Capítulo 6

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Ariana acordou confusa, pois estava num sítio que nunca vira antes. À sua frente estendia-se uma paisagem montanhosa, dominada pelo branco da neve que caíra momentos antes. Era uma paisagem magnifica. Ariana não se lembrava de alguma vez ter visto algo assim tão belo e tão puro.
Um pouco mais à frente conseguia ouvir vozes. Numa tentativa de perceber sobre o que falavam e a quem pertenciam, a rapariga aproximou-se lentamente, para que não fosse vista ou ouvida.
“O que é que eu teria para tratar com essa gente?” Uma voz, agora percetível e até familiar, perguntou. Ariana tentou aproximar-se um pouco mais e viu Patrick a falar com alguém. Parecia estar chateado.
“O Herdeiro do Anel e a Herdeira do Punhal…” O outro rapaz falou, estudando as reações de Patrick. Foi aí que Ariana reparou que ele era um pouco estranho. O seu cabelo era quase branco, mas os seus olhos eram o que mais chamava a atenção. Eram prateados! Seriam lentes de contacto? “…encontram-se lá.”
“O quê? Como é que isso é possível? Eles não podem ter tais poderes, não os humanos!” O tom de voz de Patrick foi aumentando a cada palavra dita.
Os humanos? Como assim?, Ariana pensou e, aí, lembrou-se das palavras de Patrick no dia em que ela o encontrara no chão, ‘eu não sou da Terra, Ariana’. A rapariga estava cada vez mais confusa, com cada vez mais perguntas para juntar à sua lista de perguntas para as quais não tinha resposta. Será que Patrick não era humano? Era por isso que o outro rapaz tinha os olhos daquela cor? Estaria a ficar louca? Sim, claramente que sim. Pelo menos, para essa pergunta, ela tinha uma resposta. Mesmo que não lhe agradasse muito.
Ariana resolveu prestar atenção ao que eles estavam a dizer para descobrir o que se passava.
“O futuro está nas mãos deles, quer seja do nosso agrado ou não.” O rapaz disse, mais sério ainda.
“Eu vou…” Patrick cedeu. “Quem são os Herdeiros?”
“Só temos conhecimento da Herdeira do Punhal. Ariana Cardoso.”
Ariana quase se engasgou na própria saliva à menção do seu nome. Estariam a falar dela? Não, não podia ser. De certeza que havia mais alguém com o mesmo nome que ela. Mas, então, porque é que Patrick tinha vindo parar à sua escola?
A expressão no rosto de Patrick mudou completamente quando o rapaz disse o nome de Ariana. A dor e a raiva eram claras no seu rosto.
“Sim, Patrick. Ela é filha dele.”
O meu pai? O que é que o meu pai tem a ver com isto?
“Há uma profecia…” O rapaz afirmou, entregando um pequeno pedaço de papel para que Patrick pudesse ler, mas Ariana não conseguia aproximar-se o suficiente para conseguir ler o que estava escrito. Era como se tivesse chegado ao limite, como se uma barreira invisível a impedisse de avançar.
“O que é que isso quer dizer?” Patrick perguntou, parecendo confuso, o que fez com que o rapaz de olhos prateados soltasse uma suave gargalhada
“A primeira parte é sobre como os símbolos se vão reunir. Quando esses dois se juntarem, eles vão encontrar a Estrela. Pelo que os Sábios disseram, não importa de que raça seja, nem onde quer que esteja, ele ou ela vai aparecer.”

Ariana abriu os olhos muito rapidamente, sentindo-se aliviada ao aperceber-se de que tudo aquilo não passava de um sonho. No entanto, mesmo tendo sonho um sonho, sentia que tudo o que se tinha passado era real demais.
Mas o que é que era suposto ela fazer?
Não podia simplesmente falar com Patrick, perguntar-lhe sobre o sonho que tivera. Se bem que eram demasiadas coincidências. Por algum motivo todos os acontecimentos estranham a levavam a pensar em Patrick e em como ele, talvez, tivesse respostas para isto ou aquilo.
Sim, ela estava perfeitamente ciente de que corria o risco de ele pensar que ela era louca por imaginar tais coisas, e perversa por andar a sonhar com ele, mas também sabia que ele não iria propriamente contar a alguém.
Ariana saiu de casa depois de tomar o pequeno almoço e fez o caminho até à escola, decidida a falar com Patrick. Só teria que encontrar o rapaz, o que se estava a tornar uma tarefa mais difícil do que ela inicialmente imaginava, pois ele simplesmente desaparecia a cada toque de saída da campainha.
