Capítulo 9.

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Fazia muito tempo que a realeza feérica vira magias tão grandiosas e únicas. A aura que aqueles dois humanos exalavam era incomparavelmente exuberante, etéreas e antigas como os primórdios. Intocadas. Puras.
Ban só conhecia duas linhagens tão poderosas, e ver seus descendentes ali... O rei jamais pensou que viveria para ver essas linhagens se encontrarem e ascenderem com tal poder novamente. Aqueles dois eram imensuravelmente belos, carregavam dentro de si poderes capazes de destruir continentes inteiros.
Quando os poderes deles irradiaram, a terra tremeu como testemunha, e cantou em louvor diante de seus protetores.
Os campos estéreis do continente ganharam vida, clamando pelo poder que recém despertou.
Milagre. Os poderes deles é um milagre.
— E lá está. — disse Merlin, com os olhos brilhando com um tipo de admiração e diversão que o rei sabia também estar estampando no rosto.
Mas tinha um problema.
Os dois eram esquentadinhos. Ele é debochado, ela é séria na maior parte do tempo.
— O que... — a voz de Nesryn soou baixa ao lado de seu marido e parceiro enquanto ela olhava a magia de Hayden e Faith dançarem e se envolverem.
O fogo de Faith sobrepujava o vento invernal de Hyden, e então, o contrário acontecia.
Eram tão poderosos que podiam se tornar perigosos se não soubessem se controlar. Aparentemente, eles tinham muito trabalho pela frente.
— Basta.
  A voz de Merlin reverberou na sala, e com um simples e suave gesto de mão, a magia de ambos os herdeiros se apagou como cinzas espalhadas ao vento.
— Esquentadinha. — Hayden a provocou mais uma vez.
Faith o ignorou dessa vez e se sentou na cadeira onde estava. Seu olhar foi até Merlin.
— Não irei discutir, já aceitei o fato de que tenho que trabalhar com ele, por mais que isso me deixe altamente irritada e insatisfeita. Mas, se ele me irritar mais uma vez, não irei precisar de meus poderes para degola-lo.
— Estou morrendo de medo da princesa, por favor, — disse ele, lançando ao mago um olhar cínico e zombeteiro. — não quero trabalhar com alguém tão cruel.
— Controle-se, rapaz. Acho que já tivemos discussões demais por hoje, e já vimos o bastante do show de vocês também. — disse o rei, ainda apoiado em sua mesa e com os braços cruzados. Sua esposa, pelo contrário, parecia se divertir com a situação, ou, no mínimo plenamente interessada.
— Estamos aqui para ensinar vocês a se controlarem e é o que faremos. — a voz do mago era firme, e não havia nenhuma brecha para discussões. — Estejam no pátio antes do amanhecer, tenho mais algumas pessoas para trazer para cá.
E em um piscar de olhos, ele já não estava mais lá, não deixando sequer um único rastro de que estivera ali.
No segundo seguinte a porta se abriu, revelando um homem que parecia familiar para Faith.
Ao observa-lo bem, percebeu que realmente era alguém familiar.
Ela o havia visto mais cedo nas ruas de Elyra, não poderia o confundir, ela duvidava que mais alguém tivesse os mesmos olhos verde-esmeralda alegres e avaliativos como ele.
Antes de entrar completamente no cômodo, o jovem guerreiro passou as mãos pelos cabelos castanhos que se estendiam ate a metade de seu pescoço, enquanto a outra mão se apoiou no peito e seu corpo se curvou suavemente para frente, fazendo uma leve reverencia, porém completamente respeitosa.
— Perdão por entrar sem avisar, mas trago noticias Dela.
O homem não evitou olhar para a princesa, mas dessa vez não sorriu, apenas fez um leve aceno com a cabeça.
— Gavriel, bem vindo de volta. — Ban retribuiu a ele a reverencia, um sinal de respeito mutuo, apesar da inegável diferença de posto e autoridade. Eram amigos. — Diga o que aconteceu.
Gavriel hesitou.
— Não se preocupe, pode dizer na frente deles.
— Ela saiu da Caverna, e não há mais sinal algum dela, ou vestígios.
— Ela irá aparecer em breve, não se preocupe. O que mais tem a dizer?
