Capítulo 5 (Júlio Duarte - 9 anos)

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Já passou alguns meses que a mãe está desaparecida, sinceramente, tenho saudades dela porque ela cozinhava muito bem e fazia um arroz doce delicioso, daqueles que sentia o cheiro só da rua. No dia que ela desapareceu, eu vim para casa sozinho e fazia tanto vento que parecia que o diabo andava à solta, quando cheguei a casa, ninguém estava e estranhei, mas pensei que a mãe tinha ido às compras e estava de volta num instante. Mas... Ela não voltou o dia todo e quando começou a escurecer, fiquei com muito medo porque estava sozinho e não tinha ninguém para me proteger. Comi umas sandes de pão com queijo que ainda havia e também algumas frutas e depois esperei mais um bocadinho no sofá da sala, e acabei por adormecer lá até a tia Sara me encontrar.

A tia Sara é uns anos mais velha que eu, é a irmã mais nova da mãe e costuma vir visitar-nos, ela ficou surpreendida de me encontrar a dormir no sofá e sozinho em casa. Perguntou-me se estava bem e o que aconteceu, e imediatamente ligo ao pai a avisar que não havia sinal da mãe desde o dia anterior e que eu tinha ficado sozinho em casa. O pai mandou-nos chamar a polícia, e informar do desaparecimento dela, porque ainda a poderíamos encontrar viva em algum lugar e as pessoas juntaram-se para ajudar a procurar a mãe, mas foi em vão. Procurámos nos sítios preferidos dela, vimos se alguém a tinha visto, fomos saber se ela tinha viajado de transportes, mas não havia pista dela em lugar nenhum e o desaparecimento começou a suor uma fuga à família e as pessoas deixaram de procurar.

Gradualmente, as pessoas foram-se esquecendo e já nem falam no assunto, apenas veem um filho e um pai abandonados pela esposa e mãe, condenam-na por fugir da família e não compreendem como ela pode ter ido embora sem uma razão, deixando uma criança sozinha. Aos poucos, habituei-me a não ter a presença dela em casa e o cheiro dela despareceu no ar, as coisas dela foram empacotadas e as fotografias dela começaram a ganhar pó, demonstrando que o tempo passou. O pai retirou-se uns tempos da política e eu também não fui às aulas por um tempo, o pai considerava que deveríamos organizar-nos e fazer uma espécie de luto pela mãe, mesmo sabendo que ela não está morta, apenas desaparecida. Infelizmente, a esperança ainda é algo presente, ainda trememos de alegria quando ouvimos alguém bater na porta e por vezes, o cheiro de comida traz memórias dela.

Às vezes respiro fundo e penso que tudo isto é culpa minha porque se não tivesse desejado que ela fosse embora ou que pagasse por me colocar de castigo, talvez ela ainda aqui estivesse. A culpa é tão pesada e faz o coração apertado e dorido, como se levasse uma tareia, mas a alma ajuda na pressão mostrando que ela faz mais falta do que pensava e que sinto saudades dela. Ela fazia os melhores remédios de cenoura com açúcar para as constipações, e o melhor arroz com feijocas que me enchia a barriga, mas agora que ela não está, sinto falta disso e do cheiro a comida quente.

Não podia explicar o que sentia, mas doeu muito quando o pai pensou em vender a casa onde a mãe tinha estado connosco a última vez, era como perdê-la ou matá-la.... A mãe não tinha morrido e ainda podia voltar, mas o pai não está preocupado com isso, só pensa em livrar-se de tudo o que era dela, incluindo a casa onde fomos felizes, onde eu cresci, onde está o cheiro dela, onde está ela. Não é justo! Sinto-me triste e magoado, as lágrimas caem por dentro e por fora, sinto-me esmurrado por um lutador, não esperava que o pai tivesse coragem de vender a casa, a nossa casa. Quando ele disse isso, foi como se me arrancassem alguma coisa do corpo e chorei como se não houvesse amanhã, mas o meu sofrimento não alterou a ideia do pai e a casa foi vendida semanas depois de ser colocada à venda. Continuo sem entender como ele teve coragem e a mãe ficaria muito triste com esta atitude, mas eu não tenho voto na matéria e só me resta chorar.

Pouco depois, o pai retomou ao trabalho e eu fiquei na casa da avó durante uns tempos para ir para a escola e a tia Sara cuida de mim quando regresso da escola. A casa da avó é muito engraçada porque tem o mesmo aspeto da nossa antiga casa, a casa onde cresci, mas ainda sinto falta do cheiro da nossa casa, do calor da casa e não sei bem... A nossa casa era única e nada vai mudar isso. A avó não tem muita paciência para brincar nem para me ajudar com os trabalhos, mas dá-me um doce quando preciso e cuida de mim enquanto o pai está fora, tal como a mãe fazia. A avó é uma reprodução mais idosa da mãe, por isso, sinto-me um pouco à vontade e sinto falta da mãe, mas a avó ajuda a suportar as saudades que tenho dela porque ela também sente saudades. Ela não mostra, mas eu já a vi a acender uma vela em frente à fotografia da mãe e deixar cair algumas lágrimas, ela acredita que a mãe está viva e que ela vai voltar para casa, a esperança é sempre a última a morrer...

O Amor e a Morte, vencem o mais forte (Edição Especial)Onde histórias criam vida. Descubra agora