O criminoso sempre volta ao local do crime

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Não era fácil dirigir um carro em qualquer situação, que diria conduzir sob a mira de uma arma e acompanhada de um bandido procurado.

Esse era o caso de Lílian, dirigindo de maneira cautelosa, saindo do Colina Azul e se deslocando por outras vias até chegar à rua São Marcos, avenida São Rafael e mergulhar na Paralela, tendo como destino o hotel no centro da cidade onde o elenco de "Crimes de Paixão" esteve hospedado no dia em que Jennifer Reis morreu.

- Tá, o que a gente vai fazer lá? – Sérgio não parecia muito empolgado com aquela perspectiva.

- Conversar com o carinha do hotel e ver se ele também viu alguma coisa.

- O descarado que tava com Jennifer?

- Esse mesmo. É a única pessoa que tava do seu lado na época e era um álibi convincente. Não sei como a justiça achou que não.

- Porque não tinha ninguém lá, porque eles não acharam uma terceira pessoa... Porra, quem entrou naquele quarto? A porra das câmeras não resolveu porra nenhuma! Que se foda essa miséria, acelera aí!

Mesmo em alta velocidade, finalmente Sérgio pôde observar com mais calma a cidade que acabou sendo seu lar involuntário nos últimos dez anos. O tamanho dos prédios, os carros e ônibus passando de forma apressada, a movimentação das pessoas, os empreendimentos e mercados em construção, e até mesmo o crescimento urbanístico. A cidade vivia em obras...

- Os políticos dizem com maior orgulho que Salvador é um canteiro de obras... – resmungou Lílian enquanto segurava, nervosamente, o volante com as duas mãos. – Mas a gente tem que definir a relevância de todas essas obras.

- Do que você tá falando, gracinha? Obra é obra!

- Obras com alto impacto ambiental porque querem colocar pilastras desnecessárias? Por isso que nosso metrô é essa coisa esquisita, meteram um concreto pra ficar tudo elevado e fica essa imagem horrível quando a gente podia usar as vias já prontas usadas pelos ônibus, dar uma reformada, colocar trilhos e pronto.

- É... Faz sentido. – replicou Sérgio, após um longo momento em silêncio.

Talvez fosse a primeira vez que os dois conversavam sobre assuntos que não eram relacionados à investigação do crime. De fato, era a primeira vez em muitos anos que Sérgio trocava palavras com alguém sobre questões que não envolviam violência, tráfico ou assassinatos. A forma como Lílian falava sobre aquele assunto, mudando regularmente para comentar a respeito de "gentrificação", "impactos ambientais", "aumento na passagem de ônibus", faziam Sérgio se perder um pouco na conversa. Ele parecia perdido. Talvez não fosse capaz de explanar sobre os temas citados pela designer – seu foco sempre foi a atuação, a arte – mas conseguia pontuar uma coisa ou outra, conseguindo encontrar algum fio para seguir na conversa. Mas ele não conseguia encontrar nada.

Prosseguiu ouvindo a voz de Lílian que se dedicava a falar, falar e falar a respeito de suas críticas sobre o crescimento da cidade, enquanto prestava atenção ora na janela, ora em sua interlocutora.

Coçou a barba, pensando que o apelido "gracinha", usado com ironia, se aplicava muito bem a ela.

Os dois prosseguiram pela avenida Garibaldi, e chegaram até a região do Garcia, onde subiram uma ladeira, e a jovem pediu um pouco de calma.

- Olha, se esse carro parar... Por favor, eu não tenho costume de subir ladeira...

- Dê seu jeito, gracinha. – retrucou.

Não demoraram muito a chegar ao Campo Grande, nas proximidades do hotel. Lílian conseguiu ver o prédio ao longe, antes de seguir pela avenida Sete de Setembro até buscar o retorno e ficar na mesma rua do hotel.

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