O guerreiro trocou o peso do corpo o passando para a outra perna e cruzou os braços, deixando de lado a postura formal de quando entrou.
— Aquela de nome proibido, está de volta.
— Sabemos disso, infelizmente. — disse Nesryn, e apontou logo em seguida para a princesa de Camelot e o rapaz que Merlin trouxe, também um príncipe, mas de onde ela não sabia. — Ela nos encontrou, e ele, bem, Merlin o trouxe, disse que será útil. Apesar da perceptível natureza desse garoto em arranjar confusões, acredito no mago.
— Umas boas aulas comigo e ele entrará na linha rapidinho. — Gavriel sorriu na direção do príncipe, que sorriu de volta em desafio.
Ban também sorriu, mas sua esposa apenas encarava os três com uma expressão seria, reprovativa. O rei recolheu o sorriso, assim como Gavriel, mas Hayden apenas revirou os olhos antes de encarar as próprias mãos.
Tão desrespeitoso, pensou a princesa.
— Continue, Ironblod. — ordenou a rainha, não mais dando espaço para risinhos e provocações fúteis. Faith gostava dela.
— Bem, aparentemente ela está fraca, ainda sofrendo os efeitos do selo. — ele fez uma pequena pausa. — Mas não há como saber do paradeiro dela, ou do que sequer ela fará.
— Ela irá atrás dele. E atrás de nós, é claro. Ela é a deusa da morte, será um prazer para ela nos matar, já que Ele morreu.
— Ele quem? — Faith perguntou, e não se incomodou em aguardar a permissão para se pronunciar naquela sala. Eles haviam dito que a noticia poderia ser dada na frente dela e de Hayden, então ela poderia fazer perguntas e participar do dialogo.
— Gilgamesh, o antigo rei sumério que nos ajudou a prende-la. — Merlin se pronunciou do canto do cômodo.
Pelos deuses, este homem sempre aparece do nada?
— Ela sempre teve um certo... bem, ela sempre achou que o amava, e quando ele a rejeitou, ela ficou possessa. Imagine, deuses sendo rejeitados por um humano, eles, com todo seu ego infinito, jamais aceitariam que isso saísse impune. — mais uma pausa. — Então, ela decidiu mata-lo de forma lenta, fazê-lo sofrer. A rainha da escuridão começou tirando dele a sua família, mas aquilo não era suficiente. Ela não queria as lagrimas de um luto, ela queria o desespero dele, toda a dor que viria se ele perdesse aquilo que mais amava.
Faith permaneceu o encarando enquanto, prestando atenção em na historia.
— Gilgamesh era um homem de imenso poder, jamais alguém vira um mortal carregar tamanha magia dentro de si. Com isso, ele era considerado um semideus pelo seu povo, e de fato ele era. Jamais amou mais alguém além de si mesmo, se considerava o único homem que tinha direito de governar. Era de uma grande beleza, conquistava as mulheres com muita facilidade.
— Riqueza e beleza, ele não precisava de mais nada para ter uma mulher para aquecer sua cama.
A voz de Hayden saiu com tamanha diversão que Faith não conseguiu não olhar para aquele idiota repulsivo.
— Você é um babaca, sabia disso?
Ele apenas deu de ombros, e encontrou o olhar de Merlin, cheio de reprovação.
— Gilgamesh amava uma mulher, uma guerreira de alto calão, capitã de seu exercito, e sua rainha. E foi ela que a senhora das trevas deixou por ultimo para morrer, lenta e dolorosamente. E ai sim, ela teve o que quis; o desespero do rei, a dor infinita. Mas ela não contava com a raiva que viria depois, alimentando o poder dele ainda mais, o tornando mais perigoso.
— Ele nos achou, no mesmo dia que sua esposa morreu e nos pediu ajuda. A Ilha o deixou entrar por que apesar da raiva que ele sentia, o amor dele pela mulher e o fato de querer justiça eram muito maiores. No fundo, a ilha reconheceu que ele era um homem bom, apenas altamente mimado. — Completou Ban.
