Analgésicos

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Por Thiago

Existem momentos que sua mente simplesmente desliga e entra no automático, em um instinto de sobrevivência você apenas age. É você por você, tentando encontrar uma fuga do que está se desenrolando em frente aos seus olhos. Por um milésimo de segundo minha mente se tornou um grande vazio, buscando apenas agir, até que o fato de ter alguém atravessando aquela janela junto comigo fez todos os alertas do meu cérebro acenderem.

O vidro se estilhaçou com o impacto dos nossos corpos contra a janela, e a pressão da explosão nos impulsionou mais ainda para fora enquanto despencávamos. Rapidamente, por instinto, puxei a Ana para perto, enquanto caíamos quebrando a resistência do ar. Eram oito andares, poucos segundos para pensar em uma solução, mas o chão chegou antes que nos déssemos conta.

Senti algo se quebrar no momento que atingimos a superfície, meu corpo rolou alguns metros e nós dois acabamos nos separando. Parei estirado no chão, com os olhos voltados para o céu acima de nós, puxei o ar com força sentindo tudo queimar e a dor percorrer o meu corpo. A fumaça bloqueava a visão das estrelas na madrugada, e o fato dos resquícios da explosão não estarem tão longe indicava que algo tinha interceptado nossa queda, ou tínhamos tido sorte demais.

Thiago: Ana? – minha voz saiu rouca.

Um grunhido escapou dos meus lábios quando me virei no chão, sentindo as pontadas de dor enquanto meu olhar buscava a Ana. Ela não estava muito longe, de bruços e com os cotovelos apoiados no chão enquanto tentava levantar. Forcei o meu corpo a imitar o movimento e se por de pé, assim que coloquei o peso do corpo no pé esquerdo senti a dor dilacerante, mas mantive o ritmo dos passos até a Ana.

Thiago: Está bem?

A ajudei a levantar, sua mão segurou em meu braço enquanto seu corpo se inclinava tossindo devido a fumaça. Seu rosto estava marcado por pequenos arranhões e machucados, a fuligem que caia sobre nós aos poucos se misturava com o ruivo do seu cabelo. Ela parou puxando o ar com força e levando sua outra mão até as costelas enquanto fazia uma careta de dor, antes que eu pudesse me certificar que tudo estava bem com ela algumas vozes chamaram nossa atenção, foi então que nos damos conta de onde estávamos.

Atrás de nós uma porta de vidro foi aberta e um casal olhou para nós soltando alguns arpejos de surpresa. Eu já os tinha visto milhões de vezes pelo prédio, eram o Sr. e a Sra. Smith, moravam no quinto andar, e para nossa sorte tinham uma bela sacada alguns andares abaixo da minha janela. Olhei envolta vendo que tínhamos caído bem em cima da mesinha de madeira que provavelmente antes de despedaçada combinavam com as cadeiras ali.

Ana: Precisamos sair daqui – ela falou com dificuldade, desviando o olhar para a destruição no andar de cima – Agora – seus olhos pousaram em mim.

Apenas concordei balançando a cabeça. Entrelacei seus dedos no meu e a guiei para fora daquela sacada, passamos pelos Smith ainda perplexos sem saber o que fazer. Me desculpei rapidamente pela mesinha e já dentro do apartamento não foi difícil achar a porta para os corredores do prédio. Meu tornozelo reclamava a cada passo, mas continuamos em frente, quem quer que tivesse colocado aquela bomba ali poderia estar por perto.

Sair do prédio sem ninguém ver foi fácil, com o barulho da explosão todos acordaram em alarme e tudo virou uma bagunça de pessoas correndo temendo ser um vazamento de gás, e a sirene da polícia e dos bombeiros se misturava com as vozes dos moradores. Não trocamos mais nenhuma palavra, sabíamos o que tinha que ser feito. Primeiro sair dali.

O elevador encontrava-se interditado com a quantidade de pessoas que estavam tentando usar, então fomos para as escadas e eu me lembro de ter soltado alguns xingamentos todas as vezes que o meu pé esquerdo tocava o chão. Quando alcançamos a garagem seguimos direto para onde a moto estava estacionada, e minutos depois passamos entre os carros e as pessoas que rodeavam o prédio no final da madrugada buscando saber o que aconteceu.

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