Prólogo

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Sem conseguir dormir e com pensamentos lhe atordoando a mente, a pequena garotinha de cabelos loiro-mel saiu a passos silenciosos na direção da cozinha, onde há algumas noites descobrirá que os funcionários se reuniam para contar histórias sobre antigas lendas e mitos há muito tempo esquecidos.
Os corredores do castelo estavam vazios e silenciosos, exceto pelo vento forte da noite de inverno que entrava pelas brechas das janelas e balançavam levemente as cortinas azuis com entalhes em dourado.
Com os pés descalços, a pequenina podia sentir o frio dos pisos de pedra polidos e evitava deixar que o corpo encolhesse a cada passo. Deveria ter calçado as pantufas.
Enrola em uma de suas pequenas cobertas, ela sobrou a esquina do corredor indo pela direita, em direção a cozinha e as vozes abafadas que de lá vinham.
Com o castelo adormecido e com a lua no meio do céu, iluminando a neve branca e gélida que ocupava todo o espaço de casas e terras e vegetações, aquela era uma ótima noite para se ouvir e contar histórias, para distrair-se um pouco das funções.
Ela também queria se distrair.
Um pequeno filete de luz manchava o chão de piso escuro, a porta da cozinha estava entreaberta e era possível sentir, mesmo do lado de fora, a atenção das pessoas presentes no cômodo.
Uma única voz podia ser ouvida, grave e velha, mas gentil e esperta.
A voz era do cozinheiro chefe, sem duvidas.
A menina abriu a porta levemente, e entrou de fininho. Ninguém prestou atenção nela, estavam concentrados demais nas palavras do velho grisalho e bonito. Ela se sentou em um canto onde não pudessem vê-la, mas falhou miseravelmente.
— Vejo que temos companhia.— Disse o velho bonito.
Ele não era velho, não o suficiente para ficar corcunda e reclamar de dores nas costas. 
Ele deveria ter a idade de seu pai, caso seu pai ainda estivesse vivo. A menina chutou que o cozinheiro chefe deveria ter cerca de 40 anos, a julgar pela aparência e corpo ainda forte e saudável.
— Venha cá, não há graça alguma em ouvir histórias no canto da cozinha.
O sorriso do homem era gentil, ele já havia pegado um banquinho e ela caminhou até lá, enquanto todos olhavam para ela com olhares doces e gentis. Ela gostava deles.
  — Pronta para ouvir a melhor história de amor e ação jamais escrita em livros?
Os olhos castanho-mel do homem alegaram-se intensamente ao olhar para os olhos da menina, eram de um azul-safira vibrante, que ao redor da pupila eram coroados de dourado.
Nenhum deles jamais havia visto aquela combinação de cores antes, e nenhum deles sabiam de onde vinham. Sabiam que não eram de seus pais, nem de seus parentes mais próximos. Mesmo aqueles que já se foram, — cujos dados permaneciam nos livros sobre a família— não haviam tido aqueles olhos.
A pequenina assentiu diante da pergunta do homem com animação e curiosidade. Os olhinhos raros e misteriosos se concentraram nele com uma curiosidade e observação aguçada.
— Há muito tempo atrás, dizem que houve um jovem Rei abençoado pelos deuses, era justo e honesto, teimoso e destemido, mas era inteligente e gentil com aqueles que mereciam. — sua voz reverberou na ampla cozinha, algumas lavadeiras e ajudantes de cozinha estavam sentados e prestando atenção e seus olhos revelavam a curiosidade sobre a história que o chefe de cozinha nunca havia contato.— Mas, quando era jovem, seus pais foram assassinados pelo tio, cujo nome era Vortigein. Tomado pela inveja, o tio queria o trono para si e ninguém ficaria no caminho dele.
— O que aconteceu com o principezinho?
Perguntou a menina, os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos segurando o rosto em um tipo de concha.
— Um poderoso mago o ajudou a fugir, o levando para uma vila afastada do reino, onde o garotinho seria criado. — uma pequena pausa.— o que o jovem príncipe de cabelos dourados e olhos cor de safira não sabia é que quando crescesse se tornaria aquele a tirar a espada sagrada da pedra, a Excalibur.
Os olhinhos brilhavam diante da história, e sequer havia um resquício de sono.
Garotinha esperta, pensou ele.
Quando terminou a história, a menina finalmente abriu a boca de sono. Não havia se passado pouco mais de uma hora ao contar aquela história.
Todos saíram de fininho da cozinha, o cozinheiro chefe pegou-a no colo e se dirigiu até a porta um minuto depois que todos haviam ido, ele esperara a garotinha dormir.
Havia coisas na lenda que ele não havia citado, soaria como coincidência e algo impossível.
Mas... aquela garotinha...
Seus pensamentos foram afastados assim que abriu a porta e deu de cara com o Rei regente.
— Desta vez ela fugiu para seu canto de histórias.
Os olhos verde-grama do jovem rapaz a sua frente eram gentis e alegres, apesar de ainda haver resquícios do luto pairando ali.
— É, parece que ela gosta de lendas antigas.
— E de perambular no castelo durante a noite, nem mesmo durante a madrugada consigo fazê-la ficar quieta.
Uma risada sincera saiu dos lábios de ambos e o cozinheiro entregou a menina para o jovem de cabelos loiro escuro.
Ele ainda tinha 23 anos, era forte e o melhor esgrimista do reino. Responsável e leal, não era muito de demonstrar sentimentos apesar do frequente sorriso em seu rosto e dos olhos alegres. Não, aquele rapaz poderia se tornar uma máquina de matar se quisesse, e se tornaria caso conseguisse achar quem fez tanto mal a criança de apenas 8 anos em seu colo.
— Boa noite, Joseph.— disse o cozinheiro antes de tomar caminho para seu próprio quarto.
— Boa noite.
Com a pequenina apaga em seu colo, ele foi até o quarto dela e a pôs na cama com delicadeza, depositando um beijo suave na testa da garotinha e sussurrou, não se importando se os deuses se irritariam.
— Boa noite, meu pedacinho de fé.

Herdeiros das Cinzas (PAUSADO e em REESCRITA)Onde histórias criam vida. Descubra agora