Por onde quem que passasse, a quem quer que perguntasse, não havia sinal de Patrick.
“Sara.” Ariana falou, assim que a rapariga atendeu a sua chamada, já na hora do almoço. “Eu sei que estás com os teus pais hoje, desculpa estar a ligar.”
“Não, não. Não tem problema.”
“Por acaso, não fazes ideia de onde raios é que se mete o Patrick durante os intervalos?”
“Porque é que eu haveria de saber tal coisa?”
“Porque tu sabes sempre tudo e eu já vos ouvi a falar sobre ele durante a hora de almoço.”
“Verdade. Eu sei sempre tudo.” Sara riu e Ariana tinha a certeza de que ela acabar de sacudir os seus cabelos, fazendo-se de extremamente importante. “Bem, segundo o que eu ouvi dizer, ele costuma ir para o telhado durante os intervalos. É por isso que nunca ninguém sabe dele, nem nunca ninguém o encontra, é proibido ir para lá.”
“Ok, obrigada.”
Ariana desligou o telemóvel e arrumou-o no bolso., começando a dirigir-se para o corredor onde se encontravam as escadas que davam acesso ao terraço da escola. Por questões de segurança, os alunos estavam proibidos de ir para lá.
Obviamente Patrick tinha ignorado essa parte.
Obviamente Ariana também.
A empregada que se encontrava no corredor virou as costas, pois tinha ouvido alunos a falar do outro lado e Ariana correu até à porta, subindo as escadas o mais rápido que conseguiu, fechando a porta de saída atrás de si. Ariana respirou fundo de alívio, numa tentativa de se acalmar, mas essa sensação não durou muito tempo, pois Patrick apareceu à sua frente subitamente.
Os seus olhos azuis fitaram os de Ariana, curioso.
“O que é que estás aqui a fazer?” Perguntou.
“Huh… eu…” Ariana engoliu em seco, vendo Patrick aproximar-se dela.
“Sim?”
“Eu precisava de falar contigo.”
As costas de Ariana bateram suavemente contra a porta se saída quando ela tentava manter a distância de Patrick. Com um sorriso no rosto, Patrick colocou uma mão de cada um dos lados da cabeça da rapariga. Havia algo no seu embaraço que ele, de certa forma, achava encantador.
“O que é que queres?”
“O que é que são os herdeiros? E o que é que isso tem a ver comigo? E o meu pai? Onde é que o meu pai entra nisto tudo? E porque é que aquele rapaz tinha os olhos prateados? O que é que isto tudo quer dizer? Eu… eu já não sei o que pensar!” Ariana disparou pergunta atrás de pergunta, sem sequer se dar tempo de pensar no que estava a dizer.
“Como é que sabes isso tudo?” Patrick perguntou, sério, afastando-se.
“Então… quer dizer que é verdade? O meu sonho… é tudo verdade?”
“Ariana eu não sei do que é que estás a falar, de que sonho é que estás a falar. Tens que te acalmar e explicar o que é que se passou, senão, eu não te consigo explicar nada.” O seu tom de voz estava sereno, o que, de certa forma, deixava Ariana surpresa, pois imaginara que Patrick se iria irritar com as suas perguntas.
“Tu estavas no sonho que eu tive com um rapaz, estavam num sítio que tinha neve. Ele estava a mandar-te fazer alguma coisa que envolvia uns herdeiros. Depois falaram no meu nome e no meu pai.”
“Isso foi no dia em que Luc me deu a missão de te encontrar e proteger, assim como encontrar os outros Herdeiros.”
“Como assim? Herdeiros de quê, de quem?” Ariana perguntou confusa.
“Bem, há milénios atrás, os mundos estavam completamente descontrolados. Havia guerras entre as raças por sede de poder, vingança, pura maldade. Qualquer motivo servia para começar uma guerra. Estavam todos fixados na ideia de que era assim que resolveriam os problemas, no entanto, apenas criavam mais.” Patrick explicou. “Para tentar trazer paz aos mundos, três Sábios sacrificaram-se para criar três entidades que trariam equilíbrio para todos: o Punhal, a Estrela e o Anel.”
“Sábios? Como assim?”
“Sim, são seres superinteligentes e poderosos, escolhidos pela Oráculo que é a entidade máxima da sabedoria. São eles que decifram as profecias e dão os seus conselhos quando têm que ser tomadas decisões difíceis.”
“Wow.” Ariana tentava assimilar tudo o que Patrick lhe estava a contar, mas era um pouco difícil. Era demasiada informação, sobre uma realidade que era totalmente diferente daquela a que estava habituada. “E os símbolos? O que é que querem dizer?” Perguntou, apesar de tudo, queria saber mais. Embora confusa com tudo, sentia-se um pouco mais aliviada por não estar louca.
