Capítulo 6 (Cristina Mendes - 13 anos)

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Nos meses seguintes, fui várias vezes com o pai a casa do vizinho António e brincava com as filhas e amigas dele, foram dias muito divertidos e felizes porque podia brincar livremente com alguém da minha idade, e em contrapartida, em casa era considerada uma adulta e tinha de ser escrava das manias dela. Por isso, quando o pai me leva para a quinta, eu fico muito feliz e entusiasmada, e aos poucos, ela simplesmente deixou de perguntar e de querer saber o que íamos fazer ou onde íamos. Nesses dias, já sabia que ela não estava lá ou estava no quarto e não viria fazer comida para nós, por isso, aproveitava a brincadeira enquanto podia e quando chegássemos, sabia que ia ter de fazer jantar e que ela estava a ignorar-nos.

- Hoje vamos ao vizinho António, por isso, veste-te bem. – Disse o pai.

Automaticamente, terminei as minhas tarefas e fui me vestir com as melhores roupas para irmos para o vizinho António, senti aquele formigueiro de alegria, o nervosismo da ansiedade e vieram milhares de ideias de brincadeiras que podíamos ter no campo e no celeiro. Despachei-me o mais depressa possível e saímos, no caminho a alegria já está representada no sorriso aberto e no brilho dos olhos, o vestido vai esvoaçando com o vento e a barriga está cheia de borboletas saltitantes e é como se houvesse mil bolas saltitantes dentro de mim.

Quando chegámos, o senhor António tinha lá alguns amigos homens, uns da sua idade cerca de 30 anos e outros mais velhos, estavam todos no alpendre a beber um copo de vinho, rindo e a conversar uns com os outros, mas não encontrava nenhuma das meninas que costumam brincar comigo. Não sei se foi a aragem ou o instinto, mas senti um arrepio na coluna e um certo medo misturado com desconforto, um pouco como quando o pai me levou para escolher um futuro marido para mim e todos olhavam como se fosse um troféu.

- Experimenta procurar no celeiro, elas devem lá estar... – disse o pai.

- Irei procurá-las lá, pai.

Abri a porta e não estava ninguém, chamei-as suavemente e fui entrando, mas não havia sinal delas e o meu instinto estava em alerta como se estivesse a ser atacada, o medo começou a apoderar-se e as respiração tornou-se mais abafada. Olhei em volta, mas não se encontra viva alma, apenas os fardos de palha e as teias de aranha espalhadas pelos cantos, a cada passo era mais uma espreitadela na ânsia de ouvir a voz delas e de isto ser apenas uma brincadeira de mau gosto. As lágrimas teimavam em querer cair, o stress e o medo misturaram-se, entrei em pânico e senti-me cada vez mais pequena num lugar desconhecido, por isso sentei-me no chão, pus os braços à volta das pernas e balancei-me para tentar acalmar-me. Só me quero esconder...

Até que ouvi a voz do pai a se aproximar, ele viu-me enrolada e com medo no chão e parecia que me ia pegar no colo, fazer-me sentir melhor tal como sempre faz quando estou triste, o meu coração acalmou um pouco com essa ideia de conforto, no entanto, ele só veio na minha direção com muita raiva como se estivesse a fazer algo de errado e pegou-me pelo braço, obrigando-me a levar e ficar de pé ainda a chorar. Este estava muito chateado com alguma coisa, a força com ele me puxou para cima é muito dolorosa e marcou o meu braço, limpei as lágrimas, mas a raiva nos olhos do meu pai fazia-me sentir maldisposta e com medo. Não percebo o que fiz mal, apenas segui o seu conselho e vim ver se as encontrava, e senti-me sozinha e com medo, mas será que isso é errado?

- Levanta-te e porta-te decentemente, como uma mulher. Entendido? – disse o pai num tom sério.

Logo em seguida, veio os amigos do vizinho António que estavam lá no alpendre, eles traziam um colchão de palha e colocaram mesmo atrás de mim, como se fosse para me deitar nele. O vizinho António veio em último, trazia brutamente as filhas pelo cabelo, elas tinham as lágrimas escorrerem-lhes pela cara e a tristeza estava misturada com a dor, tinham as roupas muito bem vestidas, mas tremiam como varas verdes. Honestamente, senti pena delas, o meu coração sentiu-se solidário e quis abraçá-las, mas ao mesmo tempo, algo me dizia para ficar quieta porque o pai já está chateado com alguma coisa, imagino se me mexer sem a permissão dele. Fiquei muda e quieta a observar, o senhor António limitou-se a empurrar as filhas para junto de mim e elas cambalearam um pouco, mas meteram-se uma de cada lado. O medo cresce dentro do peito, a respiração começa a ser complicada e tenho formigueiros no corpo como se estivesse em pânico, toda a situação está a deixar-me desconfortável e medrosa. O que está a acontecer?

O Amor e a Morte, vencem o mais forte (Edição Especial)Onde histórias criam vida. Descubra agora