Capítulo 15

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 A noite já havia caído, trazendo consigo todos os demônios que os humanos carregam consigo. A densa floresta ganhava um ar sombrio e perigoso quando a lua aparecia no céu. Poucos eram os loucos que andavam naquele lugar sozinhos. Mas os que o faziam tinham um motivo nada nobre. Do alto de uma árvore, uma figura encapuzada se esgueirava pelas sombras que a escuridão proporcionava, evitando qualquer contato com a luz lunar.

 Os atentos olhos verde-esmeralda observavam a entrada secreta logo abaixo da grande estátua de algum deus esquecido.
 Havia uma pequena fila para adentrar o local.
 Era ali que a figura encapuzada deveria estar. Fora contratada para aquele serviço e era a pessoa perfeita para adentrar o local sem suspeitas.

 Abaixo daquela estátua, seguindo a escada estava a Rinha de Ecalgarth, um nobre nas ruas de Edimburgo, um criminoso fissurado em lutas violentas durante a noite.
 Mas é claro que Ecalgarth não era o nome real do fundador, não... um homem rico como ele não deixaria uma ponta solta daquelas.
 Mas nada escapava aos olhos da figura na árvore.

 Talvez, entrar ali fosse a parte mais fácil, sair é que seria difícil.
 No entanto, antes de ir até ali, o sujeito que observava havia traçado planos suficiente para sair dali com o menor número possível de ferimentos, e, se desse sorte, sem nenhum arranhão.
 Mas sorte não era necessário. Não precisava daquilo.
 — Entrem logo bando de idiotas! A ronda da guarda começa em cinco minutos.
 Dizia um homem à fila que agora tinha apenas quatro homens e uma mulher, — provavelmente alguma prostituta já acostumada ao local, sabia que ganharia dinheiro ali em qualquer canto enquanto a luta de seu cliente não começasse.— e agora, o sujeito de capuz.
 Ali não era necessário desfazer de sua vestimenta, nem sequer mostrar o rosto para que pudesse entrar.
 Qualquer um que quisesse lutar era bem vindo. Normalmente aquele era o último lugar que visitavam, já que poucos saiam vivos dali.
 Mas não para aquela figura.
 — Vejamos quantos de vocês sairão daqui hoje. — disse aquele mesmo homem, um sorriso cruel no rosto.
 Mas ninguém lhe deu importância.
 Os olhos verdes encararam a escada em espiral, mofada, assim como o cheiro do lugar conforme descia as escadas.
 Cerca de 15 metros abaixo da terra, talvez mais. Aquela era uma informação que ficara faltando com exatidão, só lhe restava suposições.
Mas aquilo não seria um problema.
 As luzes das inúmeras velas clarearam sua visão, trazendo consigo as diversas pessoas que estavam ali.
 Espaços cercados por pedaços de madeira e cordas separavam os ringues da multidão, homens apostando dinheiro ao redor deles, corpos praticamente deformados sendo retirados daqueles círculos, prostitutas satisfazendo seus clientes em cantos não tão escuros, sem vergonha de quem poderia, ou não ver.
 Em uma parte de seu lado direito havia uma entrada, que dava para algum tipo de corredor de quartos, onde os clientes mais refinados preferiam ter seu momento de prazer longe dos olhares curiosos e pervertidos.
 — Veio até aqui para lutar, ou distribuir prazer aos pervertidos? — disse um homem de meia idade, se aproximando. — Se não quer mostrar o rosto, é por que veio lutar e tem vergonha de mostrar algo. Nenhum de nós aqui tem vergonha. — ele soltou uma risada rouca e bebeu algo de seu cantil.

 O cheiro de álcool inundou as narinas do sujeito.
 — Talvez eu tenha vindo para lutar, quem é que sabe? — o encapuzado ergueu apenas o suficiente a cabeça para que metade de seu rosto fosse revelado.
 Sua voz e seu rosto renderam ao homem um engolir seco e tão olhos arregalados que saltariam das órbitas caso não estivessem tão bem presas.
 Ele não seria tolo de revelar quem estava abaixo daquele capuz.
 — Mas você...
 — Eu não diria meu nome, se fosse você. — olhos verdes e frios o encararam como se olhasse para a próxima presa. E foi assim que o homem se sentiu, pelo suor lhe escorrendo a testa. Uma presa encurralada pelo maior predador de Edimburgo. — Quer um conselho, velho? — o sujeito se aproximou do ouvido do homem. — saia daqui enquanto pode, e não dê nem um pio ou sinal de que estou aqui, ou vai morrer antes de sequer conseguir terminar de mijar.
 A figura se endireitou e olhou para a pequena mancha escura que se formou na calça do homem.
 Ele acenou positivamente com a cabeça inúmeras vezes e saiu de lá com a melhor expressão neutra que conseguiu invocar, disfarçando que a mancha na calça era um pequeno acidente causado pelo seu cantil.
 Covarde.

 Mas pelo menos sabia que não tinha chance melhor que sair e ficar de bico fechado.
 Agora, o plano entraria em prática, finalmente.
 Ainda com a cabeça baixa, a figura encontrou o corredor certo em poucos passos. Fingiu estar cambaleante pela bebida e garantiu a atenção dos guardas.

—Ei! — aproximou-se um deles, com uma espada média em uma das mãos. O outro permanecia na porta de madeira, montando guarda. — Não pode entrar aqui sem permissão! 

Ele se aproximou mais e de repente parou.

 — Edgar? — Chamou o outro guarda, desconfiado. A figura soltou uma risada baixa enquanto a cabeça do primeiro caia no chão, as artérias esguichando sangue nas paredes. O outro guarda não teve tempo de reagir ou gritar. 

— Edgar, Frank? — chamou a uma por de trás da porta. Risadinhas femininas podiam ser ouvidas. — Um minuto, meninas, e já terminamos o que começou. 

A porta se escancarou, e o nobre arregalou os olhos diante do rosto que lhe fora revelado.

 — Você. — disse ele, entre-dentes. Mas o medo em sua expressão, em cada músculo do corpo era mais que evidente.

 — Feliz em me ver, Robert Dhamo? — seu sorriso era cruel, as órbitas esmeraldas se viraram na direção das duas prostitutas que estavam grudadas uma na outra, os olhos também arregalados. No entanto, elas não faziam parte do contrato, mas seriam um problema se continuassem vivas. — Sinto muito, garotas.

 — Vadia! — esbravejou Robert, tirando outro sorriso da figura revelada a ele.

  A mercenária empunhou as lâminas gêmeas, dando a eles a chance de apenas ver um vulto de seus curtos cabelos vermelho-vinho e o brilho de esmeraldas.

Herdeiros das Cinzas (PAUSADO e em REESCRITA)Onde histórias criam vida. Descubra agora