Medo

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Por Ana

Foi como se por um momento o meu coração pudesse deixar de lado toda a dor, e o aperto no peito deu um descanso me permitindo respirar de verdade depois de tanto tempo. Mesmo com as lágrimas e os soluços que deixavam meus lábios eu me sentia em paz, ainda machucada, mas em paz. E tudo isso pelo fato dele estar ali, algo que ia muito além do significado que o Kunst tem na minha vida. Ele está vivo, respirando, o seu coração bondoso ainda bate, e eu não fui a responsável por ceifar o brilho dos seus olhos. Como eu aguentaria carregar o peso da culpa por tanto tempo? Em algum momento talvez alguém me convenceria que a culpa foi de quem tinha puxado o gatilho, mas sei que lá no fundo a vozinha na minha mente diria que tudo tinha acontecido pelo fato de eu ter permitido me aproximar dele. Aquela vozinha chata diria que de alguma forma aquilo era culpa minha, e isso faria com que eu me odiasse, e odiasse também aquela voz que me persegue desde o dia em que pessoas verbalizaram a culpa e a jogaram em minhas mãos.

Senti o afago em meu rosto quando me afastei um pouco continuando sentada na ponta da maca hospitalar, então fechei os olhos por um momento aproveitando o seu toque que logo se transformou em uma tentativa de secar as minhas lágrimas. Quando voltei a abrir os olhos ele ainda estava ali, com o olhar de saudade misturado com a preocupação, as lágrimas brotavam no canto dos seus olhos, mas seus lábios moldavam um sorriso contido. Não pude deixar de notar as marcas roxas abaixo dos seus olhos, ou como ele parecia pálido, me lembrando mais uma vez que eu estive a beira de perde-lo. Segurei os soluços tentando reorganizar os meus sentimentos, e minha mão foi de encontro a sua que ainda tocava o meu rosto.

Ana: Achei que tinha te perdido – entrelacei os nossos dedos.

Thiago: E eu que tinha perdido você – sua voz soou roca e embargada – Eu vi o momento que eles te levaram – ele fechou os olhos se inclinando levemente para frente encostando sua testa na minha – Fiquei com tanto medo de te perder – fechei os olhos sentindo o calor do corpo dele próximo a mim.

Ana: Você viu tudo?

Thiago: Não – ele sussurrou – Eu acabei apagando por causa do machucado. Quis me levantar e ir atrás de você, mas não consegui – suas palavras vieram carregadas de dor – Quando acordei, aqui, descobri que toda a equipe tinha desaparecido, que eles também tinha sido levados – ele se afastou e seus olhos fitaram os meus – Como eles estão?

Ana: Eles vão ficara bem – falei secando o restante das lágrimas.

Sua mão mexeu no meu cabelo colocando uma mecha para trás, deixando o meu rosto livre. Eu nem queria saber qual era o estado da minha aparência no momento, e isso não era o que importava agora. Seus olhos me analisaram, passando por cada machucado e então voltaram mais uma vez para os meus olhos.

Thiago: E você? Está bem mesmo ruivinha?

Eu não precisava mentir para ele, mas como dizer que a minha mente tinha se transformado em uma bagunça mais uma vez? Eu não conseguia nem mesmo organizar o que eu estava sentindo ou entender os fatos que atribuíam esses sentimentos, mas no momento escolhi focar no alívio, na alegria e na pontinha de esperança e de paz que a presença dele traz. Mas lá no fundo eu estava uma completa bagunça e alguma hora teria que encara-la. Talvez fosse mais fácil simplesmente dar as costas e tentar entender o que se passava em minha mente longe de todos, mas eu não fugiria mais uma vez. O canto dos meus lábios puxou um pequeno sorriso, servindo de máscara para a verdade. O problema é que máscaras não funcionam com Thiago Kunst, e seus olhos me conhecem bem demais.

Antes que eu pudesse lhe responder escutamos alguém chamar nossa atenção. Olhamos rapidamente para a porta encontrando o meu pai parado, com a testa franzida. Os seus olhos pararam no Thiago por um tempo, e então desviaram para mim. Me senti uma criança sendo pega no flagra, e o olhar do meu pai oscilava entre a confusão e o 'precisamos conversar sobre isso'. Antes que ele pudesse dar alguma bronca ou agir de um jeito 'pai ciumento' uma confusão de vozes tomou o corredor ficando mais alto a cada segundo.

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