Olivia

Prólogo

Olá, você está bem? Espero que esteja. Aliás, me chamo Olivia, uma mulher prestes a compartilhar algo com você. Aviso que sou tímida para falar de mim, mas as linhas que lerão contam parte das minhas aventuras. Um pouco do que vive e de como me tornei quem sou. Sempre fui movida por escolhas, a razão sempre falou mais alto do que o coração. Minha mãe diz que sou cética demais, porém como não ser diante do mundo que vivemos? Basta acompanhar o noticiário para se ter uma ideia do caos. Mas eu não vou falar sobre as minhas histórias ceticismo. Elas são enfadonhas por demais, estou aqui para contar-lhes sobre os três meses que viraram a minha vida do avesso. Os sentimentos mais intensos que vivi. Alegria, paixão, carinho, irritação, tristeza e amor.

Se você ainda estiver lendo essas palavras, eu quero que saiba, tudo tem o seu tempo. O meu foi em terras espanholas, aí Dios mio!

São Paulo, 2002

Acordei toda dolorida, ontem foi dia de ajudar minha mãe com as faxinas que ela faz. Deus, é um trabalho tão pesado, mas desvalorizado. O que ela ganha, somando todas as casas que atende, mal dá para as contas e o básico. Somos uma família de quatro pessoas. Meu irmão mais jovem ainda está na escola, no entanto, com seus 15 anos começou a criar problemas. Meu pai é porteiro em um conglomerado de salas comerciais. Trabalha de domingo a domingo. Temos pouco, passamos alguns apertos, mas somos uma família unida. Com meus 18 anos completados há dois meses, estou à espera do resultado do vestibular que prestei, para uma universidade pública. Foram meses frequentado o cursinho gratuito, que uma professora oferecia depois da aula, noites de estudos e muitas lágrimas. Estudar e ter esperança é tudo que uma jovem periférica como eu pode fazer. Confiar que sou capaz e buscar meios de realizar cada objetivo.

Hoje será divulgado o resultado da prova. Como não temos computador em casa, meu pai conseguiu que o chefe dele me desse permissão para acessar no computador da recepção do prédio.

O ônibus quebrou na metade do caminho, tive que descer e ir caminhando. Essa droga de sandália está destruindo o meu pé. Quando chegar em casa vou precisar de uma bacia e muita água quente com arnica. Receitinha da vovó para pés doloridos.

Finalmente cheguei ao prédio, sempre achei esse edifício lindo. Uma torre de janelas espelhadas, que reflete o céu e parte do MASP. Não fui direto à portaria, meu pai está passando informações para um engravatado. Ele já pediu um favor ao chefe, não quero atrapalhar seu serviço.

Assim que o engravatado se afastou, meu pai acenou para mim.

- Benção, pai. – Sorri para ele.

- Deus abençoe, filha. – Ele abriu a porta para mim. – O Carlos avisou para você sentar lá na recepção, com a Ritinha, quando ela não estiver usando o computador você vê suas notas.

- Sim, senhor. – Caminhamos pelo saguão, é ainda mais impactante que o exterior. Piso de mármore escuro, esculturas de metal na decoração é puro luxo. – Estava esquecendo, a mãe pediu para avisar que pagou a conta de energia.

- Que bom, esse mês apertou, mas conseguimos vencer. E vai ficar melhor, com a filha na faculdade. – Ele abriu um ligeiro sorriso. – Rita, essa é a minha filha, Olivia.

- Pode deixar ela comigo Seu Reginaldo, estou sabendo. – A moça de cabelo castanho e unhas longas, pegou uma cadeira para mim. – Senta aqui, menina.

- Boa sorte. – Meu pai sussurrou.

- Obrigada.

Sentei ao lado da Rita, ela começou a me contar como é o trabalho aqui. Revelou até quem são os melhores e piores que passam pela recepção.

- Você é bonita e inteligente, se sairia bem aqui. – Ela comentou. – Um pouco de maquiagem e um penteado, pronto!

- Se eu não conseguir passar nessa prova, deixo o meu currículo com você. – Estou muito ansiosa, o que me faz ficar mexendo no cabelo.

- Uma vez eu tentei entrar em uma faculdade, mas isso é muito difícil. Principalmente para nós, estudantes da rede pública. – Disse Rita. – O sistema que foi feito para nós, só beneficia quem estudou em escolas de elite.

- Realmente não é justo, se queremos uma chance é preciso buscar além das salas de aula. – Deu a hora, vou esperar ela terminar de fazer os registros e acesso.

O site atualizou e levou alguns minutos para carregar. Senti o frio percorrendo minha espinha. A lista está por ordem de classificação no curso, rolei a barra e Deus! Lá está, classificada em 5º lugar! Olivia Helena Moraes, aceita no curso de comercio exterior.

- Eu consegui! – Falei com lágrimas nos olhos.

Alguns anos depois, em São Paulo.

Minhas malas já foram despachadas, a previsão de voo para à Espanha é de 10 horas. Voaremos direto e no jato particular da empresa, eles enviaram como uma cortesia. Eu creio que seja para adiantar o máximo possível a nossa chegada.

- Srta. Moraes, por favor, me acompanhe. – A comissária do jatinho veio nos buscar no saguão.

Viajo acompanhada de dois assistentes, pois não sei a quantidade de trabalho que vou encontrar lá. Tenho a missão de negociar uma fusão entre um vinhedo centenário espanhol e uma empresa que fabrica bebidas artesanais na Itália. Será um contrato milionário, os proprietários do vinhedo estão dispostos a dominar parte do mercado. História e dinheiro eles têm, resta saber se toda a negociação poderá prosseguir após a inspeção total de suas operações. Tenho 3 meses para lidar com tudo, inspeção, negociação e assinatura do contrato.

Viajar de um lado a outro do mundo, essa tem sido a minha vida por quase cinco anos. Estou nessa empresa desde que deixei a faculdade. Todas as minhas promoções vieram pelo trabalho duro. Sou uma executiva de negócios internacionais, falando quatros idiomas e ganhando um salário de três dígitos por mês. Uma realidade muito distante da Olivia que ajudava a mãe com as faxinas, mesmo enquanto estava na faculdade, para custear os livros e transporte. Assim que pude, fiz minha mãe deixar esse trabalho e papai aquela portaria. Eles finalmente puderam aposentar. Ele infelizmente não está mais entre nós, contudo pôde usufruir um pouco da melhor condição de vida. Meu irmão, esse ainda enfrenta as condições de escolhas erradas que fez e se afastou de nós.

Assistir a cidade que cresci pela janela do avião sempre me emociona. Hoje dou boa noite à São Paulo para amanhã, acordar na Espanha e esperar por um bom dia. 

Aproveitem!

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