Capítulo VIII - Vazio e Aconchego

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Olhava para as labaredas lambendo as paredes de concreto do interior lareira, enquanto sentia os dedos de mamãe afagando minhas costas. Tinha perdido a noção do tempo em que estava assim, só conseguia sentir uma coisa. Ou melhor, nada.

Vazio. Havia apenas vazio dentro do meu peito.

Os olhos de Jhon não saiam de minha cabeça, nem a expressão atônita de seu rosto antes dele cair morto no chão. Eu agi para que isso acontecesse, a culpa de sua morte também era minha. As minhas mãos também estavam manchadas. Eu era tão assassina quanto o soldado. Quanto a própria Hydra. E isso era só o começo, se dependesse da organização.

Tudo se passou num borrão depois que saí do quarto do hotel, lembro-me de fugir com o soldado pela lateral do enorme prédio e entrar num carro escuro escondido pelas sombras da noite. Depois, fomos para um aeroporto diferente do que aterrissamos mais cedo e entramos no jato, partindo velozmente de Berlim. As lágrimas há muito tinham se secado quando me sentei na poltrona dura da aeronave, mas o sentimento de culpa ganhava cada vez mais força dentro de mim. O soldado se sentou ao meu lado e o peguei me lançando olhares beirando a preocupação algumas vezes.

Meus pais esperavam do lado de fora da pequena pista de pouso na base da Hydra quando chegamos, os rostos desprovidos de cor e os olhos brilhando de preocupação. Eles me guiaram para o alojamento utilizando de uma delicadeza incomum até para eles e vi que mamãe tremia ao meu lado, lançando olhares dolorosos para papai. O soldado nos seguiu silencioso como sempre, se mantendo o mais próximo que podia.

Quando pisei no dormitório, minha mãe gentilmente me levou ao banheiro, ajudou-me a desfazer do vestido para que eu tomasse um banho. Palavras carinhosas saíram de seus lábios durante toda a ação, mas eu não me sentia reconfortada e por isso não ousei soltar uma sílaba.

Vesti a camiseta enorme que usava pela manhã e nós duas voltamos para a sala do alojamento, onde tanto papai quanto o soldado esperavam. Uma pontinha de surpresa me atingiu quando vi que o último estava lá, com os cabelos úmidos do banho, vestindo roupas confortáveis e me lançando aquele olhar beirando ao preocupado.

Me sentei no sofá entre meus pais e mergulhei no estado inerte, onde só conseguia fitar as chamas e sentir aquele vazio rasgando minhas entranhas. Por um momento, me peguei desejando ser consumidas por aquelas labaredas, talvez fosse algo melhor que a oscilação de culpa e vazio que experimentei nas últimas horas.

- Bella? – a voz de papai me despertou do torpor.

- Hum? – foi tudo o que consegui responder.

-Como... Como foi lá? – perguntou receoso, afagando meus cabelos – Quer nos contar?

Desviei os olhos da lareira para fita-lo. Encontrei pura angústia nadando em suas íris verdes.

- Eu... – as palavras se perdem no meio da frase e engoli em seco – Eu o matei.

- Você não o matou, querida – mamãe sussurrou, seu carinho nas costas aumentando de intensidade.

Mais uma vez, um lampejo do rosto de Jhon apareceu sobre meus olhos, revirando minha barriga num enjoo intenso. Sim, eu o matei.

- Eu o levei para lá eu... – minha voz embargou e a visão ficou embaçada –Eu o seduzi igual uma prostituta e o levei... De certa forma eu o matei.

- Não, meu amor... Não – papai murmurou e me puxou para si, envolvendo-me em seus braços – Posso não ter visto, mas eu sei que não foi você que o matou... Não foi você que o esfaqueou ou atirou nele. Você não o matou, está me ouvindo?

Novamente, chorei baixinho contra seu peito. Pelo menos era algo menos pior do que o vazio.

Ao não ter mais de onde tirar lágrimas, me afastei de papai secando o rosto e alternei o olhar entre ele e mamãe. Um peso gigante surgiu nos meus ombros. Ah... Foi ali que me toquei que carregaria um tormento parecido com o do soldado. O peso era da culpa genuína misturada com mais alguma coisa, talvez vergonha, repulsa. E não iria embora tão cedo, se é que partiria.

Vietny [CONCLUÍDA]Onde histórias criam vida. Descubra agora