O Garoto que Desabrochava as Flores

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Baker Street. 221b.

No andar de baixo, um casal gritava com a filha mais velha que, por sua vez, gritava de volta. Não dava para saber quem falava o que. A única frase que se sobressaiu entre as outras foi dita na voz do pai, Henry Watson, ameaçando expulsar a primogênita de casa e dizendo que o lugar dela era trabalhando em algum bar de bruxos de segunda categoria.

No andar de cima, o filho mais novo, John Watson, com quinze anos de idade, estava sentado na janela do seu quarto, no meio da escuridão, com a cabeça encostada no vidro, observando o movimento noturno. A essa hora, alguns vizinhos já tinham acordado. A discussão no andar de baixo estava tão aflorada que era difícil de ignorar, mas um mês e meio de brigas foi tempo suficiente pro rapaz se acostumar com a rotina.

Mais uma vez, Harry tinha chegado bêbada de uma festa, a quarta na semana, e estava recebendo outra bronca por isso.

A edição da semana passada do Profeta Diário estava forrando a gaiola vazia de Sentinela, a coruja bufo real de John. A ave preferira sair para caçar do que ficar ouvindo aquela confusão, e John não pôde deixar de sentir um pouco de inveja dela. Bem abaixo do poleiro se encontrava uma reportagem suja de fezes, mas com boa parte do título ainda visível.

SHERLOCK HOLMES, O MENTIROSO Nº 01

Abaixo da frase, um extenso artigo descrevendo o quarto campeão do fatídico Torneio Tribruxo como um exibicionista perturbado, que se utilizava da morte da aluna Mary Morstan - acidentada em decorrência da má segurança oferecida por Hogwarts no evento - para angariar fama com teorias delirantes como a de que ele seria a criança que sobreviveu.

Logo depois havia uma notinha referente a um artigo "para refletir" que falava das caduquices de Alvo Dumbledore, na página 17.

John ouviu uma batida forte na porta ao lado e seu coração pulou com o susto, mas logo concluiu que provavelmente era Harry entrando no quarto dela. Em poucos minutos seus pais começariam a brigar um com o outro. Quase toda noite era assim agora.

Harry estava mais festeira desde que Clara parou de visitá-la nas férias, e a irmã culpava a namorada por estar saindo mais do que de costume. Harry dizia que se Clara estivesse por perto, não precisaria se distrair tanto.

John achava essa desculpa muito forçada, mas era grato à irmã por não ter contado aos pais sobre Voldemort, caso contrário os dias deles em Hogwarts teriam chegado ao fim.

O relógio digital baratinho de cima da cômoda mudou de 02:59 para 03:00. As vozes do sr. e da sra. Watson compunham uma nova discussão no andar debaixo, um pouco menos intensa do que a que acabaram de ter com a filha. John fechou os olhos e suspirou.

Sentia-se um trapo.

A morte de Mary ainda o corroía, e isso não era tudo. Sua mente estava um caos e não podia colocar nada pra fora porque qualquer confissão poderia custar sua saída do mundo da magia. Não podia conversar com Harry, pois quando a garota não estava de ressaca, estava de cara amarrada ou bêbada.

Era como se sua alma estivesse implodindo, faltando pouco para ele sucumbir.

Decidido a tentar dormir outra vez, foi para a cama. Apreciou seu mural de fotos inanimadas. Era pra ter uma imagem dele com Sherlock na Copa Mundial de Quadribol, testando uma câmera bruxa. No entanto, essa foto estava agora rasgada no meio e com os pedaços totalmente amassados no fundo do malão. Jamais imaginaria que as melhores férias que ele já tivera na vida precederia um ano escolar com um desfecho tão trágico.

A verdade era que não queria ver Sherlock novamente, nem mesmo pela foto. De alguma forma sua mente, seu corpo e todo o seu ser repeliam a simples ideia de olhar para a cara do rapaz, como se ficar perto dele agora fosse inaceitável. Imperdoável.

Potterlock - A Ordem da FênixOnde histórias criam vida. Descubra agora