Capítulo XXIV - Monte de Neve

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Cinco meses se passaram desde a queda da Hydra, desde que eu era livre. Dizer que eu estava começando a me sentir realizada seria pouco para descrever esse tempo liberta ao lado do soldado, ou Bucky, o nome pelo qual preferia ser chamado depois que se lembrou de pedaços de seu passado. Nós dois viajamos por vários cantos do mundo em busca de um lugar para chamar de "lar", ainda que fosse temporário. Visitamos países como Itália, Grécia, Rússia e Vietnã – o país que eu me lembrei ser o palco para o início do meu pesadelo na Hydra. Todavia, nos fixamos na capital da Romênia, Bucareste. A cidade era a ideal para o que procurávamos, movimentada na medida certa para ninguém nos reconhecer e aconchegante o suficiente para nos instalarmos.

Arranjamos um apartamento simples num prédio afastado do centro da cidade, não era repleto de luxo ou tinha muito conforto, mas na nossa situação não podíamos exigir muito. Também passamos a nos disfarçar como pessoas comuns, desempenhando empregos de pessoas normais. Bucky arranjava trabalho como entregador, vigia e coisas afins, enquanto eu tive a sorte de conseguir um emprego na livraria de uma viúva simpática e amorosa, a senhora Ardelean. Depois que descobri ter certa fascinação por poesia, passar o dia ajudando a senhorinha em seu pequeno estabelecimento me fazia sentir um prazer incrível, já que também podia enfiar a cara em todo tipo de livro.

Mesmo que nós estávamos tentando viver uma vida comum, o medo de sermos pegos era evidente a cada vez que colocávamos nossos pés nas ruas. Virou um hábito olharmos atentos para os lados e para trás, para cada pessoa que cruzava nosso caminho, em busca de alguém nos seguindo. Ainda assim, não nos rendemos ao medo e prosseguimos com nossas novas rotinas.

Quanto as minhas memórias, me recordei da maior parte delas. Os arquivos que Natasha colocou no pendrive me ajudaram absurdamente, mas houve coisas que lembrei de repente, por mim mesma. Me recordava de meus pais, de parte de minha infância e adolescência e, principalmente, da época em que viajava com minha família pelo mundo em busca de refúgio da Hydra. O que passei dentro da organização antes de ter a memória apagada também estava mais do que nítido na minha mente, cada detalhe de treino, ensinamentos e missões como a de Jhon Hall, o primeiro homem que eu levei para as garras da morte. Após ter certas coisas relembradas, algo obscuro passou a habitar meu coração, eu me sentia cada vez mais suja pelas coisas que fiz em nome da Hydra. Prometi a mim mesma que jamais voltaria a fazer algo parecido, usaria das habilidades do soro somente em situações extremas e só colocaria as mãos em armas se a minha vida e a de Bucky dependesse disso. Não seria mais um monstro.

Bucky também se lembrou de muitas coisas de seu passado, como nossa relação, Steve e parte de sua vida no Brooklyn. Ele anotava tudo num caderninho, chegava a passar horas jogado no colchão do quarto se perdendo entre as páginas pálidas e as palavras escritas pela tinta preta da caneta.

A nossa relação foi avançando conforme os meses, como eu prometi não forcei Bucky a ter qualquer sentimento por mim, lhe dei todo o espaço e tempo necessário para entender e se lembrar de nós. Não tivemos qualquer envolvimento amoroso, nada de beijos ou coisas além. Conversávamos sobre nosso relacionamento, mas era apenas isso. Nossa relação era como uma amizade antiga, cheia de cumplicidade, respeito e confiança. Seria hipócrita se negasse que sentia falta do calor de seu corpo, de seus beijos e do carinho, mas aos poucos fui aprendendo a lidar com essa saudade e me contentei com a amizade, esperando que algum dia ele voltasse a investir no que tínhamos.

O inverno rigoroso da Romênia já caia sobre a população com seu toque terrivelmente gélido. Naquele dia fazia ainda mais frio que o comum, o aquecedor da senhora Ardelean sofria para nos manter quentinhas na livraria. Eu me espremia entre as prateleiras de madeira escura e polida do estabelecimento tranquilo, terminando de empilhar os livros da última encomenda que recebemos de uma tímida adolescente de cabelos ruivos, ela viria retirá-los no fim da tarde, perto do horário em que fecharíamos. Segundo o velho relógio pregado na parede atrás do balcão de entrada, faltava menos de meia hora para dar a hora de fechar.

Vietny [CONCLUÍDA]Onde histórias criam vida. Descubra agora