Capítulo 11.

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Os campos a frente de Camelot que outrora foram tão belos e floridos estavam negros, a grama estava seca e totalmente sem vida, tal como as flores, as árvores e cadáveres de animais mortos se espalhavam por toda extensão de terra a sua frente.
A vida havia sido extinguida, roubada.
Ela olha para trás e vê seu reino em ruínas.
O cheiro de podridão invade suas narinas narinas, lhe causando náusea. Uma risada debochada ecoou por todo o ambiente, como se viesse de todos os lados.
Das ruínas de seu reino, monstros de todos os tipos surgiam por trás dos escombros, acompanhados de demônios e fúrias.
Seus olhos olhavam ela, famintos, mas não atacavam, ainda. Alguns babavam e cheiravam o ar.
A princesa novamente desvia sua atenção, olhando para os lados e se vê sozinha. Completamente sozinha.
Com um gesto simples e rápido, Faith saca sua espada e ergue o queixo, andando na direção dos escombros de seu lar, caminha na direção do fedor dos corpos de seu povo se decompondo. Seus pés pisam em poças de sangue e lama, e então se aproxima do monstro mais próximo. Ela não sabia o que ele era, mas apenas aquela criatura horrenda apenas a farejou e a deixou passar, embora seus dentes batessem perto de seu rosto quando passasse. Os monstros seguintes também a deixaram passar, o motivo é que ela não sabia.
A princesa desviava de corpos inteiros, de corpos despedaçados, de braços e pernas que ela jamais saberia identificar de quem eram.
E assim foi o caminho todo até chegar no que um dia fora a sua casa, seu  castelo.
Havia muros de corpos, de rostos com as bocas escancaradas em seus últimos gritos de agonia.
Quando chegou até o pátio, o massacre se fez ainda mais real. Não haviam pilhas de corpos, mas haviam estacas. Tantas que ela não conseguia contar.
Elas estavam bem alinhadas, com cabeças em suas pontas. Formavam um símbolo, do qual desconhecia.
Mas quando seus olhos encontraram a primeira fileira de estacas, quando observaram atentamente os rostos ali...O mundo sob seus pés se desfez em desespero. Seu corpo inteiro tremeu, a espada caiu no chão e ela caiu de joelhos, aos prantos.
Joseph estava naquela estava, os olhos vítreos e esbranquiçados. O rosto cheio de hematomas.
O peito ardia, o seu coração não sabia mais se deveria ou não bater.
Na estaca à direita estava Ban, o Rei feérico. E seguindo a direita estava Nesryn, em seguida Asterin e Gavriel, e rostos que ela não reconhecia, mas as orelhas pontudas entregavam sua ascendência.
À esquerda estava Hayden.
Os cabelos tão negros quanto penas de corvos estavam opacos. Os olhos de safira estavam presos nela, encarando. Mas estavam cegos. Não podiam vê-la.
Em seu rosto não havia nenhuma expressão, a não ser aquela típica cara de deboche. Mas mesmo sem vida, seu olhar parecia triste.
Aquela imagem acabou com ela, com o que lhe restava dentro do peito.
E ver Maya e Jason ao lado de Hayden só piorou a situação.
Faith se curvou para frente e cobriu o rosto com as mãos e gritou, berrou de dor, de desespero.
Algo agarrou suas pernas. Mãos. Eram mãos que a seguravam.
Chutou-as e se afastou, se arrastando pelo chão. Quando ergueu os olhos, os cadáveres de seu povo se aproximavam dela, com o que parecia raiva nos olhos.
Faith se ergueu, ficando de pé e implorando a qualquer tipo de entidade que a ajudasse. Mas eles não a ouviram. Por que ouviriam?
As mãos haviam sumido nesse meio tempo, mas surgiram do chão novamente, agarrando seus pés e sua armadura, agarrando suas mãos.
E aos seus amigos mortos, eles apareceram de novo. Já não estavam mais nas estacas, mas se aproximavam com um corte em horizontal no pescoço. Joseph, Maya, Jason. Todos eles. E abrindo caminho entre eles, estava Hayden, os olhos lacrimejados. Atrás dele, segurando a espada que estava fincada em seu peito, uma mulher cujo rosto estava obscuro, cujas feições estavam ocultas e ela não conseguia ver.
