Capítulo 15 (Cristina Mendes - 28 anos)

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Quando o Mateus nasceu, fiquei mais emotiva do que imaginei, não conhecia os sinais e as dores, por isso quando o momento aconteceu, fiquei bastante alarmada. Pensei que seria mais um momento de dor como há uns anos atrás, a coluna estava dorida do peso da minha barriga enorme, e as pernas estavam inchadas que me fazia confusão, mas o pior, eram as dores por baixo da barriga, parece que levei um murro na barriga e estava alguma coisa a comer-me por dentro. Fechei as mãos em punhos e tentei respirar fundo, isso parecia ajudar-me a descomprimir as dores temporariamente, contudo, a dor vinha e desaparecia e quando vinha outra vez, doía cada vez mais. Os ossos das ancas pareciam estar a ser partidos ou atropelados, as pontadas de dor arrancavam-me mais um grito e mais uma respiração profunda, o suor já escorre por mim abaixo, e sinto uma água debaixo das pernas, quase como se tivesse feito chichi pernas abaixo. Os lençóis da cama encharcados mudaram de aguadilha para um rosado ou vermelho, o molhado fazia-me ainda mais confusão do que a quebras de força que me davam, o desespero assombrou-me e tive de fazer algo que nunca pensei.... Tive de pedir ajuda e gritar para me socorrerem.

Arrastei-me para a borda da cama e sustive-me com as mãos na parede, enquanto as pernas cambaleavam e sentir-me tão fraca e com necessidade de ajuda fez-me ganhar garra e ir até à porta de pé, mesmo que as dores me estivessem a arrancar o coração, pontapear os estômago e deixar-me quase sem ar, como se estivesse sufocada. Estava completamente exausta, os pés cansados e descalços porque não consegui calçar-me, os vestidos estão tão justos que deixei de me vestir porque nada me favorece e pareço uma baleia inchada. Basicamente, perdi toda a minha beleza por causa de um puto que só me vai dar dores de cabeça e nem sequer vou subir na vida, pois, o Jorge é um inútil que nestes últimos 7 anos, nunca ambicionou nada nem cresceu para uma grande empresa.

Cheguei ao hospital bastante depressa, e as dores tornaram-se muito semelhantes às que senti há bastante tempo, na mesma altura que a minha mãe me ajudou no quarto, mas não me recordo de nada porque desmaiei e o quarto tornou-se vago e perdi a nora. Porém, agora, foi diferente, passei por monte de médicos e enfermeiros até entrar numa sala e me pedirem que ficasse de pernas abertas na maca. As dores eram tantas que só queria que a porcaria do cachopo nascesse e voltasse ao normal, os médicos gritavam que fizesse força e respirasse fundo, mas cada vez é mais difícil e parecia que me abriam toda, os ossos partiam-se em mil e rasgavam-me com uma faca como um naco de carne no talho.

Eu senti algo a soltar-se, como um ar que se perdeu ou um borrego que saiu de dentro de mim, senti um alívio gigante como se um monstro saísse do meu corpo. Depois disso, adormeci e nem ouvi mais nada, senti-me a morrer e passar para o outro lado, eles ainda trouxeram o miúdo para vê-lo, estava muito elétrico, movia os braços e os pés, mas só conseguia ouvir o choro aflito e irritante.

- "Tem um bebé lindo... um belo rapaz..." – comentou o médico.

Comecei as entre abrir os olhos e a senti-los pesados, depois foi um instante até apagar completamente e não ouvir mais nada, apenas sentir um paz... Quando acordei, ainda senti dores nas costas e ancas quando tentei puxar-me para cima e sentar-me, ele já tinha chegado e estava sentado no banco do canto à espera que acordasse. Pelo menos, só ele é que me iria ver assim fraca e horrível, mas também podia testemunhar o filho "dele", porque apesar de termos tido intimidade algumas vezes (máximo de 2x), não sei se é dele.... Vai depender do aspeto do miúdo, se for bonito, obviamente não é dele.... Ele pode não ser grande espingarda, mas serve como marido para cuidar da casa e do miúdo, eu não quero perder a minha figura para ficar uma enrugada, gorda e feia. Nasci bonita e dama, nasci para viver bem, por isso, ele que cuido do filho já que o desejava tanto...

Quando regressámos a casa, tive a noção do meu aspeto horrível, tinha perdido a minha cintura de passarinho muito elegante para dar lugar a umas ancas enormes, estava tão inchada que parecia um balão cheio demais e as olheiras escuras debaixo dos olhos deram-me um ar de velha acabada. Experimentei alguns dos meus melhores vestidos e muitos não passavam nem na cintura ou nem conseguia fechá-los, só me apetecia chorar de raiva e rasgar tudo. Por causa daquela maldita criança, estava gorda demais para vestir-me e parecia uma mulher velha e sem classe. A revolta preencheu-me e queria voltar a ser linda e elegante como antes, quando a minha cintura era admirada pela modista e a minha pele tão suave como um bebé, mas agora tudo isso se perdeu. O espelho mostra o reflexo de uma mulher sem iluminação, sem elegância, sem charme tal como a minha mãe que nunca quis saber de se tornar bonita, questionei-me sobre quem sou eu agora porque perdi a minha essência mais nobre e a minha beleza, mas isso iria custar caro a todos.