“O Punhal simbolizava um líder forte e lutador, que tinha como principal objetivo proteger todos. A Estrela era o seu braço direito, o seu conselheiro. Por fim, o Anel foi criado para servir de elo de ligação, e a sua especialidade mágica eram os feitiços de cura.”
“E o que é que eu tenho a ver com isso?”
“Tu és a Herdeira do Punhal.”
“Não.” Ariana abanou a cabeça de forma negativa. “Não pode ser. Não.”
“Podes estar em choque agora, mas não podes negar o teu destino.”
“Não vou deixar que alguém decida o meu destino por mim! Eu não sou nenhuma lutadora, não sou nada disso!” Ariana insistiu. “E qual é o teu problema connosco? Porque é que ficaste chateado quando soubeste que os herdeiros estavam aqui, quando soubeste que era eu?”
“Um dia, foi dada uma missão ao meu irmão aqui no teu mundo e ele nunca mais voltou.” Patrick fez uma pausa, relembrando as memórias que, mesmo passado tanto tempo, ainda o assombravam. “Alguns dias depois, recebemos uma carta de um humano chamado Henrique Cardoso que dizia que ele e o seu amigo Samuel tinham capturado e torturado o meu irmão até à morte.”
“Não… o meu pai não faria uma coisa dessas.”
“Eles conseguiram, de alguma forma, entrar no nosso mundo pouco tempo depois e ameaçaram expor o nosso mundo e tudo o que tinham descoberto aos humanos. Os do meu povo tentaram apanhar os dois, mas eles fugiram para o seu mundo. Eles foram atrás deles, mas, aí, eles só conseguiram apanhar o teu pai.
“Não… não, não, não…”
“Ariana.”
“Não! Eu não conhecia muito bem muito bem o meu pai, porque eu perdi-o com dez anos e porque ele andava semre a trabalhar e eu raramente o via, mas eu conheço a minha mãe e sei que uma pessoa assim não iria conquistar o seu coração. Eu tenho a certeza que o meu pai era boa pessoa.” A rapariga empurrou Patrick com toda a força para que pudesse criar mais distância entre eles, dando-lhe espaço para sair. Patrick olhou-a surpreendido. “E, se queres saber, a vossa vingança está completa, porque o Samuel, que vocês não conseguiram apanhar, foi assassinado no domingo, se calhar até pela mesma magia que matou o meu pai.”
Ariana saiu do terraço a correr, ignorando os chamamentos de Patrick. Não conseguia acreditar no que acabara de ouvir sobre o seu pai e sobre o pai de Joel. Ela sabia que eles não seriam capazes de fazer tais coisas.


Ariana passou o resto do dia a ignorar Patrick e as suas tentativas de falar com ela. No fim das aulas, saiu rapidamente do recinto da escola, para que o rapaz não a conseguisse apanhar pelo caminho ou a seguisse até sua casa.
“Cheguei.” Anunciou, assim que entrou em casa.
“Que bom!” A sua mãe respondeu, aparecendo do nada, estranhamente entusiasmada. “Tens alguém à tua espera no teu quarto.”
“Quem?”
“Não posso dizer, pediu para ser surpresa.”
Ariana suspirou e subiu as escadas até ao seu quarto, pensando sobre quem estaria à sua espera. Ao abrir a porta do seu quarto, deparou-se com Patrick deitado na sua cama. Ariana queria saber como é que ele tinha chegado a sua casa primeiro que ela, mas decidiu ignorar.
“O que é que estás aqui a fazer?”
“Estou deitado. Os humanos não se deitam?” Patrick respondeu, num tom brincalhão, enquanto se sentava na cama.
“Por favor, vai embora…”
“Eu sei que estás assim por causa do teu pai e eu sei que nada do que eu disser vai fazer com que te sintas melhor porque nada resultou comigo, no dia em que descobri o que aconteceu ao meu irmão, mas… desculpa.”
“Patrick, o meu pai não era capaz de tal coisa…” Ariana murmurou.
Uma lágrima caiu pelo seu rosto e Patrick levantou-se de imediato, aproximando-se de Ariana. Segurou o seu rosto com ambas as mãos e, com os polegares, limpou-lhe as lágrimas, puxando-a contra o seu peito, num abraço.
Patrick odiava os humanos por causa do que tinham feito com o seu irmão, mas algo dentro dele não suportava a imagem de Ariana a sofrer.

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