— Hayden...— Faith não sabia o por que, mas o nome dele foi o primeiro a sair de sua boca. E quanto mais ela os via ali, mais ela chorava, mais seu peito dóia.— Tio Joseph...
A mulher parou de caminhar, e então Hayden virou cinzas cujo vento levou para longe. Os mortos que andavam, caíram de uma única vez. Mas as mãos continuaram a segurando, agarrando cada vez mais forte. Nem todo aquele poder dentro dela conseguia soltá-las.
A mulher pegou a sua espada no chão e a analisou, soltou uma risadinha baixa e assustadora. Seus pés se moveram em sua direção, a lâmina de sua espada brilhando, como uma promessa de que a princesa morreria.
Mas Faith se recusou a fechar os olhos. A única coisa que viu nos segundos seguintes foi a lâmina se erguendo, rápida como uma víbora e se movendo na direção de seu rosto enquanto olhos totalmente negros a encaravam.
Faith acordou com um pulo, passando as mãos pelo pescoço desesperadamente, as levando até o rosto, onde vê que está molhado, que se molhava cada vez mais.
O coração acelerado e a respiração ofegante.
A porta do seu quarto se abre de uma vez, revelando Hayden indo rapidamente até ela, com o que parecia preocupação no rosto. Coisa que ela não entendia, mas ignorou.
— O que aconteceu?
Ela olhou para ele e respirou fundo várias vezes enquanto o encarava, olha para suas mãos que não param de tremer. E sentia as lágrimas que não paravam de cair.
— Eu... — a princesa franze o cenho, se lembrando do sonho.— tive um sonho ruim. Só isso.
Limpa as lágrimas e tenta controlar a sensação de horror que ainda se abriga em seu peito.
Não fora um sonho. Fora um pesadelo.
— O que aconteceu no sonho?
— Por que você se importa?
Hayden ergueu uma sobrancelha e deu um sorrisinho de lado abaixando a cabeça. Seus cabelos estavam bagunçados e algumas mechas caiam na frente de sua testa, dando a ele um charme diferente, despreocupado. Ela não queria, mas admitiu a si mesma que ele é o homem mais lindo que já viu em toda a vida. Jason era bonito, Gavriel era lindo em um nível etéreo. Mas Hayden...
— Temos que trabalhar juntos agora, então eu tenho que fingir que me importo e tentar ter uma relação sociável e não agressiva com você. Essa é minha forma de tentar. — ele ergueu levemente o olhar, mantendo a cabeça ainda um pouco abaixada.
— Eu não sou do tipo que compartilha minhas coisas com um estranho.
— Estou realmente tentando ajudar. Eu sou honesto nisso.
— Você acabou de dizer que estava fingindo. É um mentiroso.
— Pelo menos sou honesto em admitir que estou fingindo. Eles querem que resolvamos nossas intrigas particulares, mas não precisamos fazer isso de verdade. — seu rosto se ergueu completamente dessa vez, ele se sentou na beira da cama e passou as mãos sobre as mechas negras, as deixando menos bagunçadas.— Fingiremos ter resolvido essa intriga, vamos dizer que agora nós nos gostamos, e trabalharemos muito bem juntos até eu conseguir matar aquela desgraçada e você ainda mantém seu reino e seu povo a salvo. É um trato vantajoso, não acha?
— É até suspeito. Duvido que você vai cumprir sua promessa.
— Não é uma promessa. Eu não faço promessas que não vou cumprir. É um acordo, e como príncipe, eu cumpro meus acordos.
Faith ficou o encarando em silêncio  enquanto processava a proposta em sua cabeça, separando os prós e os contras, típicas vantagens e desvantagens que vem nos acordos.
O príncipe suspirou e entrelaçou os dedos das mãos uns nos outros e as apoiou em uma das pernas.
— Eu não gosto de você. Você se acha a dona da verdade e isso é irritante. Você não gosta de mim, não sei por que, eu sou incrível. Mas, é óbvio que esse sentimento desagradável é mútuo entre nós. Quer sinceridade princesinha? Aqui está.
Ela continuou o encarando.
— Eu não sei bem com o que sonhei.— assim que ela começou, a expressão de Hayden se suavizou. — mas todos que eu conheço estavam mortos. Meu povo, meu reino em ruínas, cercado de monstros e demônios. No pátio do castelo, haviam estacas.
Ela contou a ele o restante de seu sonho, inclusive as partes em que ele estava lá, o que aconteceu com ele.
