O casamento chegou e ela fez questão de anunciar aos quatro cantos que ia ter um bom marido e que me casaria hoje. Francamente, eu enjoava sempre que ela abria a boca para falar do meu suposto noivo, estava a condenar-me à mesma vida triste e miserável que ela sempre teve, mas infelizmente, o desgraçado não desistiu do casamento, apesar do intenso desprezo que recebeu. Queria sentir aquela alegria e interesse pelo meu vestido, o formigueiro de subir ao altar e todo esse turbilhão de sensações, mas a verdade é que não sinto nada, apenas nojo e vontade de sumir, o estômago esta apertado e revoltado de nojo, os ombros estão tão tensos que parece pedra e a minha cabeça está completamente serrada, quase é impossível esconder a raiva e o aborrecimento do casamento.
Pelo espelho, vejo a minha mãe toda gloriosa a conversar com as mulheres da família, como estivesse a orgulhar-se do seu "trabalho" junto de mim, ri-se como uma dama fingida, enquanto isso, eu só desprezo toda esta festa, a desilusão sobressai na minha cara pelo sorriso fechado, os olhos mortos e a respiração ruidosa como se implorasse para me darem atenção e percebessem o meu descontentamento, mas está tudo preocupado com a festa e com o que poderão ganhar com isto. Uma velha amiga da minha mãe terminou de me ajeitar o véu de renda que me tapa os cabelos e eu peguei o ramo de jacintos e cravos, levantei-me e tentei fazer um esgar de alegria, serrei os dentes num sorriso amarelo, fechei as mãos com força no ramo e respirei fundo. A raiva de quem fala mais do que sabe, de quem se fez de superior a mim, de quem desistiu de mim pulsa, vive e queima dentro de mim como um fogo insaciável e consumidor, por isso, ergui a cabeça no sorriso mais falso que poderia dar e fui em frente.
Entrei na igreja com a pressa de despachar este momento, mas na hora de aceitar o casamento, senti um arrepio gelado na coluna e a língua enrolou como se fosse vomitar a resposta, doem-me tanto as costas que só queria sentar-me por isso respondi que aceitava. Senti-me tão maldisposta quando respondi que sentar-me ajudou a esconder o desprezo, ele estava tão irritantemente feliz e parecia uma criança que recebeu o presente de natal mais desejado, por segundos pensei que poderíamos realmente dar-nos bem e gostar dele, mesmo sendo um totó sem ambição. Ele não é feio nem mal-educado, apenas não tem ambição de algo maior, mas eu tenho em dobro, por isso, talvez com algum incentivo ele se torne mais ambicioso. Irei dar-lhe outra chance de mudar e talvez ser o marido que desejei para mim, mas dará muito trabalho...Graças a Deus, a cerimónia foi rápida, sei de cor da mandamento e também sei que tenho alguns pecados, mas todos temos e eu farei o necessário para realizar os meus planos.
- Pode beijar a sua esposa. – disse o padre.
Nesse momento recuei primeiramente, acho que ainda não tinha tomado a bebida da realidade e achava que isto era ainda meia brincadeira, não tinha parado para pensar que depois do casamento, o noivo beija a noiva e eu sempre adiei isso até hoje, mas agora não posso adiar mais. Ele está a segurar-me as mãos e toda a gente da igreja está de pé a olhar porque pareceu mal a noiva recusar o beijo do próprio marido na frente de toda a família e sociedade, senti o peso da pressão e da vergonha percorrerem-me, os suores frios na testa e o nervosismo na respiração. Ele estava à espera que me recompusesse e as pessoas começaram com os burburinhos sobre mim, engoli em seco e estremeci antes de consentir e ele me beijar com muito cuidado. Foi um beijo muito desajeitado e tímido, um bocado como ele próprio, e pareceu demorar uma eternidade, parecia que a vida me tinha passado toda enquanto ele fazia uma força desgraçada contra os meus lábios para me dar um beijo envergonhado e fingir-se de forte.
Chegou-se a noite fatídica e menos desejada da minha vida, despedi-me da minha família mais "sentimentalmente" do que o costume, na tentativa de roubar tempo e ele perder a vontade de fazer alguma coisa. Sejamos sinceros, qual é o homem que não quer ter a sua noite de núpcias com a sua nova esposa? Pois, mas este homem não vai nem sentir o cheiro da minha pele, e muito menos, vai ter oportunidade de me tocar... Por enquanto, as despedidas alongaram-se com abracinhos ridículos, beijos na bochecha e umas palmadinhas nas costas, e alguns conselhos misturados de piadinhas de mau gosto. Só quero chegar a casa, e tomar um banho para tirar os toques que ele me deu... Nunca vou permitir que mais nenhum homem me toque, repugna-me isso e agora vou ter de encontrar forma de aguentar o meu marido inseguro e engravidar para manter a minha reputação de mulher incrível, boa mulher e uma mãe "incondicional".
