmungo, mas a verdade é que isso não vai mudar o dia de amanhã, só se a ela desaparece de vez e aí acho que ia facilitar a minha vida e do pai. Afinal de contas, para que serve ter uma mulher se ela manda o filho homem fazer isso? Nem para esposa serve, porque supostamente, um homem arranja uma mulher para cuidar da casa enquanto ele ganha dinheiro para a casa, mas ela não é uma dona de casa e só mostra umas ideias estranhas de querer trabalhar. Uma mulher a trabalhar? Hum, sim claro... Ia levantar baldes de cimento?! Ou será que ia ser política?! AHAHAHA
Por vezes rio-me sozinho a imaginar uma mulher nas obras ou numa profissão de homens, e depois, percebo que é impossível e que eu estou a ser humilhado sem motivos. Por causa destas ideias idiotas, as pessoas andam a falar mal do pai e dizem que ele não sabe controlar a mulher dele e qualquer dia ela desaparece, e isso irrita-me porque a mãe não sabe comportar-se como uma mulher e só estraga a reputação do pai por causa desta idiotice que querer trabalhar. Pelo menos se ela fosse embora, acabava-se estes comentários e eu e o pai podíamos ser mais felizes. A minha futura mulher não vai trabalhar nem terá autorização para ter essa ideia idiota, ela tem de cuidar de mim e da casa e mais nada. Não quero passar a mesma vergonha de ter uma mulher com pensamentos de homem!
Talvez se rezasse com força as coisas mudassem, mas a verdade é que nada acontece há anos e estou cansada de pedir para que o pai regresse a casa e ponha a mãe no lugar dela, mas ele é bondoso demais e não faz nada. Ela sabe disso e aproveita-se, porque se ele ouvisse o que as pessoas falam na rua, ele não ia gostar, mas está tanto tempo fora da terra que quando cá está, nunca tem tempo para saber o que falam dele. Talvez um dia, ele finalmente saiba a verdade e quando souber, ela vai ver....
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O Amor e a Morte, vencem o mais forte (Edição Especial)
HorrorSaga Detalhes de Amor-Imperfeito Júlio nunca foi um menino fácil, já gostava de maltratar os outros desde pequeno, mas sempre teve o amor da sua mãe até ao dia que desaparece. A partir daí começa a ficar mais próximo da sua tia Sara que casa com o p...