Hayden ficou em silêncio por um tempo.
O príncipe fez um gesto para que ela lhe desse mais espaço na cama.
Faith lhe concedeu esse espaço, mas ficou com expressão de dúvida no rosto.
— Vou dormir aqui com você hoje.
Ela arregalou os olhos.
Não!
— Sim.
— Não.
Ele apenas a olhou, com um olhar totalmente neutro.
— Hayden, eu não divido minha cama.
— Sorte sua que eu sim.— Disse ele se deitando na cama logo em seguida.
Ela pensou em protestar. Mas ele não ouviria. Era teimoso como uma mula, de nada adiantaria gastar saliva com ele agora.
— Espero que não conte isso a ninguém.— foi tudo o que ela disse e se deitou também, de costas para ele.
Hayden soltou uma risadinha baixa.
— Não se preocupe. Não vou estragar sua imagem de boa moça.
Ela ficou em silêncio. Hayden fez o mesmo.
E assim ficaram por um bom tempo. Diferente do que a princesa esperava, o silêncio era confortável, não constrangedor.
Ela nunca fora do tipo que se relacionava ou deixava homens chegarem muito perto de si. Romanticamente falando.
Se apaixonar envolvia expor seus sentimentos, e expô-los significa mostrar as fraquezas.
Ela não estava pronta para isso. Nunca esteve, e não acredita que um dia estará.
Mas Hayden podia passar de inimigo para amigo, se o destino assim quisesse.
— Não precisava vir aqui por algo tão simples.
Hayden abriu os olhos e respirou devagar.
— Não é simples.
Ela olhou para ele por cima do ombro.
— Pesadelos não são simples, senhorita Pendragon. Penso neles como um mundo inacessível, onde se pode ver mas não se pode agir de fato. Pesadelos são o terror que guardamos com nós mesmos, terror que achamos ter esquecido ou então que achamos ter superado, e quando eles nos vêm na memória durante o sono, ficamos muitas vezes estáticos. Outras vezes nossa mente se encontra cansada e cria coisas que não existem.— a voz dele parecia diferente agora, não havia deboche ou ironia. Apenas sinceridade e talvez, se ela estivesse analisando corretamente, havia um tom de verdade naquilo. Não uma verdade que se encaixaria a outros, mas uma verdade própria, algo que ele tinha como verdade.— É algo que mexe conosco e apesar de não nos ferir fisicamente, pode nos destruir mentalmente.
— De onde veio tudo isso?
Ela sorriu levemente.
— Eu não passava o tempo todo atrás de peitos e bundas se é o que pensa. — uma risadinha baixa.— Tive um bom tutor, apenas. Não só de forma estudiosa, mas espiritual também. Porém, ele se foi há bastante tempo, eu devia ter uns dez anos.
— Eu também tive um bom tutor. Mas ao mesmo tempo ele também é meu tio e Rei.
— Três em um. Inteligente, mas parece ser cansativo.
— Também acho que seja. Não sei como ele suportou.
— Há pessoas que vem com um dom de cuidar de várias coisas ao mesmo tempo. Quero dizer, ser Rei e ainda ter tempo suficiente para ser um bom tio e um bom tutor...— assim que ela se virou totalmente para ele, pôde ver um leve sorriso em seus lábios.— Cara, não é para qualquer um.
— Sabe, você não é tão irritante quando quer.
Ele ergue uma sobrancelha e coloca as mãos atrás da cabeça.
— E você chega a ser suportável quando não está toda estressadinha.
Ela riu.
O som de sua risada fez Hayden sorrir um pouco mais e olhar para ela, o sorriso diminuindo gradativamente. Mas o semblante calmo e suave permaneceu.
— Durma. Estarei aqui caso tenha outro pesadelo.
— Não vai tentar me matar enquanto eu durmo, não é?
Ele a encarou e lhe ofereceu um sorrisinho travesso.
— Eu jamais mataria uma guerreira do seu nível enquanto dorme, afinal, eu não posso lutar com um cadáver.
Ela deu de ombros. Não por desdém, mas porque viu sentido no que ele disse.
Ela também o achava um guerreiro incrível. A luta que tiveram antes foi a prova disso.
— Onde aprendeu a lutar daquele jeito? — ela não se aguentou e perguntou. A forma como ele lutava lembrava muito o estilo dos Assassinos de Tintagel.
— Talvez algum outro dia.
— Ah, qual é!
