Depois de esfolar 5 coelhos para fazerem luvas, Nox deixou que o príncipe descontasse a raiva na caça.
Havia cerca de trinta minutos desde que ele saira em busca de um cervo, o que naquela época do ano, com o inverno castigando a todos, não era uma tarefa fácil.
No inverno, nada era fácil.
Nox sabia que o príncipe herdeiro se condenava arduamente pela queda do reino, pela morte da mulher pela qual estava se apaixonando. Que amava, na verdade, embora não admitisse.
O príncipe começou a se esconder atrás da arrogância e do humor negro para abafar a dor que apertava seu peito.
O capitão não sabia mais o que dizer ou fazer para ajudar Hayden, para tirá-lo daquele poço de luto que ele mesmo se jogara.
Algo fez os pelos da nuca do capitão se arrepiarem, não era o frio, mas não era um arrepio ruim. Quando ele se levantou, viu ao longe uma capa vermelha e longos fios de cabelo dourado.
A princesa do dia anterior voltara para a floresta. Mas, o que exatamente ela fazia ali, Nox não tinha certeza. Talvez estivesse caçando como eles, e talvez não.
— Ela é burra ou apenas inconsequente?— disse ele para si mesmo.
No momento seguinte ela já havia desaparecido entre as árvores e a neve, com a capa acinzentada lhe camuflando no ambiente.
Hayden logo atrás.
O capitão sabia que era ele pelo tom azulado da capa. Mas o príncipe não carregava nenhuma arma visível.
Na noite anterior ele dissera que queria conversar com a garota, pois suspeitava que ela era igual a ele.
Mas que tipo de conversa teriam, Nox não queria saber.
Em questão de segundos, Hayden também sumiu entre as árvores.
Que os deuses os ajudem.***
A princesa só podia ser uma tola para voltar a floresta. Principalmente depois do encontro na noite anterior.
Mas Hayden se considerou com sorte. Não teria que entrar em Camelot para falar com ela.
Um cordeiro pronto para o abate.
Ela estava sempre olhando para os lados, como se para garantir que ninguém a seguia.
Os pequenos passos na neve eram ágeis para alguém da realeza, não hesitavam contra o chão afofado e frio mesmo sob as botas.
A capa acinzentava era perfeita para aquele clima, para camuflar.
Mas ele perguntaria a ela o que ela era, e descobriria o que ele mesmo era.
Jamais, em toda sua vida, vira alguém parecido com ele.
Havia muitos possuidores de magia, sim, mas nenhum com habilidades tão excepcionais quanto as dele. Ou daquela princesa.
No dia anterior, ele havia pensado em captura-lá e força-la a falar. Mas uma parte ainda civilizada de si mesmo disse para guardar isso àqueles monstros que tomaram sua cidade. Sua parte vingativa dizia para armazenar a raiva e descarregar sobre quem lhe roubou tudo e fazê-la sofrer. Devagar, e de um modo nada limpo.
Hayden se posicionou atrás de uma árvore e ficou a observando.
A princesa, linda além da razão, ele não podia negar, estava de frente a uma árvore enorme e antiga e mágica. Aquela era a única árvore cujo inverno não castigara. As folhas continuavam verdes e intocadas pela neve, todo o troco e a copa da planta pareciam ter um brilho próprio. Linda, imponente. Não havia outras palavras para descrever aquela árvore.
Hayden começou a sair de trás de sua própria árvore para caminhar até ela, mas alguém o puxou com força e tapou sua boca. Não importava o que ele fazia ao se debater, sequer sentia mais o calor humano que lhe puxou.
Era como se mãos fantasmas o segurassem. Então ele virou o rosto para a silhueta ao seu lado e franziu a testa.
Um homem alto na casa dos quarenta anos, cabelos levemente grisalhos e barba por fazer. Os olhos azuis-esverdeados eram severos e sábios, e estavam cheios de repreendimento.
Em seguida, um clarão forte os alcançou, o cegando momentaneamente.
— Eu não iria atrás dela dessa forma, príncipe de Oryoth.
