Capitulo 17.

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Havia algo novo naquele sonho, um tipo diferente de terror. As imagens nunca eram completas, os cenários eram todos escuros e distorcidos, em suma ocultados por uma névoa fria e densa. Mas a sensação era a pior possível, como se todos os seus medos viessem à tona e se juntassem formando um monstro de pesadelos. Ela não conseguia escapar daquele mundo, sua pele estava tão fria que se mover era uma tarefa quase impossível, as lágrimas silenciosas que desciam por suas bochechas eram como lâminas.
Haviam risadas macabras rondando-a enquanto ela estava no centro de algo, um tipo de símbolo que naquele momento não reconhecia. Ao olhar para baixo pôde perceber que era um enorme círculo com vários triângulos e mais círculos um sobre o outro, era possível perceber runas, mas a imagem estava embaçada demais para notar qualquer outro detalhe.
O cenário havia mudado para um lugar completamente escuro e vazio, onde apenas ela e aquele símbolo permaneciam, uma luz caia sobre ambos, destacando-os naquele breu.
— Onde... estou? — Sua voz ressoou naquele vazio, prolongando-se como se ela estivesse na beira de um penhasco.
Claramente a princesa não obteve nenhuma resposta.
O símbolo não desapareceu, sequer deu indícios de que desapareceria a qualquer momento. Estava estável, firme em sua decisão de mantê-la confusa.
Haviam diferentes tipos de magia no mundo, algumas pessoas precisavam de símbolos para conjurar a magia, outros simplesmente possuíam a magia em sua essência — conhecida como Magia Pura— desde a nascença e sequer precisavam de runas e qualquer coisa parecida. Ela tinha um ótimo exemplo disso, Merlin jamais precisou de runas ou símbolos para executar feitiços. Muitos diziam que Merlin era um híbrido mágico, o que queria dizer que havia nascido com o dom da magia pura e com Poder. Poder era algo mais difícil de explicar, era um tipo de mistura de magia com a habilidade de manipular e gerar livremente energia natural, ou seja, haviam coisas que ele fazia sem usar uma única gota de magia.
Humanos com magia pura, e até mesmo qualquer tipo de ser mágico eram raros, poucos ao longo da história foram relatados com esse dom.
No entanto, o fato de alguém usar símbolos para poder utilizar magia não tornava o ser menos poderoso, e ver aquilo no chão, a mantendo presa e tremendo de frio a deixava aterrorizada e ao mesmo tempo irada.
— Mas que porr...
Uma risada ecoou, baixa, sombria. Os sentidos de Faith entraram em alerta imediatamente.
— Tão doce. — a voz soava como um predador brincando com a presa. — Tão bonita. Será você a pessoa de quem ela me falou?
Uma mulher, com o rosto ocultado por sombras, saiu da escuridão e entrou na luz, mas não adentrou o círculo. Seus cabelos eram tão negros quanto noite e a pele levemente bronzeada, como se tivesse passado tempo demais exposta ao sol. Sua voz agora era como veludo, mas não menos intimidadora.
No entanto, o pavor que Faith sentia não vinha dela, da ameaça que ela provavelmente representava. Ela não conseguia identificar exatamente de onde vinha aquela sensação.
— Posso sentir o cheiro dele em você, tão forte como se ele ainda estivesse vivo.
Mesmo sem poder ver, ela sabia que a figura feminina sorria. O vestido preto não parecia ser feito de tecido, mas de algum tipo de névoa negra e ondulava onde a mulher passava, deixando um pequeno rastro.
— O Rei... jamais me esqueceria. Como você pode cheirar a ele? — Uma risada curta e ainda mais baixa que a primeira vez ressoou novamente.
Faith não tinha ideia do que aquela criatura — com certeza não uma humana.— falava. Ela tentou mover a boca para dizer algo, retrucar, mas estava tão paralisada quanto o resto do corpo.
— Hm? — Ela virou o rosto para a escuridão, como se ouvisse algo que a princesa não conseguia. A imagem de seu rosto ainda oculto voltou-se para ela, os cabelos negros moviam-se com a ajuda de algum vento fantasma.
— Ora... então minhas suspeitas não estavam completamente erradas. Há um sangue tão rico quanto o dele em suas veias. Criança... seria sábio se manter fora do meu radar, mas... — a figura tremeluziu, contorceu-se e abafou um grito com as mãos.
Ela estava sendo... reprimida?

Em instantes, a mulher avançou para dentro do círculo e lhe agarrou o pescoço, apertando com uma força que não deveria ser normal.
O ar agora escapava de seus pulmões, sendo roubados pela névoa no rosto daquela mulher.
— Faith? — Disse uma voz, não muito distante.
Ela não conseguia falar, não podia se mover e estava agonizando. Iria morrer.
— Faith?
A voz a chamou de novo, mais forte dessa vez.
— Não se intrometa, Mago! — A mulher gritou, olhando para trás enquanto ainda segurava a princesa pelo pescoço. Mas a voz... era diferente, ainda feminina, ainda intimidadora, porém não era a mesma. — O farei em pedaços!
Naquele momento, o círculo sobre Faith se desfez em pó brilhante e roxo, a mulher agora recuava, murmurando palavras incompreensíveis.
Faith não estava mais com medo, não estava mais presa e incapaz. Ela deixou aquela magia recém descoberta explodir contra aquela criatura, deixou que o fogo, agora prateado, avançasse e dilacerasse a mulher. Antes que seu fogo a atingisse, a princesa se encontrou olhando para o rosto de Merlin.
— Que bom, cheguei a tempo.
Toda aquela sensação de terror havia ido embora, mas a marca que deixou não, ela não esqueceria aquilo tão cedo.
— Merlin... o-o que aconteceu? — Faith percebeu que seu rosto estava frio, seu corpo parecia sem forças e as mãos do mago a seguravam pelos braços, quentes e firmes. Era como um lembrete de que aquilo fora um sonho, apenas mais um pesadelo.
— Você estava presa na Cela de Pesadelos, um feitiço antigo que só pode ser lançado por um deus, ou, por alguém igualmente forte. Ele te aprisiona em um mundo de ilusões ao mesmo tempo que o infunde com a realidade desejada por quem o controla, assim é possível confundir quem está preso no círculo, deixando-o com a sensação de que não consegue se mover. — Uma pequena pausa. — É como eles costumam investigar quem eles querem sem deixar vestígios, roubando suas memórias. Era o que estavam fazendo com você, mas não descobriram nada essencial.
Faith não sabia como responder, ou o que pensar direito sobre aquilo.
  — Sei disso porque sou um dos poucos que conseguem subjugar esse feitiço, e o conheço muito bem para conseguir saber até mesmo quanto de informação alguém conseguiu. — Merlin já havia a soltado e agora encarava as próprias mãos, com um suspiro, ele continuou. — Mas não tive tempo de rastrea-los.
— Aquela mulher... ela não era...
— Humana?

Herdeiros das Cinzas (PAUSADO e em REESCRITA)Onde histórias criam vida. Descubra agora