Capítulo 12.

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Haviam se passado alguns dias desde que chegaram em Avalon.
O dia amanheceu nublado e mais frio que o normal. Dentro daquele mundo, daquele reino escondido, as estações não surtiam efeito.
Lá, a própria ilha controlava o tempo. Como aquilo tudo funcionava? Não estava no alcance do conhecimento mortal.
Avalon é tão velha quanto os primórdios, tentar descobrir como a ilha funciona é o mesmo que tentar chegar ao centro da terra.
Aquele era um bom dia para que a princesa se aventurasse sozinha, que tivesse um tempo para por a cabeça no lugar.
Mesmo depois daquela noite, quando Hayden lhe fez companhia, o pesadelo continua a assombrando. O mesmo pesadelo, sempre as mesmas imagens e acontecimentos.
Mas ela sempre acordava atordoada, porém, não gritava mais.
Suas mãos ainda tremiam e seu coração parecia pular do peito.
Ela precisava de um tempo para si. Precisava ficar sozinha, longe de qualquer pessoa.
Precisava pensar.
Então, Faith uma calça de couro, uma blusa branca de tecido leve, uma jaqueta também de couro e botas que iam até metade de sua panturrilha, colocou a capa vermelha e saiu pela frente do castelo.
— Faith!
A voz de Asterin ressoou em seus ouvidos assim que a mesma se aproximou e começou a caminhar ao lado da princesa.
— Bom dia, Asterin. — Faith ofereceu a ela um sorriso gentil.
— Onde vai tão cedo? Não tem treino com o Gavriel hoje?
— Tenho, mas ainda não está na hora. Resolvi tirar um tempinho para caminhar antes de começar.
— Sabe, todos andam falando de vocês dois.
A princesa franziu o cenho.
— O que andam falando?
— Dizem que estão juntos, que são como almas gêmeas e coisas patéticas do tipo.
— Isso é estupido. Não estamos juntos, e alma gêmea não existe.
Disse Faith, com descrença e cinismo.
— Não. De fato...
O sorriso de Asterin não era bem do tipo que concordava, mas do tipo que escondia algo.
— Olha, você é uma garota legal. Inteligente e esperta, um pouco estressada, mas, bem, não vem ao caso. Quer um conselho de amiga?
Faith fez sinal positivo com a cabeça.
A princesa não fazia ideia de onde Asterin queria chegar com aquele assunto.
— Deixe seu coração te guiar, ele sabe o caminho que isso,— ela colocou um dedo na própria cabeça.— não sabe.
— Não estou entendendo onde quer chegar, Asterin.
A Feérica sorriu.
— Você pensa demais. Você, e o Hayden. São pessoas sentimentais que deixam a razão ter 100% do controle de suas ações. Equilibre os dois. Deixe seu coração falar um pouco.
— Ele já está falando. Não vim atras de vocês por que a razão mandou, ou por que eu ficaria com peso na consciência se meu povo morresse. Eu os amo, vim aqui por que meu coração me guiou até aqui.
— Esse foi apenas o primeiro passo, flor. — Ela piscou e se virou para retornar ao que quer que estava fazendo.— Sabe, existe algo que nós, feéricos, conseguimos sentir. Vocês não conseguem. Eu cheguei com esse assunto por que sei que não estou errada, e você sim, sobre uma coisa.
— Poderia ter sido direta então, ao invés de fazer rodeios.
A capitã olhou por cima dos ombros e sorriu. Faith pode jurar que os olhos da mesma tinham várias cores, como um arco-íris.
— E qual seria a graça se eu contasse?
Um tipo de névoa engoliu a feérica, que desapareceu.
— As vezes esse povo me deixa confusa.— Sussurrou para si mesma e voltou a caminhar.
Fora um encontro estranho, inesperado. Mas, algumas partes estavam fazendo com que a princesa refletisse durante o caminho.
Ela ficou tão perdida em seus pensamentos que sequer viu para onde estava indo, e quando olhou com mais atenção ao redor pôde perceber que estava em uma floresta fechada da ilha, densa e fria.
Ela estava perdida, provavelmente.
A princesa xingou a si mesma e se recostou em uma árvore.
A floresta não era assustadora, pelo contrário. Pássaros passavam voando por entre as árvores. Coelhos pulavam de um lado para o outro e alguns cervos passavam correndo.