— Não posso sair revelando meus segredos assim, acaba com todo o mistério.
Outra risada. Essa foi um pouco mais alta, e ele jurou ser verdadeira.
O sorriso dela era bonito. Seus olhos se fechavam levemente e ganhavam um tipo de brilho que ela normalmente não tinha.
Era como se aquele rosto que está sempre tão sério simplesmente se tornasse outro.
— Vá dormir.
— Está bem, está bem. Boa noite. E não roube minha coberta durante o sono.
— Não posso garantir isso.
Ela fechou os olhos e não de incomodou em virar para o outro lado e ficar de costas para ele.
Hayden também não se incomodou em mudar de posição.
Invés disso, se permitiu olhar para os traços daquela princesa, que desde a primeira vez que a viu a achou tão lindo quanto o alvorecer. A mais bela que já vira.
Até mesmo dormindo, ela era linda.
A vendo assim, tão vulnerável e indefesa, uma estranha sensação acariciou o peito de Hayden.
Ele a descartou imediatamente e fechou os olhos.
Então afastou de sua mente a imagem da garota de olhos raros e seu sorriso encantador, deixando que o sono lhe reivindicasse.

***

— Tem certeza de que não precisa de mais nada, Majestade?— Disse Lousy, uma das empregadas do castelo.
Joseph havia a encarregado de cuidar dos preparativos da viagem dele até Tintagel. Seria uma viagem longa e cansativa. Cerca de 10 guardas iriam com ele, em escolta.
— Sim, Lousy. Não se preocupe, ficarei bem. E o reino também.
Ele apontou para Merlin com a cabeça. O mago, como sempre, aparecera do nada dizendo que já havia feito o que precisava, facilitado o trabalho em partes.
Merlin não entrou em mais detalhes do que isso, o que já era mais que esperado. O mago sempre agia daquela forma, contava as coisas pela metade, ou então, contava só a primeira camada da história e deixava que as pessoas descobrissem sozinhas o resto.
Por mais que gostasse do mago, essa parte dele o incomodava muito.
Certa época, Joseph chegou a desconfiar que o mago era apenas um cara manipulando tudo, e todos, com aquele jeito de velho sábio, que, em aparência, não devia ter mais de quarenta anos.
Merlin jamais falou sua idade, de onde veio, e em quais lugares já esteve.
Ninguém nunca soube nada sobre ele, absolutamente nada. Sequer sabiam se Merlin era realmente seu nome.
Até hoje, tudo que sabiam sobre ele era o ele mesmo dizia. Muitas vezes, não passavam de metáforas.
O mago era o tipo de cara que aparecia e ajudava, dava uma dica aqui e outra ali, e só. Fim de conversa.
Mas, pelas histórias registradas nos livros de história de Camelot, o Mago já lutou muitas batalhas importantes, embora nenhuma delas tivesse sido da grandeza que fora com os Feéricos e Arthur. Principalmente os Feéricos.
E agora, mais uma ameaça de grande escala surgiu.
Porém, apesar de sua origem e história serem completamente desconhecidas, o mago tinha feitos suficientes para que o rei confiasse o reino em suas mãos.
— Que os deuses olhem por você, Majestade.— Disse Merlin, com o mesmo semblante neutro de sempre e os braços cruzados.
— Não sei se eles se importam, mas obrigado, Merlin. Espero que não tenha dificuldades.
Joseph subiu em seu cavalo, ajeitou as rédeas e a capa que pendia de seus ombros, tapando uma parte considerável da lombar do animal.
Seus guardas já estavam em formação, armados até os dentes. Todos ali possuíam magia.
Joseph preferiu que dez de seus inúmeros cavaleiros sagrados o acompanhassem.
O rei não levava sua coroa, não precisaria dela. O lorde Gorlois sabia muito bem quem ele era.
Tintagel fica ao norte da Cornualha, na costa.
Era um lugar simplesmente magnífico. A arquitetura do castelo era quase tão bela e luxuosa quanto ao do castelo na capital.
Quando a viajem começou, Joseph respirou fundo o ar limpo, fora daquelas paredes e se sentiu feliz por sair um pouco da rotina.
Seus cavaleiros pareciam sentir o mesmo.
Ele esperava que essa viajem valesse a pena.

Herdeiros das Cinzas (PAUSADO e em REESCRITA)Onde histórias criam vida. Descubra agora