Notava-se na sua expressão que ele sabia que não o desejava como as outras mulheres queriam os seus maridos, mas a verdade é que nada me interessa nele e mesmo que tentasse fingir, já é tarde demais e já somos casados, por isso, é sorrir e aguentar. Caminhamos para o carro todo decorado, fiz um esgar de ignorância porque irritava-me todos aqueles balões e latas no carro que oficializavam o casamento. Meteu-me nojo todo aquele aparato para irmos embora e o tilintar das latas no chão, toda a gente olhava e eu só me queria enfiar num buraco e esconder-me. O próprio som do carro estava a deixar-me irritada e enjoada, a cabeça bate como um tambor e a minha vontade é gritar que estou farta desta fantochada. Respirei fundo pela boca para tentar acalmar-me, mas o ódio pulsa teimoso e ele nem pergunta nada, limita-se a conduzir e ignora-me. Mas que espécie de marido ignora a sua esposa?! Que marido mais inútil que podia ter batido na minha porta...
Chegamos à hospedaria e levamos as malas para o quarto, eu com um vestido de noiva que me atrapalhava a andar e ele com o fato de casamento já todo desajustado. Tive de pontapear a frente do meu vestido para não tropeçar e cair, o vestido punha-se debaixo dos meus pés e quase caía, enquanto aquele inútil levava uma mala quase de rojo e nem olhava para trás para ver as minhas dificuldades. Que nevos! Pediu a chave do nosso quarto e fomos caminhando, a pisar o meu vestido e quase a cair, os meus nervos estavam a explodir na cabeça, só quero largar tudo e gritar que estou farta, mas calei-me para não passar vergonha. Os nervos fervilham e cada vez mais, é insuportável a sensação de aborrecimento, só quero esmurrar alguma coisa e deitar todo o ódio que está acumulado.... Simplesmente, é impossível esconder mais o que sinto.
Larguei as malas na entrada e observei o quarto rapidamente, bastante simples com o básico, mas com casa de banho dentro do quarto. A cama de casal e sem espaço para ele dormir no chão, tornou ainda mais difícil a noite e percebi que teríamos de dormir juntos. Senti um arrepio misturado de nojo e contive-me, mas a verdade é que estou tão exausta de fingimento e do dia que não me chateia ter de dormir com ele, acho que se ele me tocasse, nem sentiria nada. Ele foi à casa de banho e eu aproveitei para despir o vestido da desgraça, vesti rapidamente a camisa de dormir e deitei-me. Ele demorou bastante, por isso, tive tempo de me debater com o vestido e conseguir despir-me sozinha, apesar das dificuldades.
Ele nem olhou para mim nem fez um som, limitou-se a sentar na borda da cama e despiu-se de costas para mim. Senti um ambiente pesado e estranho entre nós, eu sei que não queria que me tocasse, mas não esperava que ficasse um ambiente tão frio e insensível. Senti uma pontada de desejo de virar-me e vê-lo, mas não o fiz porque iria dar sinal de querer algo que não me apetece, por isso, engoli a vontade e tentei acalmar. Virei a cabeça para almofada e apaguei a luz, mas ficou um silêncio constrangedor, daqueles que até podíamos agarrar o desconforto. Senti a pressão a diminuir-me como quando era pequena, o estomago apertado e uma vontade de me enrolar como uma bolinha, mas tentei fechar os olhos e envolver-me no cansaço do corpo, no calor dos lençóis e pensar no futuro melhor do que esta frieza, abandono e silêncio.
O frio fez-me despertar, arrepiei-me e tremia de frio, enquanto ele continuava voltado para o outro lado a dormir, tive vontade me encostar para me aquecer um pouco mais, mas já estou tão acostumada com o frio que preferia ficar como estou. Assim não dou esperanças idiotas nem tenho contacto com ele, só estou casada com ele para mantermos a boa aparência das famílias, mas nunca pensei que teria tão pouca sorte. O ronco dele é audível a quilómetros, entrava na minha cabeça e deixou-me doida, mas tentei tapar os ouvidos para dormir mais um bocado. Parece um trator, faz eco no quarto e acaba com o meu sono, tive de me levantar e vestir um roupão para tentar dormir no sofá pequeno do canto da sala. Onde é que vim parar?! Parece um porco a dormir!
Olhei para ele com raiva de nem acordar para me tentar aquecer, tinha o cabelo emaranhado sobre a almofada e a boca fechado num sorriso sério, dava-lhe um ar bastante fofo, como um menino pequeno. Fiquei a admirá-lo, apesar de ressonar tão alto, tinha uma estrutura bastante forte, os braços fortes e a barba tornava-o mais másculo do que realmente é. Quase me senti tentada a tocar-lhe no corpo, sentir-lhe o cheiro e não sei... talvez... apaixonar-me. Senti um ligeiro calor no peito provocado pelos pensamentos calorosos, mas não me deixei envolver nesses sonhos porque apesar dele mostrar um ar muito másculo, é muito inseguro e inexperiente, o que me deixa bastante irritada. Como pode ser um homem tão forte e engraçadito, e ser tão desastrado e inseguro? Parece uma piada...
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O Amor e a Morte, vencem o mais forte (Edição Especial)
HorrorSaga Detalhes de Amor-Imperfeito Júlio nunca foi um menino fácil, já gostava de maltratar os outros desde pequeno, mas sempre teve o amor da sua mãe até ao dia que desaparece. A partir daí começa a ficar mais próximo da sua tia Sara que casa com o p...