Disse o homem por fim, a voz rouca porém jovem e ao mesmo tempo antiga, sábia. A voz de alguém que já passara por coisas inimagináveis.
A amarra invisível em sua boca desapareceu, e apenas ela.
— Quem é você?
— Merlin.
— Pois bem, Merlin. A forma como vou atrás de alguém não lhe diz respeito. — disse ele, o temperamento tomando o controle.— É melhor me soltar se não quiser morrer.
— Morrer congelado não está em meus planos, Hayden.— quando o mago disse seu nome, Hayden teve de se controlar para não estremecer.— e não se incomode em tentar, também sei criar gelo. E outras coisinhas mais.
Gelo? Do que é que ele está falando?
— O que...
— Ah, você não sabe.— ao perceber a confusão de anos olhos de Hayden, um esboço de sorriso apareceu no rosto do homem.— Eu vim ajudar.
O velho, cuja capa vermelho ondulava levemente atrás dele graças a um vento fantasma, pareceu ver as duvidas nos olhos do príncipe mais uma vez. O que ele era?
— Sei o que, e quem atacou sua cidade. E acredite, sua raiva não é nem de perto o suficiente para derrota-la.
— Como sabe quem eu sou?
— Sou um mago, rapaz. Os jovens de hoje não leem mais lendas?— O homem, Merlin, cruzou os braços.— Pensei que mesmo nos tempos atuais reconheceriam meu nome.
O silêncio do príncipe pareceu ser o suficiente para o mago.
— Aquela árvore é sagrada, rapaz. — Aquelas mãos invisíveis moveram Hayden na direção onde aquela luz estivera, poucos minutos atrás. A princesa havia sumido.— E só entram nela quem ela permite. Você não entraria furtivamente atrás da Herdeira.
— Como se eu acreditasse em uma única palavra do que diz.
— Três semanas foram suficientes para que sua arrogância aumentasse?— O mago disse com tranquilidade.
— Três semanas com meu reino nas garras daquela desgraçada. Três semanas sobrevivendo na floresta. É, foi suficiente para eu ficar possesso de raiva.
— Como eu disse,— o tom do mago não se alterava, sempre tranquilo e inabalável.— sua raiva não será suficiente.
— Vai me soltar, ou não, velho?— Hayden disse entredentes, os olhos mudando para o vermelho.
— Olhos vermelhos e cara de raiva não me assustam, criança. — o homem apenas cruzou os braços e começou a caminhar levemente na direção da Árvore.— Você ficará aqui. Eu volto já.
Antes que ele pudesse fazer qualquer coisa, o clarão invadiu seus olhos novamente e o mago já não estava mais lá. Porém a magia que o segurava sim, sem estremecer um centímetro sequer.
Para um mero humano com algumas poucas habilidades sobre-humanas, ele preferiu apenas esperar. Embora seu sangue fervesse e seu temperamento rugisse para quebrar o pescoço daquele velho idiota.
Fulminando-o com o olhar, Hayden observou o mago caminhar até a árvore e se ajoelhar diante dela.
Mesmo de longe, ele conseguia ouvir o mago falar com a planta em uma língua desconhecida para ele. Com toda certeza era uma língua antiga.
O velho-não-tão-velho colocou a mão no tronco na árvore e a mesma brilhou ainda mais em resposta.
Um vento caloroso o atingiu afastando o vento impiedosamente frio, e em seguida, o brilho foi aumentando.
Dessa vez Hayden cobriu os olhos, e mesmo assim a luz ainda atingiu seus olhos, mesmo que de forma fraca.
Quando seus olhos se ajustaram, o mago já não estava mais lá.
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Herdeiros das Cinzas (PAUSADO e em REESCRITA)
FantasiaEm terras longínquas, à oeste de Camelot, um jovem príncipe vê seu reino ruir e seu povo morrer das piores formas possíveis. Seu treino de uma vida toda não foi suficiente para salvar seu lar. Em Camelot, a princesa, Faith, nasceu com um dom raro...