— Após a queda da deusa da Morte, ele voltou a governar, se apaixonou novamente e deu continuação a sua linhagem. Ele morreu há Eras, mas sua linhagem continuou, até mesmo se espalhou e saiu da antiga Babilônia. — Continuou Merlin. — Ela virá atrás da linhagem dele, e do único objeto capaz de matá-la.
— A Excalibur. — Disse Ban.
Hayden estava pensativo, antes zombava internamente da história, coisa que antes ele jamais faria. Mas agora...
— Como ela era? Essa deusa.
— Ruim, muito ruim. — Respondeu a rainha.
— Não, não dessa forma. — ele balançou a cabeça em negativa e alternou os olhares entre todos que estavam ali presentes, até mesmo o guerreiro de olhos verdes que havia se calado. — Como era a aparência dela, e qual seus poderes?
— Quer saber se foi ela que atacou Oryoth?
Ela balançou positivamente a cabeça em resposta a pergunta do mago.
— Sim, foi ela.
O braço do sofá em que o príncipe estava sentado congelou. Ele o apertou com tanta força que o braço simplesmente quebrou.
— Eu vou mata-la.
— Não, você não vai.
Dessa vez foi Faith quem se pronunciou.
A sala toda ficou em silencio, o guerreiro, Gavriel, se recostou na mesa ao lado de seu rei e cruzou os braços, observando.
— Não duvide de mim. Eu transformaria a terra em um inferno para salvar meu povo.
— Eu também. Mas ela é uma divindade, não temos força contra ela ainda.
— Acha mesmo que me importo se ela é uma deusa ou não? Eu estou pouco me fodendo para isso! Eu vou mata-la.
— E vai matar a si mesmo, não conseguirá chegar há 50 metros dela e virará pó. Ou comida para as criaturas dela.
— Contanto que isso salve meu reino.
— Seu reino foi destruído! — Ela se levantou da cadeira e se aproximou dele. O príncipe apenas a observou. — Se seu povo sobreviveu, então está espalhado por ai, procurando abrigo. Se você morrer por ser inconsequente, que irá restaurar seu reino? Quem irá o governar se não você?
Hayden a encarou, deixou que o silêncio se apoderasse do cômodo, e, depois de muito tempo sentiu uma pontada no vazio de seu peito.
— Gostei dessa ai. — sussurrou Gavriel e sorriu, olhando para a cena.
— Seu reino está inteiro, princesa, eu tenho muitos motivos para querer ser impudente.
— Mas pode não estar daqui há um tempo. Vim até aqui buscar ajuda, e por mais que você não tenha vindo por vontade própria, você também precisa de ajuda.
Ele apenas a encarou, não emitiu uma única resposta.
Ela estava certa, ele sabia que estava. Espertinha, pensou.
— E você realmente acha que iremos trabalhar bem juntos? — Ele riu. — Você irá se irritar a cada vez que eu falar com você, ou elogiar essa sua beleza irracional.
Ela piscou duas vezes, pasma.
Todos na sala ergueram as sobrancelhas.
— Estamos aqui apenas para proteger nossos reinos, e nada mais. Você é apenas um príncipe amargurado e mulherengo, só estaremos perto quando cumprirmos nosso objetivo; acabar com aquela maldita deusa antes que seja tarde demais. O que me diz?
O príncipe pensou um pouco, olhou para as pessoas na sala e respirou muito fundo.
Ele sempre ouviu falar de Camelot, de como o Reino era grande e rico. O Reino dos cavaleiros.
Um de seus amigos foi para lá, para receber um melhor treinamento de cavaleiro, já que o poder militar de Camelot era o melhor do continente. É a capital da Britânia, e ter um reino desses como aliado...
A herdeira daquele reino estava diante de si, e ele a estava tratando mal. Aquilo poderia afetar em um possível acordo futuro, quando recuperasse Oryoth.
E também, admitindo ou não, a beleza dela e a personalidade o faziam se sentir mais vivo do que se sentira nas ultimas semanas. Talvez, apenas talvez, não seria assim tão ruim trabalhar com ela.
Então Hayden se levantou, estendeu a mão para ela e sorriu.
— Acho que talvez valha a pena tentar.

Herdeiros das Cinzas (PAUSADO e em REESCRITA)Onde histórias criam vida. Descubra agora