O asno do meu marido desdobrava-se em mimos para o miúdo, falava com ele como se o miúdo o entendesse e trazia-lhe o melhor para ele, desde o gel de banho, às papas e brinquedos. Preocupava-se mais com o miúdo que comigo, inclusive perguntava primeiro pelo miúdo do que sobre o meu dia, e isso deixava-me furiosa porque sentia-me ignorada como se fosse uma peça velha que não precisava de nada enquanto o miúdo era um quadro muitíssimo caro. Comecei a sentir-me esquecida e qualquer coisa que o miúdo fazia despertava uma raiva mortal dentro de mim porque sabia que ele se tinha tornado o centro das atenções, e eu era uma mulher qualquer de casa que não merecia nada. Apercebi-me que a minha vida se assemelhava à casa dos meus pais, e que provavelmente, a minha mãe sentia ciúmes da minha relação com o meu pai porque ele a punha de parte e ignorava-a.

Na frente dele, tentava mostrar afeto pelo miúdo, na tentativa de receber alguma atenção dele, mas nem assim, porque ele pegava imediatamente no miúdo e ficava com ele entretido. Eu nunca quis ser a mulher dele, mas também não queria ser dispensada nem ignorada, tinha um ódio ao miúdo por despertar a atenção dele só pela sua simples existência. Comecei a sair de cena e trancar-me no quarto, de qualquer forma não recebo atenção, por isso, não tinha de levar com as mariquices dele com o miúdo e assim, dou valor à única pessoa que me valoriza, eu própria. Mimava-me sozinha, saía de casa com a desculpa de ir à loja para deixar o miúdo com a vizinha e ia ao cabeleireiro, comprei maquilhagem e aproveitei para me exercitar e regressar ao meu venho corpo. Aos poucos, o Jorge deixou de perguntar por mim e eu estranhei porque queria ter a atenção dele, mas depois, percebi que ele não me merecia e nem me amava como dizia, por isso, deixei de me preocupar com a casa, já que ele não me valoriza também não precisa de mim.

Com muito esforço mesmo, deixei de ter o corpo abominável que fiquei por causa do cachopo, e consegui voltar a vestir os meus melhores vestidos de cetim e ceda. Senti-me gloriosa e poderosa, percebi que não valia a pena sentir-me uma mulher ser desprezada, porque se ele não dava valor, haverá outros homens que irão ficar surpresos com a minha beleza. Abusava no perfume, pintava o cabelo a cada duas semanas e percebia-me dos olhares e comentários, mas também não me incomodava porque as mulheres apenas tinham inveja e ciúmes de eu continuar elegante e bonita depois de ter um filho. Justificava-me com a velha premissa de estar bem para o meu marido, mas elas não eram cegas e evitavam comentar na minha frente porque sabiam que não tinham provas para me acusarem de traição, nunca chegava perto de um homem, apenas passava na rua e isso não é nenhum crime.

Continuei sempre a ir à mesma sapataria, mas nos últimos anos, o jovem estagiário tinha passado a parceiro da loja e conseguiu casar com um amiga da minha cunhada. Lembro-me dela na altura que ia brincar para casa do vizinho António, ela era muito rebelde e vinha brincar connosco porque os pais eram amigos de longa data da mulher do senhor António, mas nunca me dei bem com ela, considerava-a um rapaz por não seguir a educação feminina corretamente. Sentia vergonha de brincar com ela porque ela portava-se mal, mas de um momento para o outro, deixou de aparecer lá em casa do vizinho António e só voltei a vê-la no dia do casamento porque o Jorge nos apresentou. Nesse momento, fiz-me de esquecida e permaneci vaga nas respostas porque não queria (re)contactar com uma mulher sem classe como ela, contudo, depois disso, só voltei a vê-la quando veio visitar o cachopo a casa e foi uma visita de médico bastante rápida, justificou-se com o tempo ruim e o cansaço.

O Júlio casou com a amiga dela cerca de um ano depois, e mantiveram-se sozinhos até à pouco tempo quando nasceu uma filha dele, encontrei-a na saída do hospital, estava em pior estado que eu, comentava-se que tinha sido um parto muito difícil e que existia suspeitas de ele bater-lhe, mas ninguém sabia e se ele lhe batia, é porque ela comportava-se de forma errada. Ele tornou-se um homem mais amargo e retorcido, algumas mulheres queixava-se da sua arrogância e brutidade, mas eu compreendia isso como um sinal de estar infeliz com a mulher dele, provavelmente, ela nem o satisfaz e estar sempre a repreender os idiotas também se torna cansativo e chato. Notava-se nos olhos dele o cansado misturado com raiva de lidar exclusivamente com incompetentes, e essa sensação, eu entendia. 

O Amor e a Morte, vencem o mais forte (Edição Especial)Onde histórias criam vida. Descubra agora