Capítulo III - Soro XZ

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Perdi a conta de quantos dias se passaram desde que cheguei a uma base da Hydra que, segundo Marcus, era onde as armas da organização ficavam guardadas. Chutaria umas duas semanas, se tivesse ainda um pouco de sagacidade ao meu favor.

Nesse meio tempo, ganhei mudas de roupas novas – constituídas por uma blusa cinza e uma calça de moletom da mesma cor - e fui mantida em uma sala sem janelas, de paredes brancas, com uma maca dura e uma porta de metal com um compartimento para passar uma bandeja de comida.  Não vi meus pais e o soldado sequer uma vez. Sempre que recebia alguma visita era de Marcus, ou alguém colocando comida no compartimento, ou ainda algum soldado uniformizado e silencioso que me levava ao banheiro no outro lado do corredor para fazer minhas necessidades fisiológicas e tomar banho.

Marcus se mostrou um verdadeiro monstro psicopata em suas visitas, tentou em todas elas me estuprar, mas conseguia me salvar cuspindo em seu rosto, chutando-o em partes sensíveis ou gritando em plenos pulmões ao ponto de fazê-lo desistir de tanta irritação. Ele certamente tinha algum problema a mais que psicopatia ou sentia uma excitação absurda por infernizar papai, pois em todas as vezes que tentou me tocar, mencionava o nome dele como louco, perguntando-se "o que Meldezy pensaria ao saber que sua filha foi tomada por alguém como ele".

Quando estava sozinha, mergulhava em uma gama de pensamentos incessantes. Pensava sobre a situação de meus pais, se ainda estavam vivos e trabalhando para Hydra, ou se foram deixados por Marcus para apodrecerem naquele galpão no Vietnã. Pensava o que me aguardava e se um dia sairia com vida dali. Divagava em pequenas histórias em que reencontraria meus pais e nós escaparíamos das garras da Hydra vivos e juntos. Me peguei pensando algumas vezes no soldado também, em onde ele estaria e se sofreu alguma consequência por ter me defendido, ou se tornaria a vê-lo de novo ou não.

Por sorte, havia curtos momentos em que conseguia declamar algum poema conhecido, ou criar algum na mente, para me distrair de pensamentos ruins. Mas não durava muito.  

Estava andando pela sala nervosamente, tentando me distrair das palavras ruins sussurradas por meus pensamentos pessimistas. Declamava baixinho um dos meus poemas favoritos de Shakespeare, em busca de algum acalento em meio aos seus versos:

"Não chores mais o erro cometido;

Na fonte há lodo; a rosa tem espinho;

O sol no eclipse é sol obscurecido.

Na flor também o inseto faz seu ninho;

[...] " **

Não pude termina-lo de declamar, a porta de metal foi aberta bruscamente, com um rangido alto que tirou toda minha atenção dos versos – agradeci aos céus por isso, porque nem Shakespeare estava conseguindo me fazer esquecer os pensamentos ruins.

Uma figura alta atravessou a porta e meus olhos encontraram com rosto do soldado. O vazio voltou a nadar na imensidão azul e as suas feições contorciam-se em expressões fechadas e ameaçadoras, que me fizeram encolher os ombros.

- Soldado – cumprimentei, esperando alguma reação parecida com a que teve na última vez que o vi.

Não tive uma resposta.

Ele se aproximou em passos firmes e decididos. Sua mão de metal agarrou meu braço com força, arrancando um gemido doloroso de minha garganta. Até mesmo o seu toque havia mudado, não havia qualquer resquício do homem que me ajudou em sua face e trejeitos. Havia apenas frieza e determinação, nada de gentileza, nada de reconhecimento, nada de fúria. Era como uma nova pessoa, uma nova mente.

Vietny [CONCLUÍDA]Onde histórias criam vida. Descubra agora