Uma voz ecoou por toda floresta, calma e suave, tão melódica que parecia ser mágica.
Faith, a voz sussurrou.
A princesa franziu as sobrancelhas e olhou para os lados.
Não havia ninguém ali.
Faith.
A voz a chamou de novo, mais clara dessa vez. Era uma voz feminina.
Faith.
Faith.
Faith.
A princesa estava confusa, a delicadeza da voz estava em todo canto. Não sabia para que direção olhar.
— Que coisa mais estranha...— comentou consigo mesma.— Tem alguém aqui?!— gritou ela, mas apenas o vento correspondeu enquanto arrastava as folhas.
Os pássaros continuavam seu canto normalmente, como se não houvesse uma voz misteriosa por ali.
Faith.
Chamou a voz mais uma vez, porém, agora já não estava espalhada por toda floresta, mas focada em uma única direção.
Faith seguiu a voz, curiosa para saber o que era.
Sua espada já estava em sua destra, empunhada e pronta para atacar caso precisasse.
Ela continuou seguindo até chegar a um lago.
Mas, ora, aquele lago não era normal. Com toda certeza não era.
A água se movia na superfície graças ao vento, mas as cores que ali estavam fizeram com que Faith ficasse admirada.
Jamais vira algo como aquilo.
A água mudava de cor, alternando entre prata e ouro. Se misturava e separava e tornava a ficar com um tom de azul esverdeado. Então, o mesmo processo acontecia.
Ela se aproximou da beira e viu peixes nadando tranquilamente. Eles também tinham cores diferentes. Azul, roxo, amarelo, verde. Até alguns com escamas coloridas ela pode observar.
A superfície brilhava tanto que parecia ter estrelas jogadas ali.
Era tão lindo.
A princesa se sentiu tão confortável ali, observando os peixes e aquele lago incrível.
Sua mão livre avançou até a água, ansiosa para tocá-lo.
Mas algo morno agarrou seu braço com certa firmeza.
Isso a tirou do transe e sua mão recuou.
Ela foi puxada para cima como se fosse uma um saco de feno.
Ela se virou de uma vez, levando a espada até onde poderia estar o rosto da pessoa que a puxou, mas sua espada só encontrou uma parede sólida e invisível.
Mas aquele rosto etéreo, os olhos como ônix e os cabelos pretos ela reconheceu imediatamente e sorriu de forma meiga.
— O que está fazendo aqui, garota?— Lugh perguntou.
O soldado mau humorado de quando ela chegou em Elyra.
— Passeando. É proibido?
  Ela ergueu uma sobrancelha.
  Ele suspirou e soltou o braço dela.
— Esse lago é sagrado, menina. Não deveria estar aqui.
— E você deveria?
  Ela passou por ele e começou a andar.
— Não tente acertar esse palito de dente em mim de novo.
Ela sorriu e até pensou em retrucar, mas, naquele momento, não estava afim de irritar séculos de treino.
Ele era um homem bonito, muito bonito. Lindo, na verdade. Ela já havia reparado naquilo antes.
Mas ele não precisava saber.
A enorme maioria dos homens em Elyra eram impossivelmente lindos. Parecia até que a imortalidade os proporcionava isso também.
As mulheres também tinham beleza sem igual, ela se sentia um patinho feio no meio delas.
Avalon ainda tinha tanto para oferecer, tanto que ela ainda não viu e talvez sequer veria.
Haviam criaturas mágicas espalhadas, unicórnios, pégasos, duendes e fadas, e outros mais que ela não sabia nomear. E até agora, ela não vira muitos deles.
Talvez aquela voz fosse uma sereia a chamando para a morte, ou não.
Ela nunca vira uma sereia de verdade, e, de acordo com a variedade de contos e lendas sobre as mulheres metade peixe, a princesa não sabia se o que pensava era verdade.
Ainda havia tanto que ela não conhecia.
Tudo o que um dia esteve fora da proteção de Avalon se foi. Aquelas criaturas mágicas também viviam fora da ilha, ela sabia disso.
Havia apenas um lugar fora dali que ela já ouvira falar. Um lugar que abrigava criaturas enormes e poderosas, difíceis de conquistar a confiança.
E eles tinham algo em comum com ela; Fogo.
Um dia, ela visitaria aquele lugar.

Herdeiros das Cinzas (PAUSADO e em REESCRITA)Onde histórias criam vida. Descubra agora