Maybe

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Por Thiago

É um sentimento estranho. Confuso, revoltante e com certeza estranho. É aquela leve sensação de se sentir enganado, driblado pela verdade que às vezes você lutou com tanto afinco. Talvez existisse lá no fundo também um pouco de decepção, isso acontecesse quando você acredita fielmente em algo que acaba fugindo totalmente do que é o esperado. Mas engana-se quem pensa que a decepção é sentida apenas por aquilo que você acreditava, no final esse sentimento é voltado para si, e sua mente insiste em fazer uma pergunta simples, mas de resposta complexa: Como eu pude acreditar?

Por anos defendi os lemas da Scorpions, quando na verdade quem está no topo pouco se importa com isso. São sujos assim como cada um dos traficantes e assaltantes que lidamos diariamente em cada cidade do país, várias equipes tentando ajudar, enquanto no topo um criminoso puxa as cordas. Criminosos, era assim que minha mente insistia em chamar os dois Gutierrez, era isso ou eu não aguentaria a vontade de descontar todos os sentimentos neles, e eu não podia arriscar isso.

Eles machucam e usam do seu poder para escapar das consequências. Um covarde que corre para pedir ajuda ao papai, e um pai dissimulado o suficiente para tornar tudo mais traumático. Eles são os que deviam dar o exemplo, mas lealdade e a "família" não parece ser algo que levem tão a sério. Eu entendia a raiva que eu estava sentindo, e essa nem se comparava com a decepção. Ela se intensificava pelo fato de eu saber que eles não se importavam em machucar alguém. Talvez se eu tivesse descoberto sobre a má índole deles de outra forma, e até eu fosse quem acabasse machucado, a raiva no peito seria menor. Mas eles a machucaram. Machucaram a garota ruiva de sorriso doce e olhar penetrante que a cada dia tomava conta do meu coração, apesar de desconfiar que ela já o tenha há muito tempo.

Olhei para a Ana, ainda deitada sobre o meu peito, os olhos fechados embalados por um sono tranquilo depois de uma chuva de emoções e sentimentos. Lá fora o sol começava a nascer, e eu ainda não tinha conseguido dormir. Minha mente sempre voltava para a narração das lembranças compartilhadas, parecia um loop, e cada vez que eu lembrava os acontecimentos, das lágrimas da Ana e da dor que sua voz carregava, a raiva em mim crescia misturada com a vontade de puxa-la para os meus braços e tira-la do meio de tudo isso. A minha mente estava uma bagunça, e me perguntei como estaria a da Ana, como ela passou por tudo isso sozinha?

Lembrei das primeiras vezes que conversamos, das máscaras escondendo a dor, dos momentos onde ela se retraia de repente, dos passos para trás e a luta interna que parecia ter sempre que era necessário confiar. Eram suas cicatrizes ainda tão vivas, que com o tempo foram se curando, virando sorrisos alegres, o olhar leve e uma pessoa encontrando um pouco de paz. Lembrei do dia em que estávamos na fazenda, em como ela tocava as teclas do piano com saudade, reencontrando uma parte perdida, ou como ela buscava formas de não dar dois passos pra trás quando pela primeira vez nossos lábios se encontraram. Cada toque era especial, e agora entendo porque, tratava-se dela dando mais um passo para fugir dos traumas causados por monstros.

Cada vez que os nossos dedos se entrelaçaram, cada vez que nos abraçamos, ou que nos beijamos, tratavam-se de ações com muito mais significados do que aparentavam. Olhei mais uma vez para ela, a luz do sol entrando pela porta da sacada e iluminando os seus cabelos, sua respiração calma, sem temores e um sono tranquilo. Me perguntei o quanto ela lutou internamente para isso, para estarmos assim. De alguma forma no meio do caminho ela conseguiu ver a confiança em mim, de alguma forma nossos destinos se cruzaram, e a partir desse dia ela não teria que enfrentar os seus traumas sozinha. Podíamos não ser o topo da Scorpions, mas ali em B.A. todos nos respeitamos e nos tratamos como família, e era isso que a Ana é agora, parte da nossa família e a garota por quem sou completamente apaixonado.

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